Os brasileiros tratam seus pets como filhos e estão cada vez mais consumindo serviços sofisticados nos petshops do país. O próprio CEO da Petland, Rodrigo Albuquerque, em entrevista exclusiva na série UOL Líderes, admite que o seu cachorro dorme na cama com ele. Sushi, vinho, chocolate e até banho hidratante de chocolate, argan e açaí são algumas das regalias conquistadas pelos bichinhos.
Na entrevista, o executivo defende a venda de animais em lojas e diz que isso ajuda a combater o comércio ilegal. Prevê também que em dez ou 15 anos haverá no país mais gatos do que cachorros.
O que mudou nos hábitos das pessoas que possuem animais nos últimos anos?
Rodrigo Albuquerque – Houve um processo que chamamos de humanização dos pets, que começou há dez ou 12 anos. Naquela época, um cachorro ficava do lado de fora da casa, era um cachorro mesmo, ficava no jardim.
Depois ele veio para a sala, depois para o quarto e hoje, talvez seja o auge desse processo, ele está na cama das pessoas.
Há uma pesquisa que fizemos na rede Petland que mostrou que 61% dos nossos clientes pesquisados consideram os bichinhos como filhos.
Essa mudança de comportamento da relação dono e animal vem impulsionando o crescimento do mercado pet.
Quais são os produtos mais inusitados para pets?
Com esse processo de humanização, temos de chocolate a sushi, de vinho a cerveja, sem álcool, sem açúcar, sempre olhando o bem-estar animal. Há a linha natural que está crescendo, cada vez mais um reflexo da alimentação saudável dos humanos.
A pessoa quer que seu pet siga a mesma linha. Nos serviços, há hidratação de chocolate, de argan, de açaí. Mas isso está mais focado na classe A. Quando você vai para a B e C, as exigências vão diminuindo.
Eles comem sushi e sorvete, usam ‘sapatos’ para sair à rua, tomam banho toda a semana. Será que isso é saudável?
Tudo em excesso não é bom. O equilíbrio é sempre o ponto a ser focado nessa relação. O animal faz muito bem para o desenvolvimento da criança, do adolescente. Ajuda a dar responsabilidades, a combater a obesidade porque você é obrigado a sair para passear. Ele tem uma função social. Existe o cão terapeuta, o cão-guia. Essa função social do cachorro até explica um pouco esse excesso de humanização.
Agora, do ponto de vista do animal, ele está só sendo mais bem tratado. Ele é mais mimado. É a eterna criança. Com dois anos ou com 12 anos, será sempre tratado da mesma forma. O cachorro é sempre o “bebezão” da casa.
O consumidor do mercado pet é muito exigente?
Tem se tornado cada vez mais. Depende muito da classe em que você está. Há lojas hoje para o público AA e em regiões periféricas, e é possível identificar uma mudança de comportamento bastante significativa.
No público AB, há um nível de exigência grande. As pessoas realmente têm o hábito de dar banho toda semana no petshop. O brasileiro tem esse perfil de consumir serviços, diferentemente do americano, que faz ele mesmo.
O nível de exigência é maior na classe A. Mas estamos notando também um crescimento dos serviços na classe C. Quem dava banho uma vez por mês está dando a cada 15 dias. O consumidor troca a diversão de um restaurante para fazer um mimo para o cachorro.
Quais são as diferenças regionais do consumidor do mercado pet?
Nas regiões Nordeste e Sudeste, a relação com o animal é mais de “filho”, está mais humanizada. Há mais consumo de acessórios e brinquedos.
Na região Sul, a relação é mais distante, mais fria. Para vender os acessórios, que não são uma necessidade primária para o pet, é preciso desenvolver um atendimento mais especializado, gerando demanda para aquele produto.
Existe algum motivo para essa característica do Sul?
Acredito que seja uma questão cultural.
Quem é o melhor amigo do homem?
O cachorro.
Ainda é?
Com certeza. O cachorro não é interesseiro, não liga se você está gordo, magro, rico ou pobre, chorando ou não. O cachorro é um animal que nesse mundo louco que a gente vem vivendo está cumprindo uma função muito importante. Por isso, entendo esse processo tão forte de humanização.
