Comer com as mãos, sem talheres, em um balcão compartilhado com outros clientes em pratos de papel. Para alguns donos de bares e restaurantes, levar a informalidade para as refeições, além de baratear os custos e os preços, também tem sido uma forma de levar a proposta da comida de rua para dentro de seus estabelecimentos.
Negócios com esse formato estão se espalhando por bairros paulistanos com tradição gastronômica como Pinheiros, Vila Madalena e Centro. Empresários que já possuem experiência prévia em restaurantes tradicionais encontraram nos cardápios reduzidos e no perfil descontraído uma forma de deixar de lado a cobrança da taxa de 10% de serviço.
Na pizzaria Napoli Centrale, inaugurada no fim de junho pelo gaúcho Marcos Livi, em pouco mais de 90 segundos, o cliente leva para uma das mesas de uso coletivo uma pizza individual cortada em quatro pedaços, sobre um retângulo de papel. E só. Para usar garfo e faca, tem de pedir no balcão. No cardápio, há cinco sabores de pizzas e uma receita do mês, escolhida por Livi. A um desembolso médio de R$ 25, ele estima fazer 150 atendimentos por mês.
“Existe um mercado, um público que não está tão preocupado com o ritual à mesa”, analisa o empresário. “O ritual do garçom tirar o pedido, o ritual de servir a bebida, o ritual de servir a comida, estão ficando de lado para algumas pessoas. Elas estão mais exigentes com o produto que consomem, não com o serviço”, comenta Livi, que além da Napoli Centrale também toca o restaurante Veríssimo e os bares Quintana e Botica, todos em São Paulo.
A crise econômica, que já foi incorporada ao cotidiano do consumidor brasileiro, é, na opinião de Livi e de outros empreendedores ouvidos pelo Estado uma das razões para a absorção do conceito de serviço reduzido pelo público.
“É uma quebra de paradigma em direção a um ambiente mais democrático. Aqui, você vê um executivo de terno e gravata e um office boy na mesma mesa comendo uma pizza. As pessoas estão aprendendo a ser solidárias”, reflete o empresário.
Em busca de fisgar o cliente aberto a essa ruptura, o cozinheiro e empresário Gilson de Almeida montou, há três anos, a hamburgueria Na Garagem. Em um espaço de 18 metros quadrados com capacidade para sete pessoas sentadas em uma mesa coletiva, clientes se aglomeram no balcão para pedir uma das duas opções do cardápio: o clássico x-salada ou o sanduíche vegetariano. Com um investimento inicial de R$ 150 mil, Almeida alugou uma garagem ao lado do condomínio onde morava, em Pinheiros, e comprou equipamentos que comportassem o preparo de três pratos.
“O cardápio foi baseado no tamanho do local. Minha proposta era criar três tipos de hambúrguer. O x-salada, porque eu adoro, um vegetariano e o terceiro seria um hambúrguer do chef. Mas não tive tempo para fazê-lo e não teve espaço”, relembra.
A inspiração do Na Garagem vem do período em que Almeida trabalhou em restaurantes em Nova York. Por lá, o então aspirante a chef se deparou com uma infinidade de pequenos estabelecimentos que somavam filas na calçada e resolveu trazer a proposta para o Brasil. “É muito caro comer fora de casa. Também por isso, as pessoas estão buscando a informalidade. Aqui, chamo a pessoa pelo nome, entrego o pedido num pratinho de papelão e não cobro 10% (referente a taxa de serviços)”, conta Almeida, que tem faturamento estimado em R$ 1.750 ao dia.
Lucro. Uma das premissas centrais dos restaurantes sem serviço é oferecer ao consumidor um produto com um preço reduzido. E, para isso, além da economia em “acessórios”, os empresários também estreitam suas margens.
No caso de Marcos Livi, da pizzaria Napoli Centrale, a margem de lucro gira em torno de 7% e 8% – negócios tradicionais, quando fora da crise, procuram trabalhar com 15% de margem. “Os números mágicos não existem mais. Precisamos manter os pés no chão”, crava Marcos Livi.
A realidade não é diferente para o chef e proprietário do restaurante de comida boliviana e peruana Comedoria Gonzales, Checho Gonzales, onde as margens não passam de 10%. Com isso, o empresário fatura, em média, R$ 150 mil ao mês. Checho também é adepto do formato simplificado de restaurante e não inclui a taxa de serviço na conta do cliente. “Se eu cobrasse (o serviço), meu faturamento cresceria até… Ah, acho que eu estaria rico”, brinca.
Checho já circulou por todos os modelos de restaurante possíveis enquanto empreendedor, desde estabelecimentos tradicionais em bairros nobres até participações em eventos munido de uma grelha e algumas espátulas. Ele acredita ter encontrado agora, com a Comedoria Gonzales, uma forma justa de oferecer refeições.
“Com a crise, as pessoas estão pensando melhor onde gastar o dinheiro. Se existem opções com qualidade, mas que vão cortar a toalha de mesa e o serviço, por que não? E é algo que demorou para acontecer, viu?”, reflete.
No bar Guarita, inaugurado na Vila Madalena há dois meses pelo bartender Jean Ponce, conhecido pelo trabalho desenvolvido no restaurante DOM, de Alex Atala, os cinco drinks do cardápio, mais alguns petiscos devem sustentar uma margem de lucro mais ambiciosa, estimada em até 20%. No local, o cliente pode abrir a geladeira e se servir com queijos e embutidos, basta avisar no balcão qual produto será consumido. A água não é cobrada, desde que o consumidor vá até uma garrafa em cima do balcão e abasteça seu copo. “Estamos preocupados com o que entregamos. Por isso, nossa postura é despretensiosa, mesmo”, conta Ponce. “A gente gosta de comer com a mão. Seguimos o conceito de que menos é mais”, avalia.
Fonte: Estadão PME