O setor de farmácias se prepara para a maior onda de oferta de ações de empresas já vista neste mercado, que deve chegar a R$ 3,6 bilhões. Será o segmento do varejo com o maior número de operações desde a pandemia – um terço das 12 em andamento ou já fechadas – entre emissões de novos papéis e ofertas públicas iniciais, num total de quatro companhias: Dimed (Panvel), D1000 (Profarma), Pague Menos e Nissei.
O movimento deve dar novo fôlego à consolidação do setor, com as cadeias mais capitalizadas adquirindo pontos já fechados ou de redes pequenas, dizem especialistas. A competição dessas varejistas com farmácias regionais também tende a aumentar. Muitas dessas empresas regionais operam juntas, no modelo de associativismo, nas áreas dominadas pelas grandes redes com caixa reforçado. O Brasil tem cerca de 88 mil drogarias, segundo dados do Conselho Federal de Farmácia.
Com base no que as empresas sinalizam em seus prospectos sobre as ofertas de ações, haverá ainda uma nova onda de competição nos próximos anos no Sul do país, especialmente no Rio Grande do Sul e no Paraná, onde Panvel e Nissei são fortes, e no Nordeste, onde a Pague Menos pretende terminar sua consolidação antes de se fortalecer em outros mercados.
No Estado de São Paulo, onde Panvel e Nissei já têm lojas, há planos de avançar em novas aberturas, mas o Valor apurou que as redes não preparam um plano agressivo de tomada de mercado na região. “O Sul deve ter uma batalha mais sangrenta por mercado do que o Sudeste. Quem abriu muitas lojas por lá e não tem fôlego de caixa, como as farmácias independentes [lojas menores, de bairro], vai sentir o baque”, diz um empresário que opera há 30 anos nesse mercado.
Segundo esse empresário, São Paulo tem uma barreira de entrada gigantesca com a Raia Drogasil e a Drogaria São Paulo. “A Panvel já disse nos ‘roadshows’ [apresentações para investidores] que vai colocar mais cash em São Paulo, mas ela não vai ser superagressiva. Eles são bem conservadores, fazem tudo muito programado”, diz.
Os grupos Raia Drogasil (RD) e Drogarias Pacheco São Paulo (DPSP), donos de 25% do mercado brasileiro de farmácias, não estão só assistindo a esse movimento. Conforme o Valor antecipou ontem, a DPSP voltou a negociar a venda de 100% do negócio para a mexicana Femsa, que opera 3,1 mil farmácias no México, Chile, Equador e Colômbia, segundo fontes do setor. A operação daria novo gás para o crescimento da DPSP, cujas vendas subiram 7% em 2019.
Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), mesmo com a perspectiva de recessão, há uma “janela” para novas ofertas sustentada pelo fato de este ser um mercado mais resiliente à crise. “O investidor sabe que os solavancos da economia não pegam tanto esses papéis. Vimos isso na recessão de 2015. E ainda há a perspectiva de que essas cadeias, que já têm um braço de distribuição próprio bem estruturado, avancem logo para praças onde são fortes. É algo que traz um ganho rápido, dando um gás maior para essas captações.”
Neste momento, está em andamento a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) da D1000, o braço de varejo da Profarma (dona de redes como Rosário e Tamoio), e que deve atingir R$ 645 milhões. Já a cearense Pague Menos pode alcançar R$ 1,1 bilhão em seu IPO. Na gaúcha Panvel, já listada em bolsa, houve emissão de cerca de R$ 1 bilhão em papéis, sendo R$ 480 milhões para o grupo e o restante para os sócios.
No caso da Nissei, o Valor apurou que a intenção dos bancos é levantar R$ 1 bilhão e que o grupo de bancos coordenadores da operação está sendo finalizado. A varejista não comenta o assunto.
Majoritariamente, são ofertas primárias, com capital indo para as varejistas, e não para o bolso dos sócios. Segundo os prospectos, os recursos entrarão, em sua maioria, para abrir e modernizar lojas e reforçar capital de giro. Na Panvel, 63% do capital tem essa destinação e na Pague Menos, representam 75%. Em apenas uma, na D1000, metade do montante vai para amortização de dívida, mas mesmo assim a outra metade vai integralmente para abertura de pontos e capital de giro.
Para Guilherme Assis e Felipe Reboredo, analistas do Safra, a consolidação do setor ganhará força nos próximos anos. “Aqueles que se aventuraram no mercado acabarão desistindo, saindo ou vendendo suas operações”, afirmaram em relatório publicado dias atrás.
Eles mencionam a Extrafarma, do grupo Ultra, operação que antes da pandemia sofria com problemas de rentabilidade e com baixas contábeis. “A Extrafarma é a principal candidata a aquisição e a RD, a ser consolidadora”.
Na comparação entre Panvel, quarta maior do setor, e a líder Raia Drogasil, o Safra prefere Panvel, frente ao espaço para valorização das ações, apesar de entender que a RD é hoje a melhor posicionada do setor para enfrentar essa fase de consolidação. Dos R$ 480 milhões que entram na Panvel com a oferta, R$ 290 milhões vão para expansão orgânica e o restante para tecnologia e logística.
A empresa é controlada pelas famílias Mottin, Weber e Pizzato, que reduziram suas fatias no negócio com a oferta de ações. Os fundos Kinea e Petros também venderam fatias, num total de R$ 555 milhões considerando as vendas de todos os sócios.
A expectativa de analistas é que inicialmente os recursos da oferta da Panvel fiquem mais concentrados nos mercados do Sul, com São Paulo recebendo mais investimentos num segundo momento (a rede tem cinco lojas na capital). No total, a rede possui 450 pontos.
“Na Dimed [Panvel], a venda on-line é 10% do total [a taxa média do setor é 2% a 3%], a empresa tem uma das principais distribuidoras de medicamentos e lojas em locais de alta densidade, com barreira de entrada. Vemos a Dimed se consolidando com predomínio regional e a RD estendendo a sua dominância nacional”, afirmou Luiz Guanais, analista do BTG, em relatório de abril.
A Pague Menos, que cresceu apenas 3% ano passado, após passar por uma reorganização com fechamento de lojas e redução de dívidas, informa que pretende usar a captação para investir em áreas não saturadas para a classe C, sinal de que não entrará numa rivalidade direta com as líderes do setor. Mas ao se tornar mais competitiva nos Estados nordestinos, ela avança num mercado que a RD decidiu ocupar mais rapidamente nos últimos anos, ampliando investimentos.
A Pague Menos menciona ainda no seu prospecto que o canal digital opera “aquém do potencial”, e que os recursos ajudarão nisso. E que a competição deve se manter no mercado de redes menores e farmácias independentes na região Nordeste.
Fonte: Valor Econômico