Por João Scheller | O nome do modelo de split payment, introduzido pela reforma tributária, é bem direto: em tradução livre do inglês significa pagamento dividido, e é exatamente como ele funcionará, separando o valor de imposto do produto ou serviço já no momento da transação. Assim, IBS e CBS serão recolhidos pelo governo em cada etapa da cadeia de produção de forma automática, o que dificultará a sonegação de impostos.
Ao mesmo tempo, o modelo traz problemas para as empresas, segundo especialistas consultados pelo Estadão. Isso porque, hoje, elas apuram seus impostos mensalmente, e ficarão com menos dinheiro em caixa durante o mês.
Além disso, com o sistema de créditos, as companhias só pagarão tributos sobre o valor que adicionarem aos seus produtos ou serviços, podendo descontar os impostos recolhidos anteriormente. Desta forma, elas poderão ter que ser restituídas pelo governo. Se no atual modelo de ICMS, por exemplo, as companhias repassam os valores de impostos devidos para o Fisco, no novo sistema a lógica se inverte.
“Essa apuração (de tributos) é feita no momento da transação e, justamente por isso, é um mecanismo que olha para o aumento da arrecadação”, afirma Tathiane Piscitelli, professora do mestrado profissional da FGV Direito SP. Ela destaca que, apesar de facilitar o processo de apuração, que se torna automático, a mudança afetará diretamente o fluxo de caixa das companhias. “Se antes ela podia se financiar ao longo do mês com esse dinheiro, antes de pagar para o governo, agora isso não mais acontece”, complementa.
Segundo Fernando Facury Scaff, que é advogado e professor de direito financeiro da USP, o modelo traz uma mudança significativa para a lógica da cobrança de impostos que as companhias estão acostumadas. “Atualmente, a empresa tem entre o primeiro e o último dia do mês para apurar imposto a pagar, e paga, dependendo da legislação, no dia cinco ou dez do mês seguinte”, explica, mencionando a dificuldade trazida pelo novo split payment e a experiência internacional com o uso do sistema. “Na prática, poucos países usam esse modelo”, complementa.
Detalhamentos ainda serão definidos pelo governo
Os detalhamentos sobre a utilização do split payment ainda deverão ser definidos pelo governo. Restam dúvidas sobre qual sistema será desenvolvido para apuração dos tributos, assim como prazos e definições específicas sobre como prosseguir no caso de pagamentos em dinheiro e parcelados, por exemplo.
Parte desse detalhamento está sendo discutido na proposta de regulamentação da reforma, que foi aprovada pela Câmara dos Deputados e está em análise no Senado. Já os procedimentos adotados para utilização do sistema serão esclarecidos por meio de normas ditadas pelo Comitê Gestor do IBS e pela Receita Federal, segundo Piscitelli, da FGV.
Para Bruna Kanning, advogada da consultoria tributária Taxes, companhias também precisarão se preparar, especialmente as que quiserem ter um controle próprio sobre os impostos devidos. “Atualmente é o governo que faz a homologação dos dados, diz se está certo ou errado. Com o split playment, isso ocorre na hora”, afirma.
Além disso, a mudança também fará com que as companhias tenham que repensar seu esquema de organização financeira e fluxo de caixa, considerando as mudanças. “A empresa sentirá o impacto do tributo no momento da venda ou prestação de serviço. Se ela não souber calcular isso corretamente, terá um problema grande de caixa”, diz.
O split payment entrará em vigor juntamente com os novos impostos CBS e IBS. O período de transição irá até 2033, quando ambos tributos substituirão os impostos usados atualmente. O início da utilização do sistema, porém, já ocorrerá em 2026, quando os dois sistemas tributários irão conviver juntos, em uma espécie de período de teste. “De 2026 a 2032 a empresa terá que saber formar dois preços de venda”, afirma Kanning, em referência aos dois modelos de pagamento de tributos que estarão em vigor no período.