Presença das mulheres no comando de franquias aumenta e os resultados das franqueadas são maiores onde elas lideram
Por Katia Simões
Terceira geração no comando da fabricante de calçados Piccadilly, Cristine Grings é a primeira mulher a presidir a companhia em 67 anos de operação. A chegada ao posto em 2015 foi vista com apreensão não apenas dentro de casa, mas também entre fornecedores e varejistas. A decisão, porém, estava bem embasada. “A indicação foi feita ao conselho pela consultoria especializada em governança familiar que auxiliou em todo o processo”, diz. “Eu tinha consciência de que se tratava não apenas de uma mudança de cadeira, mas de modelo de gestão”.
Em sete anos, a Piccadilly passou por uma transformação cultural. Adotou uma gestão mais humanizada, tornou-se mais aberta ao novo e acelerou a agenda ESG. “Eu acreditava que o que tinha trazido a companhia até os 60 anos não a levaria aos 100; daí a necessidade de adotar um modelo de gestão compartilhado, envolvendo as pessoas na construção do negócio e com ambiente diverso ”, diz.2 de 2
Hoje, as mulheres respondem por 60% dos 2.000 postos de trabalho da companhia e ocupam 40% dos cargos de liderança. Pela metodologia do Great Place do Work, em 2021, foi certificada como ótimo lugar para se trabalhar, acima da média do mercado. No último ano, a franquia se tornou um negócio relevante e deve chegar a 30 unidades até dezembro, colaborando para a meta de R$ 400 milhões de faturamento, frente aos R$ 250 milhões de 2021. “Nossos números comprovam que ser uma empresa humanizada com olhar ESG faz sentido”, aponta Grings.
Para Renata Rouchou, diretora de expansão da Casa Bauducco, a trajetória feminina no franchising é uma escada da qual apenas metade dos degraus foram percorridos. “Meu primeiro trabalho com franquias foi em 1988. Muita coisa evoluiu nesse período, mas ainda há muito a ser feito”, diz, se referindo à necessidade demostrar “o dobro do trabalho” para se fazer ouvir. “A trilha era individual, agora passou a ser uma discussão coletiva”. Rouchou é a primeira mulher em cargo de direção em 70 anos da companhia, que deve fechar o ano com 130 unidades e receita de R$ 200 milhões. “A mulher trabalha pelo propósito do projeto, é transparente nas relações e traz para a gestão um olhar de colaboração, essencial para franquias”, afirma.
Foi sob a presidência de Cristina Franco que a Associação Brasileira de Franchising (ABF) realizou o primeiro estudo Liderança Feminina no Franchising. Publicado em 2015, o levantamento revelou que apenas 12% das cerca de 3.000 redes em operação na época tinham liderança exclusivamente feminina, percentual que saltou para 16% em 2020.
Ainda segundo a pesquisa, quanto mais nova a franqueadora, maior a presença de mulheres em cargos de decisão. Em companhias com até cinco anos, 40% das funções executivas são desempenhadas por mulheres. Porém, quando o olhar se volta para a rede franqueada, o salto é significativo, chega a 51% o volume de donas do próprio negócio.
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A estatística é confirmada pela rede gaúcha Royal Trudel, comandada por Patrícia Bonafé Turmina. Das 56 unidades franqueadas, metade é liderada por mulheres. “Dentro da franqueadora, 70% dos cargos são ocupados por elas”, diz a empresária. “Temos um olhar bastante humano sobre as equipes, que também é alimentado pelos homens que trabalham conosco. Acredito que é o ambiente que transforma”. Com um faturamento estimado de R$ 32 milhões para este ano, a Royal Trudel vê na diversidade o equilíbrio para o bom desempenho. Não por acaso, um gestor trans coordena o treinamento dos franqueados.
“A presença mais forte das mulheres no sistema contribuiu para mexer o caldeirão do franchising de maneira diferente, trazendo para o ambiente de negócios mais competências ligadas à inteligência emocional”, afirma Franco, hoje vice-presidente do Conselho da ABF. “Na prática isso significa a adoção de um olhar mais humanizado, cooperação, compartilhamento e gestão horizontal, comportamentos que as lideranças masculinas começam a buscar”.
Criada em 2008 por Livia Cravo Sodré de Vilar, a LocaX Aluguel de Carros é um exemplo do avanço da liderança feminina em um mercado majoritariamente masculino. Ela assegura que mulher tende a pensar fora da caixa e tem determinação diante de desafio. “Sou advogada de formação e não demorei a perceber que para me fazer ouvir eu precisava saber muito mais do que os que estavam na mesa de negociação”, diz a CEO, que toma um tempo para se preparar para reuniões. “Difícil perder uma negociação”. A receita vale tanto para o comando da franquia, quanto para as ações no Sindicato das Locadoras de Automóveis da Bahia, onde é uma das três mulheres na diretoria. Com sete franquias em operação, a LocaX deve fechar 2022 com 30 unidades e um faturamento de R$ 10 milhões, o dobro de 2021.
Exceção no mercado de tecnologia no qual apenas 20% dos profissionais são mulheres, a Omie, plataforma de gestão na nuvem, que oferece educação e serviços financeiros para contadores, tem 49% dos 1.100 colaboradores diretos mulheres. Elas respondem por 46% dos cargos de liderança. “Justamente para virar esse cenário que trago as minorias para o centro das discussões”, afirma Aurora Suh, diretora de receita (chief revenue officer – CRO) da Omie, responsável pela geração de receita da plataforma de gestão na nuvem, que oferece educação e serviços financeiros para contadores. “Se você não traz a diversidade para dentro do negócio, ele não reflete a realidade da sociedade”.
Para tentar aumentar a equidade de gênero no varejo foi criado há quatro anos o Instituto Mulheres do Varejo. O objetivo é a troca de conhecimento, vagas e networking. O que começou com um grupo de WhatsApp informal, hoje conta com 300 executivas. “O grupo se fortaleceu durante esses anos, fez pesquisas, encontros de networking, conseguiu recolocar mulheres por meio de indicações, criou masterclasses, fez lives com auxílio psicológico, lançou um livro com histórias de 50 executivas contando todos os seus desafios no setor’, conta Sandra Takata, presidente do instituto.
Fonte: Valor Econômico