Por Rita Azevedo | As taxas de debêntures no mercado secundário estão, aos poucos, voltando à estabilidade, com a melhora gradual do crédito privado vista a partir de junho. No caso de títulos de empresas varejistas, porém, essa retomada aos patamares “normais” parece estar longe de acontecer, com investidores precificando os papéis como se a crise do início do ano durasse até hoje. Papéis como os da Via, por exemplo, emitidos a uma taxa de CDI + 1,7%, chegaram a ser negociados a CDI + 30% nas últimas semanas.
Um dos motivos para esse aumento dos spreads é a preocupação do mercado sobre o desempenho do PIB à frente e com a velocidade da redução dos juros, segundo Daniel Celano, diretor-presidente da gestora Schroders Brasil. Como o varejo é um setor cíclico, a piora das condições econômicas afeta de forma direta e rápida os resultados das companhias. Os papéis do setor também foram afetados, no início do ano, pela crise da Americanas, que deixou os investidores mais desconfiados.
“Em uma situação sem muita visibilidade sobre o impacto da queda dos juros, não estamos construtivos em relação ao varejo. Minha avaliação é que esses spreads não deveriam mesmo fechar”, diz Celano. “Estamos absolutamente cautelosos e com o mínimo de varejo possível dentro da carteira.”
Em agosto, o volume de negociação no mercado secundário de debêntures chegou a R$ 34,6 bilhões. Desse total, pouco mais de R$ 1,55 bilhão corresponde a debêntures de empresas classificadas pela Anbima como comércio atacadista e varejista.
Levantamento produzido pela Quantum Finance a pedido do Valor mostra que os títulos de dívida da dona da Casas Bahia são os que tiveram o maior aumento de spread no mercado secundário desde o início do ano, em comparação a outras debêntures de varejistas. A taxa indicativa – calculada pela Anbima e que funciona como uma referência do preço justo do papel, em que a oferta encontra sua demanda – aumentou quase 20% no período. Em seguida na lista aparece o título do GPA com vencimento também em 2026. O avanço, nesse caso, foi de pouco mais de 16% no ano.
Em ambos os casos, o aumento da percepção de risco foi influenciado também por questões internas das companhias, segundo gestores. No GPA, pesaram na avaliação de investidores as divergências dentro da administração da companhia sobre os planos para a controlada Éxito, rede de supermercados da Colômbia. No início do mês, a varejista negou duas propostas de compra feitas pelo colombiano Jaime Gilinski para prosseguir com um plano de cisão.
Em meio a isso, uma das debêntures da companhia que era precificada a CDI mais 6% passou a ser negociada a CDI + 17%. O avanço das taxas gerou preocupação na administração do GPA, que buscou bancos para entender o movimento. A recompra foi a maneira encontrada para dar uma sinalização positiva aos investidores e “resolver” uma onda de vendas dos papéis por alguns fundos, segundo apurou o Valor com fontes envolvidas no processo.
Já a Via passa por processo de reestruturação desde março de 2023, após a troca do comando da companhia. A empresa anunciou recentemente plano para preservar caixa e melhorar a eficiência, com medidas como demissões, fechamento de lojas e enxugamento da estrutura organizacional. No segundo trimestre, a varejista teve prejuízo de R$ 492 milhões, revertendo lucro de R$ 6 milhões no mesmo intervalo do ano anterior.
Procurados pela reportagem, GPA e Via não se manifestaram.
A visão de investidores sobre o varejo, no geral, mudou a partir do rombo contábil divulgado pela Americanas em janeiro. A partir do caso, que acabou levando também ao pedido de recuperação judicial da empresa, começaram a surgir dúvidas sobre a maneira como as varejistas estavam contabilizando o chamado “risco sacado”, também conhecido como “forfait”.
Essas operações decorrem de triangulação entre empresa (comprador), fornecedores e bancos. As companhias usam recebíveis para alavancar o financiamento nos bancos e com garantia da empresa, sem necessariamente serem representadas como passivos financeiros.
O temor de uma crise geral no setor piorou com os juros em patamares altos. O Banco Central deu início a um ciclo de cortes na Selic em agosto, para 13,25% ao ano, mas a taxa básica vai levar tempo para chegar a apenas um dígito, o que pode ter reflexos na inadimplência das famílias e, consequentemente, na capacidade de aumento das receitas das varejistas.
“O ambiente de juros altos pesa, sobretudo no varejo que atua mais entre as classes C e D”, afirma Filipe Albert, gestor de carteiras na Fator Administração de Recursos. “Também há impacto no custo do capital de giro, que é algo que varejistas demandam muito pela venda a prazo.”
Fonte: Valor Econômico