A economia brasileira caiu 5% nos nove primeiros meses de 2020, em relação ao mesmo período de 2019, como efeito da pandemia. O setor de produtos e serviços para animais de estimação, porém, faturou R$ 40 bilhões no ano passado, alta de 7% sobre 2019, segundo o Instituto Pet Brasil.
“Quando a pessoa começa a cancelar grandes compras, como imóvel, carro, ou mesmo roupas, sobra mais para investir no pet”, afirma Sergio Zimerman, presidente da Petz, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes. A empresa, que é líder do setor, viu seu lucro mais do que dobrar entre janeiro e setembro de 2020 sobre igual intervalo do ano anterior, chegando a R$ 46,8 milhões. Em setembro, entrou na B3, a Bolsa de Valores brasileira, com uma oferta pública inicial (IPO) que movimentou R$ 3 bilhões.
O mercado pet era uma novidade para Zimerman 18 anos atrás, quando sua distribuidora de alimentos e perfumaria quebrou. Ao conhecer as imensas lojas da Cobasi, pensou que poderia ser um franqueado do atual rival. Mas diz que nem chegou a ser atendido pelos Nassar, donos da Cobasi. “O gerente disse que eles não se interessavam por esse modelo. Então fui aprender”, diz.
Ouça a íntegra da entrevista com o presidente da Petz, Sergio Zimerman, no podcast UOL Líderes. Também pode assistir a essa e a outras entrevistas de executivos no canal do UOL no YouTube. Continue nesta página para ler o texto com os destaques da conversa.
Cachorro subiu na cama das pessoas e virou “filho”
UOL – O setor de produtos e serviços para animais de estimação movimenta cerca de R$ 40 bilhões no Brasil e é um dos maiores do mundo. O que explica?
Sergio Zimerman – O que tem alimentado muito o mercado mundial e, especialmente, o mercado brasileiro, é a humanização do pet. O pet teve três fases: a primeira quando o animal tinha uma função mais utilitária, para ficar no quintal da casa, e latir quando alguém chegasse.
Na segunda fase, o pet começou a ganhar mais intimidade e pôde começar a circular dentro de casa.
Já a terceira etapa, iniciada há uns cinco anos de maneira mais intensa, foi a fase do pet em cima da cama das pessoas. E nesta fase ele vira membro da família, geralmente na condição de filho. Isso passa a ser um vetor muito forte de crescimento do mercado. Como o pet é “filho”, você não quer reduzir a qualidade do que oferece a ele, o que explica boa parte da resiliência em momentos de crise.
Existem diferenças significativas entre o mercado pet brasileiro e o de outros países?
Quando se fala dos dois grandes mercados, de cães e gatos, existem diferenças importantes entre os temperamentos latino e anglo-saxão. O gato vai melhor com o temperamento anglo-saxão, porque tem um comportamento independente, dá carinho quando quer, e fica muito bem em casa sozinho —o que é ótimo para pessoas com um estilo mais pragmático.
Já com o temperamento latino, que preza o amor incondicional e faz questão de estar sempre ao lado do pet, o cachorro casa perfeitamente.
Qual a maior vantagem que esse setor oferece no Brasil? Há desvantagens nesse mercado?
É um mercado grande e de uma resiliência impressionante. Nestes 18 anos de experiência, nós passamos pelo menos por três crises: a global de 2008, a crise local de 2015 e 2016, e de novo uma global em 2020. O mercado pet se portou extremamente bem em todas.
Temos uma tese de que, quando a pessoa começa a cancelar grandes compras, como imóvel, carro, ou mesmo roupas, sobra mais para investir no pet.
Dessas três crises que eu citei, talvez na de 2016 tenha havido um pouco mais de pressão com a mudança de mix, as pessoas abandonando marcas top para ir para marcas um ou dois degraus abaixo. Mas, nesta de 2020, não notamos esse movimento.
A desvantagem é que se trata de um mercado de baixa profissionalização e alta informalidade. Muito da escala conquistada por uma empresa como a nossa, 100% formal, listada em Bolsa, é perdida em parte pela questão da informalidade.
A Petz é assim
-
Fundação
2002
-
Funcionários diretos
5.100
-
Faturamento (em 2020, até setembro)
R$ 1,181 bilhão
-
Lucro líquido (em 2020, até setembro)
R$ 46,78 milhões
-
Unidades
130
-
Fatia do mercado
5%
-
Principal concorrente
Cobasi
-
Ações na pandemia
Petz e Editora MOL doaram 47 toneladas de ração para cães e gatos de ONGs de todo o Brasil; doação de R$ 1 milhão para o combate à covid-19
Muita empresa não paga os impostos que deveria
UOL – A informalidade é um exemplo de como a política interfere no seu negócio? No sentido de não haver controle sobre essa concorrência desleal?
