Após a aprovação pelo Senado, em novembro de 2015, oProjeto de Lei (281/2012) que propõe algumas adaptações ao Código de Defesa do Consumidor foi remetido à Câmara dos Deputados. Embora esteja submetido ao Regime de Tramitação Prioritária, fato é que, em decorrência dos recentes acontecimentos políticos no país, o Projeto ainda não foi objeto de deliberação na Câmara.
Apesar disso, o Projeto contém discussões importantes, entre elas um novo capítulo que trata exclusivamente do e-commerce e assuntos como privacidade de dados, direito ao arrependimento e envio de e-mail e spam.
Para comentar como essas mudanças poderiam impactar os lojistas, entrevistamos Mauro Tschiedel, Sócio e Founder da Usina Info, loja online de ferramentas, componentes e peças para eletrônica da cidade de Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Confira:
- Como você vê a iniciativa deste Projeto?
Mauro: “na minha visão toda regulamentação precisa evoluir. Em 1990, a internet não existia comercialmente como é hoje: as formas de pagamento, os vídeos de produtos, as informações logísticas, etc. Então estas mudanças precisam ser levadas em conta pela legislação para que ela não fique ultrapassada. O que temos que ter cuidado é para a lei evolua de forma a contemplar um grande período de tempo e que seja justa”.
- Levando em consideração as peculiaridades do comércio eletrônico, quais são as principais dificuldades da sua operação em cumprir o atual Código de Defesa do Consumidor?
Mauro: “o atual CDC regulamenta várias situações do e-commerce que protegem o consumidor, como a parte fraca da relação. O Atual CDC deixou passar situações em que as empresas são prejudicadas. Por exemplo, você envia um produto para um cliente, o produto chega lá, o cliente não segue as normas de utilização e danifica o produto. Se ele estiver dentro dos 7 dias é responsabilidade da empresa arcar com os custos envolvidos no arrependimento, inclusive os fretes. Todos os custos são da empresa, mesmo não sendo erro dela, mesmo sendo verificado o mau uso. Estes casos o CDC não trata”.
- Na sua opinião, o que precisaria ser mudado no Código atual para que a sua relação com o consumidor fosse melhor?
Mauro: “uma das coisas que o CDC deveria deixar claro é a responsabilidade de cada player na cadeia de comercialização. Deixar claro até onde vai a responsabilidade da empresa, das empresas de logística, de pagamento, etc. Outro ponto que considero importante é regulamentar variações de preços entre clientes de diferentes estados. Explico: com a nossa legislação tributária, hoje vender para o estado A ou B, tem custos totalmente diferentes no que tange à tributação. Hoje para atender o CDC, às vezes para vender no estado que é mais barato, o consumidor acaba pagando mais caro. Isto poderia ser melhorado”.
- O Projeto de Lei também apresenta pontos bastante controversos. Alguns deles são:
– Seção VII. Art 45-B “Sem prejuízo do disposto neste Código, os sítios e demais meios eletrônicos, bem como as comunicações remetidas ao consumidor, utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, entre outras informações:
III- Discriminação, no preço, de quaisquer despesas adicionais ou acessórias, tais como as de entrega; – Você já faz isso? Se não, por quê?
Mauro: “então, já começam as situações duvidosas. O que são ofertas? É um e-mail dizendo: “veja novidades que chegaram?” Considerando que os produtos já foram listados? Será obrigatório ter o preço? Se for uma questão de exibir o preço no site e a simulação de frete, acredito que a maioria dos e-commerces já estejam adaptados. Mas gosto de pensar para frente, por exemplo, um e-commerce de ‘grama de jardim’, o frete dificilmente será automatizado (varia o peso do produto com a umidade na colheita), precisando cotar com transportadoras quando o produto estiver embalado, pois só aí é possível ter o peso real. Um e-commerce nesta situação, não está agindo de má fé, porém perante o proposto estaria irregular, passível de multa. Este artigo precisa ser revisto e melhorado”.
