Por Raquel Brandão
Além de jogar luz sobre as entranhas da companhia, o IPO da Shein – previsto para o próximo ano – deve colocar sob os holofotes uma figura que até hoje não saiu dos bastidores.
Se a varejista que revolucionou o conceito de ultra fast fashion explodiu nas redes sociais, seu fundador Sky Xu, em contraste, é a definição do no profile.
Diferentemente de Jack Ma, do Alibaba, que se tornou a cara da explosão do ecommerce chinês dentro e fora da Bolsa, Xu nunca deu uma entrevista e é difícil encontrar uma imagem do empresário que transformou uma pequena empresa de venda de vestidos de noiva em um império que pretende ser avaliado em mais de US$ 90 bilhões.
Seu rosto é desconhecido até mesmo dos funcionários da Shein. Segundo o Financial Times, que foi atrás da história e de pessoas próximas a Xu, ele passa despercebido até mesmo dentro da sede da companhia, onde até pouco tempo passava a maior parte dos seus dias recluso em reuniões com executivos.
“Tímido” e um tanto quanto “rústico” ou “sem sofisticação” foram algumas das palavras utilizadas por fontes ouvidas pelo diário britânico para definir o empresário de 39 anos.
Xu nasceu sob o nome de batismo Xu Yangtian e primeiro passou a assinar como Chris Xu, tendo mudado seu nome “americanizado” para Sky Xu apenas mais recentemente – ampliando a confusão da equipe em meio à aura de mistério que o envolve.
Ele veio de uma família de origem bastante humilde. Sua mãe trabalhava em uma fábrica têxtil– fato que lhe deu um conhecimento próximo da indústria e ajudou a formar as parcerias com trabalhadores locais para estabelecer a cadeia de suprimentos da Shein.
O executivo teve que trabalhar para pagar seus estudos na Qingdao University of Science and Tecnology, onde se formou em comércio internacional em meados dos anos 2000.
Sua formação e início de carreira ajudam a compor o quebra-cabeças da ideia por trás da Shein. Logo depois de formado, Xu se mudou para Nanjing par trabalhar em uma consultoria de marketing, onde se especializou em SEO – as técnicas para otimizar o aparecimento das marcas dentro de sites de busca.
Foi daí que surgiu a ideia da SheInside, criada com mais dois sócios em 2011 para a venda de vestidos de noiva, um item que tinha muita procura – e pouca oferta a preços acessíveis. Enquanto a maior parte dos sites de ecommerce miravam no imenso mercado chinês, o jovem empresário viu uma oportunidade de expandir os horizontes e oferecer os produtos online diretamente para o consumidor final fora do país.
É aqui que está uma das passagens mais polêmicas em torno de Xu. Segundo a mídia chinesa, depois de algum sucesso, ele teria rompido a sociedade de forma turbulenta, tomando o controle da empresa.
Em 2015, já com mais de 50 funcionários, a SheInside virou Shein e migrou para Guangzhou, além de ter aberto um escritório nos Estados Unidos. A história a partir de então é conhecida: a empresa foi conquistando os compradores da geração Z, na busca por mudanças constantes no guarda-roupa.
Numa das poucas citações oficiais de Xu, encontrada no website da marca, ele resume a filosofia da empresa: “Desde que fundamos a Shein, nosso foco tem sido atender às necessidades dos clientes. Reimaginamos a moda de um modelo orientado pela oferta para um modelo orientado pela procura para tornar a beleza da moda mais acessível a todos”, diz Xu em uma das poucas aspas oficiais encontrada no website da marca.
Além dos algoritmos capazes de vasculhar a Internet para antecipar as tendências para os consumidores e recomendar peças assertivas para o gosto de cada consumidor nas redes sociais, a Shein criou uma cadeia de produção baseada em pequenos lotes e com lançamentos constantes.
Para colocar o modelo de pé, Xu conseguiu ganhar a simpatia de fornecedores locais – principalmente no bairro de Nancun, em Guangzhou – por pagar em dia e com prazos curtos, diferentemente de outras confecções que se baseavam em grandes lotes, com cheques maiores, mas pagamentos alongados.
As condições dos contratos, porém, não são as melhores financeiramente. “Basicamente, os fornecedores não ganham dinheiro ou, muitas vezes, perdem dinheiro no pedido inicial”, escreve o analista Rui Ma, do Tech Buzz China em um relatório. A aposta é que algum dos itens ‘viralize’ para resultar um pedido de grande volume, mais rentável.
Números obtidos pelo Financial Times mostram que a companhia teve um crescimento exponencial justamente durante a pandemia. Em 2018, a Shein faturou US$ 1,3 bilhão, cifra que passou a US$ 22, 7 bilhões em 2022. Apenas no primeiro semestre deste ano, a varejista faturou US$ 14,7 bilhões, ultrapassando a Zara, maior varejista de fast fashion do mundo.
A Shein entrou com um pedido confidencial de IPO na Securities and Exchange Comission (SEC) nos Estados Unidos e seus balanços ainda são sigilosos.
Com ambições globais e em meio às tensões entre Estados Unidos – seu principal mercado – e a China, a Shein mudou sua sede de Guangzhou para Singapura. Por lá, Xu mantém seu escritório no Marina Bay Financial Centre e, nos breves intervalos do trabalho joga partidas de golfe com outros empresários chineses que se mudaram para lá nos últimos anos.
Mais que um traço de personalidade, sua estratégia de se manter no anonimato é também uma estratégia para ficar fora do escrutínio que autoridades da própria China à Washington tem dispensado aos grandes empresários do país.
Segundo o The Guardian, Xu vem diminuindo laços com a empresa e seu país natal. Ele começou a abandonar as funções administrativas e jurídicas na Shein e suas empresas relacionadas. Na China, Mollu Miao, COO (diretora-executiva de operações) assumiu como representante legal da Shein.
Nesse contexto, é pouco provável que ele tenha protagonismo durante a oferta. Essa tarefa deve ficar por conta de Marcelo Claure, o ex-presidente executivo do Softbank, que se tornou VP global e o homem forte da Shein este ano, além de Daniel Tang, um dos conselheiros mais próximos de Xu, hoje na posição de chairman executivo da empresa.
Fonte: Exame