Movimento acontece na esteira de crise de redes como Saraiva e Cultura. O modelo de megalivraria, que foi uma onda no mundo, está vivendo seu reverso. É o que diz o editor e livreiro Alexandre Martins Fontes. “As pessoas agora querem livrarias com alma, com uma seleção de títulos criteriosa e um espaço de convívio”, diz o dono da Martins Fontes, que tem duas lojas em São Paulo, com crescimento de 38% neste ano. Só a unidade da avenida Paulista faturou R$ 26 milhões nos últimos 12 meses.
Ele confessa ter se inspirado na Livraria Cultura de 20 anos atrás, antes da rede embarcar no conceito de “megastore”. Na sua opinião, foi o melhor modelo que o Brasil já teve, com foco em atendimento e acervo de qualidade. E diz que hoje se beneficia do fechamento da Fnac e das crises da Saraiva e da própria Cultura, ambas em recuperação judicial – a Saraiva, com uma dívida de R$ 684 milhões, e a Cultura, de R$ 300 milhões.
Com 20 vendedores e 130 mil livros para pronta-entrega, a Martins Fontes tem grande acervo de livros técnicos e científicos, mas nem por isso deixa de ser uma livraria genérica. “Somos democráticos, estamos abertos para várias faixas etárias e todas as áreas do conhecimento. Nosso investimento em infraestrutura aposta numa equipe de profissionais capacitada”, diz.
Em termos de preço, a gigante Amazon domina o mercado na internet. Mas o que se fala agora é de um movimento de valorização das lojas físicas, diferentemente do que ocorreu no início dos anos 2000, quando as livrarias-supermercados dizimavam as pequenas. No Brasil há vários exemplos de resistência de lojas de bairro, seja em Salvador, onde a Boto-cor-de-rosa é itinerante; em Porto Alegre, onde a Baleia leva sua banca para eventos culturais da cidade; ou em Belo Horizonte, onde a Livraria da Rua tem música e lançamentos na calçada.
São Paulo ganhou duas novas no mês passado. A pequena Mandarina e a experiente Travessa, com dez lojas entre Rio, Ribeirão Preto e São Paulo e que já estava presente na capital dentro do Instituto Moreira Salles. “Há uma releitura do formato das livrarias no mundo todo”, diz Rui Campos, sócio majoritário da Travessa. “As livrarias se tornaram bibliotecas, pontos de encontro. Não sei exatamente como isso aconteceu, mas com a chegada do comércio eletrônico, as pessoas voltaram a se interessar por algo mais do que um título que você já conhece e as megastores perderam sua razão de ser”.
Campos lembra da época em que diziam que o livro eletrônico dominaria o mercado por ser mais barato, e que o impresso desapareceria. “O paradoxo é que o impresso começou a ser cada vez mais valorizado e as pessoas passaram a procurar lugares para se conectar. Assim, as pequenas e médias começaram a renascer. