O varejo de moda teve de aumentar os descontos e sacrificar as margens operacionais para conseguir reduzir seus estoques no primeiro trimestre, na comparação com um ano antes. De oito companhias de capital aberto dos setores de vestuário e calçadista, apenas três elevaram a quantidade de produtos para abastecer as lojas entre janeiro e março. As empresas se arriscam a traçar projeções mais otimistas para os três meses até junho, quando o nível de descontos tende a diminuir, a base de comparação será mais fraca e a coleção de inverno, de tíquete médio mais alto, vai ganhando relevância depois de um veranico em abril.
Mas o cenário ainda é difícil. A inflação alta, o aumento do desemprego e o crédito restrito reprimiram o consumo das famílias. “As vendas reaqueceram desde a chegada da frente fria antes do Dias das Mães, mas não o suficiente para minimizar as dificuldades enfrentadas nos meses anteriores”, diz Edmundo Lima, diretor-executivo da Associação Brasileira do Varejo Têxtil (ABVTEX). A entidade reúne as principais redes de moda do país, como C&A, Renner, Hering, Marisa, Restoque, Riachuelo, Zara e Forever 21. “Fica a expectativa que as ondas de frio permaneçam até o Dia dos Namorados.”
Após três semanas de temperaturas acima de 30 graus em abril no Sul e Sudeste, as vendas da coleção de outono-inverno, que chegaram às lojas em meados de março, estavam aquém das expectativas. “O ano de 2016 se mostra mais desafiador que 2015, tanto pelas temperaturas mais altas na estação como pela situação política e macroeconômica instável”, afirma Lima. Segundo ele, a mudança de governo traz mais confiança ao setor, mas está longe de significar uma reversão de cenário.
A maioria das empresas lançou mão de altos descontos para abrir espaço para a coleção de inverno. A Riachuelo, da Guararapes, anunciou descontos de 60% em janeiro, assim como a rival C&A. A Restoque, dona de marcas como Le Lis Blanc e Dudalina, estendeu o período de liquidação de 10 dias para cerca de 2 meses, enquanto intensificou a participação da venda de liquidação de 40,3% para 46,8% da rede no trimestre. A Marisa chegou a oferecer preços até 80% mais baixos no início do ano.
“Nos últimos 10 a 15 anos, não me lembro de ter visto um trimestre tão promocional, e muitas dessas promoções são irrealistas”, disse José Galló, presidente da Renner, ao fim de abril, em teleconferência com analistas.
A receita líquida conjunta de oito empresas de capital aberto da área de moda – Renner, Marisa, Hering, Restoque, Guararapes, Arezzo, Alpargatas e Grendene – avançou pouco mais de 2% de janeiro a março, na comparação com um ano antes. Os custos recuaram 1,3% e a margem bruta média teve recuo próximo a 0,5 ponto, para 50,4%. As despesas subiram 10% e os lucros operacional e líquido tiveram forte deterioração. O lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, na sigla em inglês) combinado diminuiu 22%, para R$ 5,81 bilhões, enquanto o lucro líquido caiu 19%, a R$ 3,68 bilhões.
Juntas, essas oito empresas encerraram o primeiro trimestre com estoques da ordem de R$ 3,6 bilhões, queda de 7,6% na comparação com um ano antes. Em relação ao trimestre anterior, mostraram crescimento de 13%. Apenas as calçadistas Arezzo e Grendene elevaram seus estoques de janeiro a março, em comparação a igual período de 2014, em apenas um dígito.
No acumulado de janeiro a março, o comércio varejista de tecidos, vestuário e calçados apresentou queda de 12,9% em volume, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Segundo a Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecções, a produção de vestuário encolheu 10% no Brasil em 2015, para 5,5 bilhões de peças. Em 2016, vai cair mais 1,8%.
As promoções tendem a diminuir no segundo trimestre, ao menos nos planos dos executivos da Restoque, Guararapes e Hering. A Marisa já conseguiu reduzir um pouco as remarcações, segundo seu relatório de resultados.
A Restoque afirma ter iniciado o segundo trimestre com o estoque em nível “incomparavelmente melhor” que há um ano. Desde a segunda metade do ano passado, a companhia sofria com o baixo patamar de recebimento de produtos, que deixou as coleções por tempo demais nas lojas.
A Guararapes afirma que as vendas em estabelecimentos abertos há mais de um ano (“mesmas lojas”) foram ‘substancialmente’ melhores em março que em janeiro e fevereiro e, mesmo com as temperaturas mais altas que o esperado em abril, continuam a mostrar recuperação.
“A redução dos estoques deve se traduzir em um desempenho melhor de vendas para franquias no segundo trimestre”, disse Frederico Oldani, diretor financeiro e de relações com investidores da Hering. A expectativa da companhia é que os estoques estejam normalizados até o quarto trimestre.