O setor de bares e restaurantes trabalha na criação de um marketplace de serviços de entrega, ou “delivery”, em parceria com grandes empresas de tecnologia e do varejo. Os objetivos são enfrentar o domínio dos aplicativos de entrega, que cobram taxas consideradas elevadas, e ter uma plataforma que ajude a organizar os pedidos dos clientes.
As discussões são lideradas pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), mas envolvem também pesos-pesados de outros setores. O presidente da entidade, Paulo Solmucci, afirma que nomes como Magazine Luiza, Google, Rappi e empresas de automação comercial participam das conversas e devem embarcar no projeto, batizado de “open delivery”.
A ideia é que a Abrasel desenvolva uma plataforma centralizada na qual restaurantes de todo o país poderão se cadastrar e se conectar com os prestadores de operações de delivery que desejarem, cada um com suas taxas e propostas de serviços.
Quando o consumidor procurar um estabelecimento ou prato por meio de um mecanismo de busca ou no site de uma rede varejista, ele receberá na sua tela todas as opções de entrega e preço disponíveis para aquela refeição e selecionará a que preferir. Caberá à empresa escolhida fechar a venda e fazer a entrega, cobrando do restaurante a taxa acordada previamente entre eles.
O setor também vem mantendo conversas com o Banco Central (BC) para integrar a plataforma ao Pix. O projeto prevê que o sistema utilizado não apenas como uma opção de pagamento para o consumidor, mas também como ferramenta de mensageria para enviar os pedidos.
O presidente da Abrasel diz já ter apresentado a ideia a representantes do Banco Central, do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Ministério da Economia sobre o “open delivery”. A associação, que reúne unidades de restaurantes como Andiamo, Adega Santiago, Belmonte, Peccorino e Spoleto, é conhecida por sua postura atuante em pautas pró-competição. Mais de uma vez, já apelou ao Cade contra a atuação verticalizada dos grandes bancos.
“Estamos fazendo um movimento a favor da concorrência. Na pandemia, alguns países tabelaram as taxas cobradas pelos apps, mas nós somos contra”, afirma Solmucci. “Tem muita gente grande querendo entrar no mercado de delivery e outros que querem atuar de forma regional, onde os aplicativos não chegam. Queremos criar uma padronização das informações para melhorar o serviço e a abrangência.”
De acordo com o presidente da Abrasel, ainda não está claro quanto a iniciativa pode representar de economia para o setor. Os aplicativos de delivery cobram taxas de 15% a 27% sobre cada transação. O percentual depende dos serviços incluídos (taxas de cartões, logística e outros).
A intenção é que, por meio de uma plataforma organizada, sejam criadas condições para atrair mais competidores e, com isso, reduzir os custos de operação.
Outro objetivo é que a plataforma funcione, para os restaurantes, como um repositório de pedidos recebidos dos diversos aplicativos e sites de e-commerce, ajudando na retaguarda. Com a proliferação dos apps, uma dificuldade apontada pelos estabelecimentos é gerenciar e organizar as solicitações, já que chegam por meio de diversas fontes.
Por isso, além da expectativa de redução de taxas propriamente dita, o projeto também visa uma diminuição dos custos relacionados a esse gerenciamento. Como o bar ou restaurante enxergará todos os pedidos dos clientes em uma só plataforma, já organizados, ficará mais fácil evitar perdas.
A Abrasel pretende montar ainda neste ano grupos de trabalho para cuidar das questões de tecnologia, regulação, compliance e logística. Definidos os princípios de governança e padronização, a plataforma será, então, desenvolvida – o que é previsto para 2021.
A iniciativa, se for adiante, é um exemplo de como os segmentos de varejo, serviços e pagamentos estão se entrelaçando. Com a digitalização, há uma tendência crescente das empresas de oferecerem a seus clientes uma “jornada” completa, da escolha do produto ao pagamento. Com lançamento marcado para a próxima semana, o Pix deve acelerar essa aproximação.
Ao mesmo tempo, o mercado de refeições talvez não interesse a rede varejistas ou empresas de tecnologia como um negócio em si, mas como uma ferramenta valiosa para conhecer melhor os hábitos de seus consumidores.
Procurado pelo Valor, o Magazine Luiza confirmou que representantes da empresa participaram de conversas com Abrasel sobre o projeto do open delivery, mas disse que não há um posicionamento tomado para participar da iniciativa. A empresa comprou em setembro o aplicativo de delivery AiQFome.
De acordo com a nota enviada nesta quinta-feira à reportagem, o Magazine Luiza afirma que “não fechou qualquer acordo com a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) e com outras empresas para participar de qualquer projeto conjunto de delivery de alimentos. Representantes do Magalu, de fato, participaram de uma reunião recente com executivos da Abrasel, promovida por um de seus fornecedores. Em nenhum momento, porém, houve qualquer posicionamento do Magalu no sentido de participar da iniciativa, que a empresa respeita mas da qual não tem conhecimento profundo.”
O Banco Central afirmou, por meio da assessoria de imprensa, que a “tecnologia e a mensageria utilizadas no Pix possibilitam que informações agregadas trafeguem junto com a ordem de pagamento, dando espaço para inúmeras inovações”. Porém, o regulador disse não haver ainda negociação sobre esse uso específico.
Fonte: Valor Econômico