O setor de restaurantes enfrenta dificuldades para se recuperar dos impactos da pandemia de covid-19, que obrigou a maioria dos estabelecimentos a fechar as portas boa parte do ano. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) estima que dos cerca de 1 milhão de estabelecimentos existentes no país antes da pandemia, 30% fecharam as portas de vez. O nível de vendas do setor atualmente está 40% abaixo do que foi observado em setembro e outubro de 2019.
O desempenho dos restaurantes varia de acordo com o tipo de serviço, a localização e o público-alvo. Restaurantes voltados para classes A e B enfrentam mais dificuldades, apresentando quedas de 65% a 70% em vendas em comparação com o período pré-pandemia. Já restaurantes voltados para classes C e D se recuperam mais rapidamente, com queda de 20%.
Em estabelecimentos a quilo, que respondem por 40% do total, retomada é mais lenta e clientes estão mais receosos
“O confinamento foi mais forte nas classes A e B. Esses consumidores conseguiram transferir o trabalho do escritório para casa. Nas faixas de renda mais baixa, não foi possível trabalhar de casa, ou as empresas chamaram para voltar ao escritório mais cedo”, afirmou Paulo Solmucci, presidente da Abrasel.
O número de empregos formais no setor caiu de 3 milhões para 1 milhão durante a pandemia. Incluindo postos informais, o total de empregados baixou de 6 milhões para 4,5 milhões. “Está se materializando nas ruas um cenário triste, que alertávamos que viria com a pandemia de covid-19”, disse Solmucci.
Fernando Blower, diretor executivo da Associação Nacional de Restaurantes (ANR), estima que o setor só recupera os níveis de 2019 em 2022. “Aqueles que se adaptaram ao delivery estão em melhor situação, com 50% a 70% do ritmo de vendas de 2019. Mas mesmo esses restaurantes enfrentam um cenário difícil, com alto nível de desemprego, queda de renda das famílias, custos mais altos”, disse Blower.
A Arcos Dorados, operadora da rede McDonald’s, informou que tem melhorado os resultados de vendas de maneira progressiva, graças à confiança dos consumidores na marca e à atuação forte no segmento de entrega. “Atualmente, 99% de nossos restaurantes estão operando, sendo que 90% deles já estão com salões abertos e os demais operando somente por meio do drive e ou delivery”, disse Paulo Camargo, presidente da divisão Brasil da Arcos Dorados.
A rede opera no país 1.024 restaurantes, 81 McCafés e 2.004 quiosques, empregando 50 mil pessoas. Desse total, 470 restaurantes possuem drive-thru e mais de 780 unidades têm atendimento delivery. Camargo disse que os canais digitais responderam por 40% das vendas na América Latina e Caribe no segundo trimestre, com aumento de 150% no sistema de delivery, e 30%, no drive-thru.
No grupo Halipar, dono das redes Griletto, Montana Grill, Jin Jin e Croasonho, as vendas estão a 70% do ritmo registrado em outubro do ano passado, devido em grande parte ao delivery, disse Ricardo José Alves, CEO do grupo. O grupo opera 400 lojas e cerca de 90% do total estão em shopping centers. “Além do problema com shoppings fechados ou com horário reduzido, tivemos que nos adaptar rapidamente para atender a demanda por delivery”, disse Alves. O grupo reduziu a oferta de pratos dos cardápios e excluiu itens mais caros, como pratos com salmão.
As vendas por delivery, que representavam 10% das vendas do grupo antes da pandemia, hoje representam 60% do total. “Acredito que quando a situação se normalizar nas lojas, o delivery vai representar de 15% a 20% das nossas vendas”, disse Alves. Para o ano de 2020, o grupo Halipar espera uma queda de 20% no faturamento da rede, para R$ 600 milhões.