Sergio Zimerman – Primeiro a gente sofre com essa concorrência desleal, por estar sujeito a uma regra à qual o concorrente não está. E um segundo aspecto é que, como o governo vive em déficit, ele sempre procura aumentar a arrecadação de quem já paga. Isso cria um fosso ainda maior a favor da informalidade.
É por isso que eu bato muito na tecla de que, independentemente das propostas de reforma tributária no Congresso, elas estão fora de tempo. Não dá para discutir reforma tributária sem aumentar a base de contribuintes.
As propostas analisadas agora, no geral, criam o IVA [Imposto sobre Valor Agregado] e transferem a responsabilidade da arrecadação, em algumas cadeias, da indústria para o varejo. Em vez de você controlar meia dúzia de indústrias, passa a ter que controlar milhares de pontos de varejo, o que amplia o espaço para a informalidade.
Sou absolutamente contra uma reforma tributária agora, que só vai gerar um aumento brutal da carga de impostos para quem já paga muito imposto. Seria bem mais salutar atingir primeiro o equilíbrio fiscal.
E como atingir esse equilíbrio fiscal?
Você tem dois caminhos: reduzir despesas [leia-se reforma administrativa] e aumentar a arrecadação. Mas isso não significa aumentar impostos. O aumento da arrecadação pode acontecer via desenvolvimento econômico ou pela ampliação da base de contribuintes.
É neste ponto em particular que eu vejo uma grande oportunidade nas mãos do governo, mas com poucas propostas sendo discutidas. O país tem mecanismos para fazer quem não paga imposto hoje, ou paga muito pouco imposto, começar a contribuir com o sistema.
Infelizmente, existe um grau de informalidade muito alto em diversos setores da economia, que passa livre de qualquer tipo de tributação. Mas os informais transitam pelo sistema financeiro. Nada mais justo do que instituir um imposto em torno de 1% da movimentação para pegar justamente quem não tem onde compensar esse imposto.
Você é a favor da nova CPMF, então?
Eu sou a favor da nova CPMF no seguinte contexto: não dá para ser um imposto adicional. Sou a favor de uma CPMF em que o contribuinte recolha o tributo, mas depois possa compensá-lo. Dessa forma, uma companhia recolheria ao final do mês R$ 1 milhão em CPMF, mas compensaria em PIS, Cofins, Imposto de Renda, um imposto federal. Ou seja: não haveria aumento de impostos para quem já paga todos os impostos.
A informalidade no mercado pet está principalmente na internet?
Tem na internet, no varejo físico, basta você olhar à sua volta e pensar em quantos pet shops vão dar um banho em um animal e emitir, espontaneamente, uma nota fiscal. Ou se você vai receber a nota após a consulta veterinária ou a aplicação de vacina no animal. Quantos vão emitir a nota espontaneamente?
Na internet, existe uma falha na legislação: o market place não é responsável pelo seller [vendedor]. Isso provoca uma distorção enorme, porque em determinados market places existem produtos roubados, piratas que são vendidos normalmente, sem nota fiscal. O dono do market place cobra uma comissão, que gira em torno de 15% do faturamento do seller, e sobre esses 15% incide tributação. Sobre os demais 85%, muitas vezes, não é cobrado nada. Isso é uma aberração do sistema.
O que você apontaria como proposta para melhorar o país?
A questão tributária é a mãe de todas as reformas, porque atinge o equilíbrio fiscal. E existe um problema de concentração de renda gigante no Brasil. Há um excesso de tributação sobre o consumo e uma baixa tributação sobre a renda das pessoas —o que contraria qualquer país da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico].
Em qualquer país desenvolvido, quanto mais você ganha, mais você paga imposto. Aqui no Brasil acontece exatamente o contrário: quanto mais você ganha, menos você paga imposto. Isso por conta da tributação excessiva sobre o consumo.
O mais grave é que a imensa maioria da população que paga esse imposto embutido no consumo não tem consciência disso. Se você perguntar para alguém que ganha R$ 1.500 por mês quanto ele paga de imposto, ele vai dizer que não paga nada, por estar isento do Imposto de Renda. O que ele não percebe é que, sobre todo o salário que vai para consumo, 50% são impostos.
O Brasil poderia ser muito melhor se diminuísse essa distância social.
Vendas digitais estavam prontas antes da pandemia
UOL – A Petz realizou sua oferta pública inicial de ações em 11 de setembro. Como foi conduzir o IPO em plena pandemia?
