Por Adriana Mattos | A evidente dificuldade de as duas maiores redes de livrarias do país no passado — Saraiva e Cultura — saírem de suas crises, por meio do processo de recuperação judicial, têm relação direta não apenas com a crise econômica, como também com a incapacidade de ambas retomarem os seus negócios, mesmo com proteções jurídicas garantidas.
As redes Saraiva e Cultura pediram recuperação judicial em 2018, por conta de dívidas em aberto de R$ 675 milhões e R$ 285 milhões, respectivamente. Até o momento, cinco anos após o pedido à Justiça, elas não voltaram a dar lucro, as vendas caíram, a operação física de ambas reduziu-se drasticamente e não há sinais de um projeto consistente de retomada dos resultados.
Ao se analisar os últimos anos, medidas tomadas pela gestão das redes não levaram a uma melhora da situação das empresas.
Entre as ações implementadas na Cultura, houve a busca por maior volume de atividades nas lojas — como eventos de marcas e lançamentos, e a ampliação de opções de serviços, como parcerias na área de gastronomia.
Tentou-se medidas de menor impacto, como a venda intinerante de produtos, de marcas parceiras, dentro de suas últimas lojas.
Na Saraiva, tentou-se ampliar o foco no marketplace, com a venda de produtos de terceiros, por meio de seu site e aplicativo, algo que não exigiria alocação de recursos em estoque próprio.
Ambas ainda buscaram ampliar a venda de mercadorias de outros segmentos pelo braço de comércio eletrônico.
Mas as medidas não surtiram efeito esperado, com base nos balanços publicados pelas redes. Na Saraiva, foram três CEOs desde o início da recuperação judicial, incluindo interinos, trazendo cenário de maior instabilidade interna.
Outro fator que afetou esse processos tem relação com a própria decisão inicial de entrar com o pedido de recuperação.
Cultura e Saraiva solicitaram a proteção judicial já num processo de piora dos seus indicadores e desgaste mais avançado nas relações comerciais com credores.
Nesse ambiente, a saída da recuperação torna-se mais complicada, na visão de advogados que entendem que a recuperação deve ser parte de um plano de retomada das atividades, antes de uma deterioração mais acentuada da capacidade financeira e operacional.
Concorrência e descumprimentos
É preciso considerar que houve um impacto do ambiente de poder de compra afetado pela crise econômica após 2020, por conta da pandemia, e do fortalecimento de operações mais eficientes e competitivas, como a Amazon e Mercado Livre (este último também cresceu no segmento), que rapidamente avançaram sobre fatias de mercado das duas cadeias.
O crescimento do ambiente concorrencial local, com o fortalecimento das varejistas regionais de livros no país, ainda tornou esse mercado mais complexo em certas áreas, com o avanço de livrarias de bairro.
Na Saraiva e Cultura, ao longo da implementação do plano de recuperação, acordos de fornecimento foram definidos pelas redes juntos a seus credores, e aditivos foram feitos aos planos ao longos dos anos, com o intuito de buscar flexibilidade maior nas negociações.
Mas, segundo administradores judiciais das duas recuperações, os planos de pagamentos acertados junto a credores, como editoras, e obrigações definidas na lei de recuperação e falências não foram respeitados.
Descumprimentos em condições negociadas, indo desde a não prestação de informações de maneira completa até atrasos em pagamentos, levaram a Justiça a analisar, neste ano, a decretação da falência das varejistas.
A Cultura nega descumprimento de obrigações, e a Saraiva ainda não se manifestou.
No caso da Cultura, em maio, em uma decisão emitida pela Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, foi julgada improcedente a solicitação da rede para reconsiderar um pedido de falência. E ainda foi derrubada uma liminar que havia suspendido a falência da rede.
Depois disso, em junho, a falência foi suspensa liminarmente pelo Superior Tribunal de Justiça, mantendo-se a empresa, por ora, em recuperação judicial.
Em relação à Saraiva, como o Valor antecipou hoje, a Justiça de São Paulo analisa pedido de falência solicitado por um credor, no valor de R$ 241 mil. A empresa está em recuperação judicial.
Fonte: Valor Econômico