Outlet online quer abrir capital por meio da instrução 476, além de investir em novas categorias, marketplace, programa de fidelidade e produtos financeiros
Por Moacir Drska
Todos os dias, um arsenal de até dez novas campanhas ocupa a plataforma da Privalia. O outlet online investe em ações de curta duração, as chamadas flash sales, para conectar os consumidores aos descontos e produtos de ponta de estoque de marcas como Nike, Lacoste, Levi’s, Versace e Arezzo.
Nesta semana, a empresa começou a promover mais uma campanha. Quem está na vitrine, porém, é a própria Privalia. Depois de adiar sua abertura de capital no fim de abril, a companhia está retomando a trilha para o IPO, em uma nova tentativa de obter o melhor preço junto aos investidores.
Dessa vez, no entanto, o caminho passa pelo registro como companhia aberta e pela instrução 476 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que restringe a oferta aos investidores profissionais e a um número de 75 participantes, dos quais apenas 50 podem participar, de fato, da operação.
“Estamos sentindo o mercado um pouco mais tranquilo em relação ao que vimos em março”, diz Fernando Boscolo, CEO da Privalia, ao NeoFeed. O CFO da companhia, John Salén acrescenta: “Vamos testar o apetite dos investidores e buscar a oferta entre o fim do mês e o início de julho.”
Com o non deal roadshow iniciado nessa semana, os executivos esperam encontrar um contexto diferente daquele observado há pouco mais de dois meses. Na época, a empresa decidiu recuar diante de questões que trouxeram uma abordagem muito mais seletiva por parte dos investidores.
“O investidor estrangeiro passou a olhar o Brasil com ceticismo, o que foi agravado pelo derretimento das empresas de tecnologia e a alta dos juros nos Estados Unidos”, conta Salén. “Por isso, sentimos que era melhor esperar o mercado se estabilizar e os preços se recolocarem.”
Ao refazer esse percurso, agora com a perspectiva de uma janela mais favorável, a Privalia avalia os termos da nova oferta, que segue sob a coordenação dos bancos BTG Pactual, J.P. Morgan, Itaú BBA e Credit Suisse.
A precificação e a captação ainda não estão definidas. Assim como o formato da saída do grupo francês Veepee, que detém 98,3% do negócio. Da primeira vez, 80% da oferta, cuja estimativa de mercado girava em torno de R$ 2 bilhões, seria secundária, o que encerraria os laços definitivamente com a empresa. Agora, esse desinvestimento poderá ser feito gradualmente.
Conforme apurou o NeoFeed, a empresa trabalha com a possibilidade de uma captação de menor fôlego na comparação com o valor previsto inicialmente. Assim como avalia reduzir a oferta secundária para que o processo seja concretizado.
A escolha da Privalia pela instrução 476 é facilmente justificada. Com trâmites menos rigorosos, entre eles o fato de não exigir a divulgação de prospecto ou uma análise da CVM, o modelo permite realizar o IPO em até 30 dias, diferentemente do período de três meses a ser cumprido na instrução 400.
O modelo compreende, no entanto, outras obrigações, como a divulgação de balanços trimestrais. Em direção a esse pré-requisito, a Privalia está anunciando hoje seu resultado referente ao período de janeiro a março desse ano.
Nesse intervalo, a companhia registrou um crescimento de 14% na receita líquida, para R$ 199 milhões, e de 21% no GMV, para R$ 287 milhões. No trimestre, o lucro líquido ajustado foi de R$ 4,9 milhões, revertendo o prejuízo líquido ajustado de R$ 33,8 milhões, contabilizado um ano antes.
O ebitda ajustado ficou em R$ 10,6 milhões, alta de 31,9% na comparação anual. Com 1.125 campanhas realizadas, 635 mil produtos ofertados e ofertas de 1,5 mil marcas, foram 1,1 milhão de pedidos no período, um avanço de 19%, sendo que 83% das vendas foram feitas por meio de dispositivos móveis.
No primeiro trimestre de 2021, a Privalia registrou um crescimento de 14% na receita líquida, para R$ 199 milhões, e de 21% no GMV, para R$ 287 milhões
O volume de usuários cresceu 14% e chegou a 15,6 milhões. Desse total, 75 mil são membros premium, que responderam por 18% das vendas. Esses consumidores pagam R$ 19,90 por uma assinatura de três meses, que dá acesso antecipado às campanhas e a frete grátis para compras acima de R$ 199.