Sergio Zimerman – Diante de um cenário extremamente grave, de crise, especialmente no varejo, tivemos a oportunidade de mostrar não só a resiliência do mercado pet, mas em especial a nossa própria resiliência. Porque o momento em que a gente mais cresceu foi durante as crises.
Em 2020, isso se repetiu: ganhamos vários pontos de market share porque o consumidor foi muito para o digital, e nós vínhamos nos preparando desde 2015 para o e-commerce, com o site e o aplicativo, processo que foi concluído em 2019.
Quando aconteceu a quarentena, estávamos absolutamente prontos com a operação digital, sob os aspectos de infraestrutura, sistemas, cultura organizacional. Isso fez com que o digital avançasse dentro das vendas totais, de um patamar de 7%, 8% em 2019, para 25% em 2020.
O IPO mudou o que no dia a dia da empresa?
O processo de IPO é uma grande maratona, cuja preparação começa alguns anos antes. Quando entrou o fundo de private equity [Warburg Pincus] em 2013, começamos a trabalhar toda a parte de governança, com a criação de conselho e comitês. Foi um processo muito rico de profissionalização.
Quando chegou o IPO, que envolve várias etapas de apresentação a potenciais investidores, foi o momento final da jornada, em que você precisa correr aqueles últimos cem metros. Ou seja, depois de abrir o capital, as alterações são muito tranquilas.
Em vez de soltar um report anual, você solta trimestral, em vez de se relacionar com um sócio, você se relaciona com “n” sócios —no nosso caso, são mais de 50 mil sócios. Houve a criação do canal de denúncias e só. Estamos muito animados em fazer as entregas que nós nos comprometemos a fazer para o mercado.
O que a Petz tem de melhor em relação à concorrência? Qual o diferencial da rede?
Desde o primeiro dia da operação, em agosto de 2002, com a então Pet Center Marginal, a filosofia tem sido exatamente a mesma: pensar com a cabeça do consumidor, o que faz sentido para ele, como ele quer ser atendido.
Se nós conquistamos agora a liderança de mercado, foi justamente por oferecer uma proposta de valor que faça sentido ao consumidor. Proposta de valor significa localização de lojas, layout interno das lojas, mix de produtos, preços justos, operar produtos e serviços de forma integrada no mesmo local, oferecer canais e opções diferentes de compra, mesclando o físico e o online.
Em dezembro, o sr. foi eleito CEO do ano pelo site Reclame Aqui. Como presidente da empresa, o quanto consegue acompanhar e interferir no dia a dia das lojas?
Em 2003, quando eu ainda tinha uma loja só, eu contratei a função de ouvidoria, que se distingue do SAC [Serviço de Atendimento ao Consumidor]. O SAC é para cumprir a lei, atender os problemas recorrentes. A ouvidoria é para escutar os casos únicos.
Desde 2003, a ouvidora se reporta diretamente a mim, e continua assim até hoje, com 130 lojas. Portanto, tudo o que não é solucionado dentro dos caminhos naturais na estrutura da companhia, eu tomo conhecimento por meio da ouvidoria e participo, inclusive, da tomada de decisão.
Fora isso, visito as lojas uma vez por semana, para saber como o consumidor recebe todo esse serviço de bastidores.
Mas uma coisa de que me orgulho bastante nestes 18 anos foi ter contratado pessoas que são muito melhores que eu em suas respectivas áreas de atuação. São pessoas pelas quais tenho profunda admiração.
Qual é o futuro da Petz?
Nós temos muitos projetos, em especial, o de consolidar a liderança na América Latina, ampliando o nosso ecossistema Petz Solution, que engloba uma estratégia de atuação em todos os canais, físico e digital, e entre os segmentos de produtos e serviços.
Embora a Petz seja líder em lojas e serviços de estética e veterinários [neste último caso com a marca Seres], existe uma série de serviços nos quais não atuamos, como hotel, day care, dog trainning.
Nos próximos anos, vamos buscar parcerias para oferecer essas soluções e fazer com que o tutor sempre se lembre da marca Petz quando precisar de qualquer coisa.
Ideia do negócio foi de cunhado que fazia xampu no quintal
UOL – Como surgiu a Petz?
Sergio Zimerman – Foi em agosto de 2002, com o nome de Pet Center Marginal, que só virou Petz em 2014. A primeira loja foi na Marginal Tietê [em São Paulo], onde funcionava um autosserviço de perfumaria. Eu tive uma distribuidora de alimentos e perfumaria, que funcionou por uns dez anos e tinha um tamanho razoavelmente bom, 600 funcionários, mas sucumbiu entre o final de 2001 e começo de 2002, por uma série de fatores. Um dos pontos ficava na Marginal Tietê, foi lá que eu tentei recomeçar a vida, mas o mercado pet não foi a primeira opção.
