Com a gestão dividida entre dois executivos, a varejista de material de construção, dona de uma receita de R$ 1,5 bilhão, busca arrumar a casa com o fechamento de lojas deficitárias, mudança no mix de produtos e investimento em tecnologia
Em 2004, termos como reformas, reparos e restauração passaram a fazer parte do dia a dia de Marcelo Roffe. Na época, o executivo, ex-Lojas Americanas e GPA, chegou a Saint-Gobain. Em 15 anos no grupo, ele acumulou cargos de direção na Brasilit e, em especial, na rede de varejo de construção Telhanorte.
Há um ano, essas mesmas palavras ganharam uma nova conotação para Roffe. Desde outubro de 2019, ele divide o comando e o cargo de diretor-geral da C&C Casa e Construção, rede de lojas de material de construção do Banco Alfa, com Christophe Auger, ex-Dicico e Sodimac.
A dupla se reporta ao Conselho de Administração do banco, cujas operações incluem ainda negócios como a rede de hotéis Transamérica. E, a quatro mãos, tem a missão de “arrumar a casa” da varejista, criada em 2000, a partir da união das bandeiras Conibra, Madeirense, Uemura e Castorama.
“Nós rodamos as lojas e vimos que havia muito a fazer”, afirma Roffe, ao NeoFeed. Ele observa que, nos últimos anos, a rede, dona de uma receita de R$ 1,5 bilhão em 2019, vinha crescendo e ganhando participação de mercado. “Mas vender é uma coisa. Ganhar dinheiro é outra.”
A partir dessas andanças, a C&C fechou três lojas deficitárias na capital paulista. Hoje são 35 unidades nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Em contrapartida, estão previstas três aberturas para 2021 nas duas primeiras praças, em pontos de maior potencial.
A mudança no mix de produtos foi outro foco, com a retirada de categorias adjacentes ao negócio principal das lojas físicas. A relação incluiu, por exemplo, segmentos como eletrodomésticos, cuja venda ficou restrita ao e-commerce da marca.
“A C&C estava perdendo identidade”, diz Roffe, que encontrou produtos para pets em algumas unidades. “Não somos a Via Varejo ou a Petz. Não é nossa praia. Temos que focar no que somos bons.” Sob essa orientação, a rede está dando maior atenção a quatro categorias: piso, louça, metais e tintas.
Há também uma ampla agenda de tecnologia até 2022. Em novembro, entra no ar uma ferramenta de precificação que vai auxiliar no ajuste, em tempo real, das estratégias comerciais dos 30 mil SKUs de cada unidade. “É um big data. Vamos fazer pricing por técnica, não por feeling”, pontua Roffe.
Em 2021, outro projeto é a implantação da última versão da SAP Hana, plataforma de análise de dados em tempo real da alemã SAP. Em um primeiro momento, ela será usada mais na retaguarda e em aplicações para melhorar a eficiência dos dois centros de distribuição da rede, em São Paulo e no Rio.
Gradativamente, a ferramenta também migrará para a captura e análise de dados dos consumidores. Essas informações serão usadas no desenvolvimento de projetos para melhorar a experiência desse cliente na interação com a C&C.
Com essa pegada, a varejista começa a testar, em novembro, nas lojas do Morumbi, em São Paulo, e da Barra da Tijuca, no Rio, um serviço gratuito no qual os clientes contarão com o auxílio de arquitetos para montarem projetos de obras e reformas.
A empresa também vai manter todos os serviços lançados ou maturados na Covid-19: vendas via WhatsApp; Clique e Retire, nas lojas ou CDs; e drive-thru. A decisão inclui ainda a entrega de produtos em até 5 horas na capital paulista e na Grande São Paulo.
Ajustes, retomada e competição
Durante a execução desse plano, o fechamento das lojas e uma queda de 50% nas vendas entre março e abril, por conta da pandemia, fez com que a rede promovesse cortes na equipe. Roffe não revela o número de profissionais envolvidos. Hoje, a C&C tem um quadro de 2,8 mil funcionários.