O mercado pet está mais sofisticado, mas também mais caro. Existe uma razão para ser tão caro?
Não sei dizer por que os tratamentos são caros. Acredito que lidar com saúde seja caro. Com esse processo de humanização, as pessoas estão mais preocupadas e consomem mais, então permite haver um aumento de preço.
Enxergamos uma oportunidade no mercado veterinário e criamos outra empresa, outra rede que se chama Dra. Mei. São clínicas e consultórios veterinários com foco em prevenção.
As pessoas levam o cachorro ou o gato ao veterinário só quando ele apresenta algum sintoma, e aí o animal sofre, e o bolso sofre também. Com a prevenção, é possível programar os gastos. Nossos procedimentos podem custar até 60% menos do que um processo convencional, com anestesia inalatória em caso de cirurgia.
A Petland o aproximou mais dos animais?
Com certeza. Já tive vários pets antes, quando criança e adolescente, mas não eram meus, eram da minha mãe, do meu pai. Depois que eu entrei no negócio, eu peguei um cachorro para entender a relação.
Agora o cachorro é meu, responsabilidade minha. Fico o dia inteiro fora, então o levo para trabalhar comigo. Tenho que planejar, pensar, cuidar. Desenvolvi um amor pelo bicho que é impressionante, é um filho mesmo. O meu cachorro dorme comigo na cama.
UOL – Como vocês se posicionam sobre a venda de animais?
Rodrigo Albuquerque – Há uma grande demanda de pessoas que querem cães de raça, por uma série de fatores.
Sem ser hipócrita, a maioria das pessoas quer aquele animal por uma questão estética, então ela busca uma determinada raça. Não adianta adotar um cachorro na rua e morar em um apartamento de 30 metros quadrados, que é o que acontece em São Paulo. Esse animal não vai ter qualidade de vida.
O que fazemos é organizar o setor, com um trabalho sério de homologação de criadores. É um trabalho difícil. É preciso educar quem cria. Se não tiver organização, as pessoas irão comprar no porta-malas de um carro, na feira clandestina.
O objetivo é o bem-estar do animal, e não dá para fechar o olho porque, se você fecha, está incentivando o comércio clandestino.
Mas vocês continuam vendendo os animais nas lojas?
Fazemos a organização e a profissionalização para diminuir o comércio clandestino. É preciso ter legislação.
Nas lojas, há uma área de socialização. Os cachorros não ficam presos. Saem, brincam e interagem com as pessoas. Não colocamos o cachorro em jornal porque solta tinta. O ambiente é climatizado, temos veterinário responsável, protocolos e criadores credenciados.
Esse é um assunto do qual as pessoas até fogem, mas eu acredito ser prudente tratar isso de frente. Existe a demanda. Há um grande movimento de venda na internet. Esse é um assunto sempre delicado. Vai ter gente contra, mas é preciso tratar de forma séria e profissional, olhando o bem-estar animal.
É preciso mais fiscalização e legislação para evitar a venda clandestina?
A legislação do setor é confusa. Como é de praxe no Brasil, a legislação dá dupla interpretação. Há uma lentidão ou falta de organização por parte dos órgãos públicos.
Temos no país mais animais do que crianças. Então, como podemos olhar para isso de uma forma diferente? É melhorando a legislação, é profissionalizando o mercado também. O nosso segmento, apesar de ser muito grande, é muito amador ainda. Há muita gente operando na informalidade.
Lidar com bicho é fácil; problema são as pessoas
UOL – Qual o maior problema para contratar funcionários hoje para esse mercado?
Rodrigo Albuquerque – Costumo dizer que o mercado não é cachorro e gato, e as pessoas me acham maluco. O negócio é gente.
Lidar com os bichos é fácil. Qualquer um com um pouquinho de cuidado consegue lidar. O problema é lidar com as pessoas. Há no Brasil um grande problema de qualificação.
O nosso maior gargalo são pessoas mesmo. Começa no recrutamento. Fazemos um trabalho muito grande para que os franqueados invistam tempo para contratar certo.
