Sistema de registro ainda enfrenta percalços, mas começa a gerar novos modelos de negócios
Por Álvaro Campos e Talita Moreira
Mais de quatro meses depois de implantado no país, o sistema de registro de recebíveis de cartões ainda apresenta problemas técnicos e está longe de alcançar o objetivo do Banco Central (BC) de aumentar a oferta e baratear o crédito a pequenos lojistas. Mesmo assim, já começa a atrair empresas interessadas em desenvolver modelos de negócio baseados na plataforma.
É o caso da Floki, que oferece soluções tecnológicas para gestão e execução de compras para o segmento de “food service”. A companhia planeja permitir que os restaurantes usem os recebíveis como uma espécie de “moeda” para alongar prazos junto a fornecedores, eliminando a necessidade de realizar a antecipação de recebíveis. “O novo sistema de registro vai dar a capacidade a eles de usarem suas receitas de forma mais eficiente”, diz Marcelo Espiga, cofundador da Floki. “Nosso papel aqui é ajudar a dar esse acesso, acelerar a adesão ao novo sistema.”
A Blu, uma fintech focada em soluções financeiras para gestão de recebíveis de cartão de crédito, também pretende se beneficiar do novo modelo. Segundo o co-CEO Rafael Sobral, a inadimplência no pequeno varejo pode chegar a quase 7%, mas, ao usar os recebíveis como garantia, o risco cai muito e, consequentemente, os juros também. Fundada antes do sistema, a empresa teve de criar uma subadquirente para controlar os fluxos e o uso dos recebíveis. Agora, não precisará mais disso. Subadquirentes usam a rede das credenciadoras (empresas de “maquininhas”) para prestar serviços de pagamentos. “Sem precisar ter a maquininha de cartão lá na ponta, a gente pode operar nossas soluções na cadeia de suprimento, em muito maior escala.”
Ao juntar diversos varejistas e negociar a antecipação dos recebíveis em escala com as grandes credenciadoras, a Blu imagina conseguir taxas menores e prazos maiores. A fintech faz a ponte entre 15 mil lojistas e cerca de 2,5 mil indústrias fornecedoras. No ano passado, movimentou R$ 3,5 bilhões. Apesar de agora não precisar mais ter uma subadquirente, ela deve manter a estrutura para oferecer novos serviços aos clientes.
Assim como a Floki, a Blu está integrada à Central de Recebíveis (Cerc), uma das três registradoras que operam o sistema.
Para Pablo de Mello Leonardo, sócio e diretor comercial da CloudWalk, o registro será um marco na indústria. A Infinite Pay, adquirente do grupo, é focada em pequenas e médias empresas (PMEs) e faz a antecipação de recebíveis em um dia. “Ter a câmara de recebíveis é uma baita oportunidade. Ter informações sobre as garantias dos recebíveis é primordial para saber se podemos dar crédito, quanto podemos dar. Assegurar que essas informações sejam públicas traz vantagens enormes do ponto de vista concorrencial.”
Os negócios começam a surgir depois de um período difícil para a implantação do sistema, com problemas não de todo superados. A regra do BC que exige o registro de recebíveis entrou em vigor em 7 de junho, após sucessivos adiamentos, porque as empresas não estavam prontas. A estreia foi muito conturbada e até hoje a interoperabilidade entre as registradoras não funciona a contento, gerando riscos para quem dá crédito. “As primeiras seis semanas foram muito ruins. Agora, as coisas estão começando a melhorar”, diz Fernando Fontes, sócio-fundador da Cerc.
Além da Cerc, também atuam como registradoras a Câmara Inter bancária de Pagamentos (CIP), ligada aos bancos, e a TAG, criada pela Stone. Quando o sistema entrou em funcionamento, a quantidade de unidades de recebíveis a ser convertidas no mercado foi muito maior do que as empresas esperavam e, até agora, elas não conseguem ler adequadamente as agendas de recebíveis de lojistas de todo o mercado.
“As três registradoras estão trabalhando para resolver, o BC também tem atuado conosco e estamos bem mais otimistas”, diz Rafael Dal Mas, diretor de produtos da CIP. Segundo ele, o início do novo sistema foi “bem ruim”, mas os problemas que ainda precisam ser resolvidos são residuais. “Estamos bem mais otimistas.”
Fontes, da Cerc, afirma que foram feitas mudanças na arquitetura para que o sistema não entrasse em colapso diante de um volume de recebíveis muito maior do que o esperado pelo mercado. Isso aconteceu, entre outros motivos, porque diversas empresas que não participavam do modelo anterior, de trava bancária, entraram no novo ambiente.
À medida que o sistema operar corretamente, Marcelo Maziero, também sócio-fundador da Cerc, afirma diz que será, para os lojistas, “o open banking na prática” – já que poderão usar o fluxo de recebíveis de cartões para obter mais crédito em melhores condições. “É uma mudança estruturante e, como tal, é difícil.”
Maziero observa que, hoje, o mercado trabalha muito com a antecipação de recebíveis, mas haverá um aprendizado para que o setor amplie as operações baseadas no fluxo futuro de pagamentos – o chamado crédito “fumaça”.
Para Dal Mas, da CIP, a transformação trazida pelo registro é grande, mas incremental, e ficará mais visível conforme as dificuldades forem superadas. Segundo ele, é cedo para visualizar uma melhora nas taxas de juros, mas ela virá.
Procurada, a TAG afirma em nota que as registradoras têm trabalhado para que o sistema funcione. “Tem havido relevante evolução. A TAG segue trabalhando, em conjunto com as demais registradoras, em prol da estabilização. Esse trabalho conjunto está sendo feito de maneira muito próxima do regulador e do mercado. Assim, esperamos que todos as questões pendentes sejam resolvidas em curto espaço de tempo.”
Fonte: Valor Econômico