Antes imaginei entrar no varejo de perfumaria, mas, pelo fato de o ponto ser na Marginal, haveria baixo fluxo de pedestres. Aí pensei em uma megaloja de brinquedos, mas fui desaconselhado por ser muito sazonal e já haver grandes empresas no ramo. Até que um cunhado químico, que fazia xampu para cachorro no quintal da casa dele, me perguntou: ‘Por que não o segmento pet?’
Você nunca tinha pensado no mercado pet?
Para mim não fazia sentido montar em um espaço de 3.000 metros quadrados um pet shop, que na minha cabeça era um segmento de lojas pequenas, de 70, 80 ou 150 m². Mas na época eu conversei com o pessoal da Pedigree [marca de comida de pets] para saber o que eles achavam.
Eles me perguntaram se eu pensava em fazer algo no estilo da Cobasi. E eu nem sabia o que era Cobasi. Eles me deram o endereço e então eu conheci as três lojas que existiam em 2002, todas na Grande São Paulo: na avenida Giovanni Gronchi, no Walmart de Osasco e outra próxima à Ceagesp.
Quando eu vi três lojas grandes na zona sul e oeste de São Paulo, achei que faria muito sentido ter uma loja para atender as zonas leste e norte da capital. Daí veio a decisão de ingressar no segmento.
Como eu não entendia absolutamente nada do ramo, tentei conversar com os donos da Cobasi, porque preferia ser um franqueado deles. Só que eu nem fui atendido, porque o gerente da loja disse que eles não se interessavam por este modelo. Aí eu fui aprender e assim nasceu a Pet Center Marginal.
A gente pode dizer então que a Petz nasceu a partir da Cobasi?
A minha inspiração foi conhecer as lojas da Cobasi, mas eu procurei prestar atenção ao que eles não faziam. Fui uns dez dias consecutivos até as lojas da Cobasi para tentar entender como era a dinâmica do cliente dentro do ponto de venda.
Percebi que os clientes tinham muitas dúvidas, mas não eram atendidos nos corredores, só havia repositores de produtos. A Pet Center Marginal nasceu com autosserviço e com assistentes nos corredores.
Percebi também que eles não cadastravam clientes, todo mundo passava pelo caixa de forma anônima. E desde a nossa criação começamos a cadastrar os clientes e a manter um relacionamento com eles.
Também vi que não havia eventos nas lojas da Cobasi. Mas a gente começou desde o início a fazer muitos eventos. Nos primeiros domingos de funcionamento da loja, por exemplo, eu levei a tigresa. Era um conceito absolutamente novo: você ir a um pet shop para passear e tirar uma foto ao lado de um tigre.
Outra coisa em que eles não prestavam atenção era na parte de serviços —não prestam até hoje, porque só alugam o espaço para terceiros. No nosso caso, optamos por ter todo mundo contratado em carteira, o que imprime mais qualidade aos serviços.
No começo da sua trajetória como empresário, o sr. quebrou. Que dicas daria hoje para um jovem empreendedor ou para quem está começando agora?
Você precisa aprender a criar uma distância entre você e o projeto. Um projeto que não deu certo não é você que não deu certo. É apenas um projeto que faliu. Você não deveria levar isso para a primeira pessoa e dizer “eu fali”, “eu fracassei”. Isso pode gerar um peso que talvez não o permita retomar um novo desafio na vida.
Manter uma distância do insucesso é tão importante quanto manter a distância do sucesso. Porque insucesso e sucesso, na verdade, são duas faces da mesma moeda. O mesmo equívoco de se aproximar do fracasso ocorre se você achar que você é o sucesso, que você é o cara que deu certo. Na verdade, o projeto deu certo. E você faz parte deste projeto, só isso.
Faria alguma coisa diferente na vida?
Parece estranho falar que não faria nada diferente, mas isso tem a ver com a forma com que eu lido com a vida. Eu olho para frente, para o futuro.
De vez em quando, eu bato o olho no retrovisor para ver algum aprendizado, mas mesmo os erros não criam em mim a sensação de arrependimento. E sim a de aprendizado.
Porque quando eu tomei a decisão lá atrás eu não tinha as mesmas informações que tenho hoje. Quando eu tomei a decisão, estava dentro do contexto da época.
Não costumo dizer ‘ah, se eu não tivesse feito isso, eu teria feito aquilo’, porque fica muito no plano da imaginação. Eu prefiro me responsabilizar por todos os atos que eu cometi na vida, usá-los como aprendizado e olhar sempre para frente, para criar novos projetos.
Fonte: UOL