Isso no Brasil implica você gastar muito tempo para contratar um vendedor. Recomendamos conversar com 30 ou 40 pessoas por vaga. Não é contratar o menos pior, e sim contratar aquela pessoa que, de fato, tem perfil.
O desafio é ter um bom técnico que consiga tosar um cachorro e dar banho da maneira adequada, mas que consiga ter desenvoltura, ser comunicativo. Há técnicos bons, mas ruins comercialmente ou pessoas comercialmente boas, mas com nível de organização baixo. É o nosso maior desafio: gente.
Faltam cursos técnicos para as funções exigidas no mercado pet?
Nos cursos de veterinária no Brasil, o que é ensinado está muito em cima da técnica veterinária, mas o profissional precisa ter noções de estatísticas, de gestão.
O nosso método de ensino está muito defasado. O mundo mudou, está muito mais digital, o sistema não acompanhou esse processo, e isso acaba colocando pessoas desqualificadas no mercado. Existe uma equação de desemprego alto, mas não conseguimos contratar porque há um hiato de qualificação.
Então, para diminuir o desemprego é preciso capacitação?
A base é investir na educação e, na minha opinião, adequar o método. O que o mundo mudou de 30 anos para cá? Mudou absurdamente. Se você pegar a mecânica de ensino é a mesma ou muito parecida, e aí você acaba colocando gente no mercado que precisa fazer especialização.
A base do ensino fundamental precisa ser revista, o ensino técnico é outra ponte para qualificar as pessoas, e é uma mudança que demora porque é estrutural. Se não começarmos a olhar já, não vamos colher tão cedo.
Segundo o IBGE, existem no Brasil mais de 30 mil lojas do mercado de pets. Como crescer em um mercado competitivo?
O setor cresce a 6%, 7% ao ano. É a segunda maior população de cães e gatos do mundo. O segundo maior mercado em faturamento no mundo também, mas o mercado é muito amador.
Mais de 95% dos donos de loja possuem uma ou duas unidades. Apesar do gigantismo do mercado, ele está totalmente fragmentado e pulverizado.
Há muitos veterinários donos de loja. As lojas estão organizadas de forma independente e não têm poder de compra com a indústria. Gestão é uma palavra quase inexistente nesse mercado também.
Há muita dificuldade de conseguir rentabilizar o negócio. Estamos falando de um varejo que tem produtos, serviços e vida. São três departamentos diferentes em uma mesma loja.
A oportunidade está em sermos um dos organizadores desse mercado, criando uma rede, uma marca, com poder de compra, trazer gestão, treinamento, métrica.
A pulverização do mercado não é saudável para consumidor final?
Quanto mais o mercado vai se desenvolvendo, mais vai se organizando em formado de rede. É assim com escolas de inglês, supermercados, farmácias.
No mercado pet, está começando a passar por um processo de profissionalização. Mas há muito chão ainda pela frente. As grandes redes têm menos de 10% do mercado. O resto está totalmente fragmentado nos pequenos lojistas.
Que dica o senhor daria para quem quer ser um líder?
A liderança é feita por exemplo. Não adianta falar e fazer diferente. O líder tem que ter o espírito de servir e não de ser servido. A nossa função é ir limpando a burocracia, tirando os empecilhos da frente para que a equipe possa executar um bom trabalho.
Liderar está muito ligado com você gerir emoções. O papel cada vez mais é entender se aquela pessoa está no lugar certo, na hora certa, identificar algum possível conflito.
O líder tem que ser um bom psicólogo para poder gerar valor e extrair o melhor de cada um, e é difícil. Procuramos fazer um ambiente bem descontraído e divertido. Criamos um programa de almoços, que se chama Programa Conheça.
Toda quarta-feira, almoço com meus colaboradores de todos os níveis, e o objetivo não é falar de trabalho, mas da pessoa. Por que a relação é sempre em cima do você fez?
A ideia é saber de onde você vem. Pega duas horas de trem, de ônibus, carro? Seu filho está doente? O que você gosta de fazer? O objetivo é diminuir a distância entre o dono, ou o líder, com a base da empresa.
Fonte: UOL