– Art 45: Na contratação por meio eletrônico, ou similar, o fornecedor deve enviar ao consumidor:
IV – formulário ou link para formulário, facilitado e específico para preenchimento pelo consumidor em caso de exercício do direito de arrependimento. – Você já faz isso? Se não, por quê?
Mauro: “em nosso e-commerce, o cliente tem como solicitar garantias/devoluções diretamente em nosso site, baseado nos pedidos dele, que vai para análise e em seguida recebe um retorno. Quanto à necessidade de links, formulários, etc, é um preciosismo que só prejudica o crescimento. Do meu ponto de vista, a empresa precisa ter canais de comunicação para que o cliente tenha o direito de arrependimento atendido. Daqui a 10 anos, não sabemos nem se vai existir link ou formulário, quem sabe será por áudio, não sabemos. Criar especificações restritivas demais engessa o processo e não garante o cumprimento dos direitos dos clientes. A empresa que age de má fé, com formulário ou sem não vai cumprir a lei”.
– Art 45 45-F: É vedado ao fornecedor enviar mensagem eletrônica não solicitada. Como isso pode impactar a sua estratégia de marketing e vendas?
Mauro: “para nossa empresa isto não terá impacto, pois usamos base própria com autorização. Mas gosto de pensar nos impactos futuros. Se um cliente agir de má fé e alegar que não deu autorização, como fica? Qual a prova? Com os filtros anti-spam existentes e em evolução constante, acho que isto não deveria ser preocupação dos legisladores. O mercado irá resolver este problema”.
- No caso do consumidor manifestar arrependimento, o Projeto prevê que o lojista deve devolver o crédito no valor total do produto ou serviço, acrescido de juros incidentes até a data da efetiva devolução. O que você acha dessa obrigação?
Mauro: “bom, estamos mal com esta visão de que toda empresa vai enriquecer com o dinheiro dentro dos sete dias do arrependimento. Isto demonstra uma clara falta de visão de como o mercado funciona. Se o cliente paga no cartão de crédito, seja por intermediador, gateway, banco…etc, a empresa não enxerga esse dinheiro em 7 dias. Ou seja, ela não lucrou, o dinheiro ainda está com a operadora. Bom aí analisemos o frete: o frete nem foi pago ainda para a empresa de logística, sendo ela responsável. Mas obviamente pequenos e-commerces não terão como repassar os juros para o cara da logística.
Imagina contabilmente como será isto. Você terá um débito de juros para um terceiro que não prestou serviço? Será uma multa? Como será calculado isto?Quando leio estas proposições fico pensando que foi redigido por alguém que ficou esperando 60 dias para receber seu dinheiro. E se isto aconteceu, existe a justiça para resolver. Não precisa criar uma nova tramoia tributária/jurídica que vai gerar mais custo do que benefício. E aí você, empresário vai ter que ficar calculando juros sobre vendas de R$ 20,00 por sete dias. Sem contar que isto irá gerar um nova fonte de renda para alguns que vão comprar e no sétimo dia solicitar arrependimento e ganhar juros, sem gastar nada ou fazer nada. Não gosto de quando a balança pende só para um lado”.
- No Art 72-A, o CDC diz que se o lojista veicular qualquer dado sem autorização prévia do cliente pode sofrer pena de detenção de três meses a um ano e multa. O que você acha dessa obrigação?
Mauro: “algum empresário sério gosta de divulgar dados dos clientes? Isto acontece intencionalmente? obviamente que não. Novamente, parte-se do princípio que todo empresário age de má fé e que vai divulgar tudo para todos os lados. O malandro vai colocar no ‘contrato’ em letrinhas miúdas uma autorização prévia. Claro que, quando dados de clientes são divulgados de má fé, isto tem que ser penalizado, mas acredito que foge do âmbito do CDC e já existe jurisprudência”.