“Nós ajustamos a operação para uma venda menor e, a partir de julho, o mercado mudou completamente”, diz. “Desde então, o crescimento mensal nas vendas gira em torno de 20% a 25% em relação a 2019”, completa o executivo, ressaltando que hoje a empresa já opera no azul.
A recuperação não está restrita a C&C. A combinação de questões como o auxílio emergencial e o aumento dos projetos de reformas, pelo fato de as pessoas estarem mais tempo em casa, vem impulsionando a retomada do varejo de construção.
“Essas tendências ganharam fôlego no segundo semestre, que é tipicamente mais forte nesse mercado”, diz Waldir Abreu, superintendente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco). “E esse cenário também está sendo sustentado pelos lançamentos do mercado imobiliário.”
Para esse ano, a Anamaco prevê um crescimento de 4% sobre 2019, quando o segmento movimentou R$ 150 bilhões. Se as perspectivas são otimistas, a C&C tem pela frente um ambiente de competição desafiador para consolidar a sua repaginação.
A empresa é uma das poucas bandeiras 100% brasileiras de porte similar às redes de capital estrangeiro que atuam no País. A lista inclui as francesas Leroy Merlin, com 42 lojas, e Saint-Gobain, dona da Telhanorte e da Tumelero que, juntas, têm 75 unidades.
Outra rival é a Sodimac, do grupo chileno Falabella, que desembarcou no Brasil em 2013, com a compra da Dicico. E, desde 2018, vem cumprindo um plano agressivo de expansão, com 53 unidades.
A concorrência também vem de nomes como a Quero-Quero, do Sul do País, que captou R$ 2,2 bilhões em seu IPO, em agosto. Na oferta, R$ 279,9 milhões reforçaram o caixa da rede, que tem 353 lojas e prevê cerca de 70 novos pontos até 2021, o que deve incluir a estreia em praças como São Paulo.
Se de um lado há pesos pesados disputando terreno com a C&C, há um outro front que não pode ser desprezado. Segundo a Anamaco, o Brasil tem mais de 136 mil lojas de material de construção, das quais, 68,3% têm até quatro funcionários.
O Brasil tem mais de 136 mil lojas de material de construção, das quais, 68,3% têm até quatro funcionários
“O setor é muito pulverizado, mas está a caminho de uma consolidação”, afirma um executivo do setor. Ele ressalta que a própria C&C já foi alvo de especulações de venda e diz que a morte de Aloysio Faria, criador do Banco Alfa, em setembro, pode abrir portas para um eventual acordo. “Ele tinha um vínculo emocional com a C&C. Isso acabou. Para os acionistas, agora, a rede tem que dar resultado.”
Roffe, por sua vez, rechaça qualquer movimento nessa direção. “A empresa não está à venda”, diz o executivo, que não descarta a possibilidade de a C&C investir em aquisições. “Temos um mar de oportunidades e uma agenda bem positiva à frente.”
Ele destaca que a cogestão vem se mostrando o modelo ideal para que a empresa execute e entregue essa agenda. Na prática, as áreas de logística, comercial, e-commerce, marketing e venda para empresas estão sob a sua alçada. Já Auger cuida de operações, TI e finanças.
“A grande vantagem é ter alguém para dividir as demandas e alinhar os objetivos. A posição de CEO é, em geral, muito isolada”, afirma. “Temos metas em comum, mas andamos em paralelo. E sempre nos falamos quando há uma decisão difícil a ser tomada.”
Para uma fonte do setor, a chegada da dupla corrige o percurso da companhia. “A C&C errou durante muitos anos com executivos que não tinham o cacoete do setor”, afirma. “Ainda é cedo para dizer se o Roffe e o Auger serão bem-sucedidos. Mas eles são do ramo e sabem o que fazer.”
Fonte: Neofeed