Do treino ao jogo
Apesar de renovarem os esforços rumo ao IPO, os executivos da Privalia ressaltam que acessar o mercado de capitais não é algo imprescindível para o negócio. Especialmente pelo fato de a operação gerar recursos suficientes para sustentar os planos traçados pela companhia.
“Estamos tocando o nosso negócio no mesmo passo, por enquanto, sem torcida e treinando à vontade”, diz Boscolo. “O caminho para o IPO, por si só, é enriquecedor e estimula novas ideias. Mas se a oferta não acontecer, vamos seguir jogando o nosso jogo.”
Uma das estratégias já em curso é a decisão de abrir mão de parte da rentabilidade, algo que sempre guiou a empresa, para acelerar o crescimento da operação. Os investimentos mais agressivos em marketing ilustram, em boa medida, essa abordagem.
Sob essa orientação, a empresa veiculou em maio sua primeira campanha em TV aberta. “Esse foi só um kick-off do plano de cinco anos que estruturamos”, conta Boscolo. “Nós estávamos mais restritos à mídia de performance. Agora, vamos investir em ações para ampliar o conhecimento de marca.”
Outro foco é a diversificação do portfólio. A Privalia quer aproveitar sua base de usuários para atrair e plugar novas categorias, marcas e parceiros na sua plataforma. Nessa direção, no início do ano, a empresa incorporou a oferta de artigos para pets.
O movimento mais recente é a entrada no segmento de Ingressos & Viagens. Inicialmente, essa oferta está sendo testada com promoções para pacotes de viagens domésticas, por meio de uma parceria com a agência de viagens online Zarpo. Outros acordos para encorpar o segmento estão em negociação.
“Essa diversificação funciona como um hedge para a nossa operação”, frisa o CEO. “Nesse trimestre, por exemplo, enquanto moda e calçados recuou 6%, casa e decoração cresceu 90%.” Esse portfólio inclui ainda segmentos como eletrônicos, infantil, esportes, beleza e bem-estar, e vinhos e gastronomia.
Formado em janeiro e composto por 55 funcionários, o time próprio de tecnologia é outro avanço recente. Até então, não havia uma equipe 100% dedicada e os projetos nessa área eram tocados por um quadro global do grupo, dividindo as atenções e prioridades com outras operações da companhia.
A partir dessa nova estrutura, a Privalia começa a dar velocidade ao desenvolvimento de alguns projetos. Batizada de Relevância, uma dessas iniciativas, prevista para entrar no ar no fim de 2021, envolve mostrar, a cada usuário, campanhas mais aderentes aos seus hábitos de navegação e compra.
Essa mesma equipe já trabalha na infraestrutura por trás de um modelo batizado de Brands Place que, na prática, compreende a incorporação do conceito de marketplace à plataforma. O plano é oferecer espaço no outlet para lojas oficiais de marcas selecionadas.
Com a previsão de iniciar um projeto-piloto entre o fim desse ano e o começo de 2022, o portfólio em questão trará produtos que não são incluídos nas campanhas de flash sales. Diferentemente da oferta tradicional da empresa, as marcas envolvidas responderão pela logística de entrega desses pedidos.
No médio prazo, a prateleira de novidades passa ainda pela criação de um programa de fidelidade e pela oferta de produtos financeiros, por meio da associação com fintechs e bancos digitais. As primeiras conversas para estruturar esse braço já estão em andamento.
“Nós vemos uma oportunidade enorme nessa área, pelo tráfego que geramos e pelo poder aquisitivo da nossa base, que tem uma renda média de R$ 8,5 mil”, conta Boscolo. “Nossa ideia é trazer desde um cartão de crédito até uma carteira digital e modelos como cashback.”
Alberto Serrentino, sócio da consultoria Varese, destaca que a Privalia, com sua proposta, ainda enfrenta pouca concorrência no mercado brasileiro. “Eles ocuparam um espaço importante no País”, diz. “E tem muito potencial de transbordar esse domínio para outros negócios e serviços.”
Ele ressalta, porém, um desafio nessa estratégia. “A Privalia precisa manter uma certa consistência no perfil de público e na questão de proteção das marcas, pela qual ficou conhecida”, observa. “Do contrário, a empresa corre o risco de se tornar uma plataforma generalista.”
Fonte: Neofeed