Ainda de acordo com o grupo, na rede Jin Jin, de buffet de comida asiática, a recuperação está mais lenta. “Parte dos consumidores tem receio de se contaminar no buffet e parte não aceitou bem deixar de fazer o próprio prato”, disse Alves. Em algumas praças, os restaurantes a quilo são obrigados a colocar um funcionário para servir os clientes, como medida de segurança contra a covid-19.
Reinaldo Varela, fundador e presidente do Divino Fogão, rede com 184 lojas de comida a quilo, relatou o mesmo problema. “Quando a gente estava servindo muitos clientes acharam ruim. Caiu muito a venda. Onde colocamos luvas descartáveis para o cliente se servir as vendas estão voltando ao normal”, afirmou o executivo. De acordo com Varela, as vendas do Divino Fogão nas lojas estão com 60% a 80% do ritmo pré-pandemia. Nas 90 lojas que também atendem delivery a recuperação é mais rápida. A rede Divino Fogão também reduziu a oferta de itens nos restaurantes e desenvolveu uma linha de pratos prontos para entregar a domicílio.
De acordo com a Abrasel, nos restaurantes a quilo, que respondem por 40% dos estabelecimentos, a recuperação é mais lenta porque precisaram fazer adaptações no menu para servir delivery dos pratos. Além disso, existe um receio maior de contaminação pelo manuseio dos talheres no buffet.
Maria Tereza Pereira Dias, dona do restaurante Espaço Hibisco, na Vila Olímpia, fez uma série de mudanças no seu estabelecimento para atrair os clientes receosos. Na entrada, instalou totem com álcool em gel e tapete sanitizante na entrada e um funcionário mede a temperatura de cada cliente que chega. O restaurante a quilo deixou luvas descartáveis para os clientes se servirem. O número de mesas foi reduzido pela metade e foram instaladas divisórias de vidro temperado para aumentar a proteção. Mas os protocolos de segurança não ajudaram muito.
“Atendo por dia 15 pessoas, 20. Em um dia mais cheio são 25”, disse Maria Tereza. Antes da pandemia, o restaurante atendia uma média de 280 pessoas por dia – chegando a 490 em dias de pico. A comerciante disse que a maioria dos escritórios da região vão manter o regime de home office até janeiro e os que reabriram operam com número reduzido de pessoas. “A esperança é que em janeiro os escritórios voltem. Se isso não acontecer vai ficar difícil manter o restaurante”, acrescentou.
A Abrasel destacou que em locais onde o confinamento dura mais tempo, como São Paulo, os restaurantes enfrentam mais dificuldades para se recuperar. Em Estados como Santa Catarina, que teve apenas 35 dias de confinamento, as vendas estão melhores.
“A venda hoje está limitada pela restrição do uso de mesas em 50%”, acrescentou Junior Durski, fundador do Grupo Madero. O grupo está com todas as 202 unidades operando e atingiu em setembro 72% das vendas registradas no ano passado. O patamar tem se mantido estável desde então. “Enquanto não diminuir a restrição de isolamento social, as vendas vão ficar nesse nível”, disse o empresário.
A rede Di Paolo, que possui 14 unidades em Santa Catarina, Rio Grande do Sul e São Paulo, disse que as vendas atualmente correspondem a 45% do faturamento de antes da pandemia. No ano passado, a rede vendeu 800 mil refeições. “Muita gente ainda não voltou para os escritórios e o mercado de eventos está parado”, observou Jandir Dalberto, sócio dos restaurantes Di Paolo em São Paulo.
A rede Di Paolo mudou o cardápio, apostando em pratos com preços mais baixos, a partir de R$ 29. Além disso, conseguiu baixar em 50% os contratos de aluguel das lojas e reduziu o número de funcionários de 540 para 385. “Reduzimos em 80% os gastos, mas tivemos que usar o dinheiro que serviria para abrir duas lojas neste ano. Não nos endividamos, mas vamos precisar captar recurso para fazer a expansão de unidades no futuro”, disse Dalberto.
Fonte: Valor Econômico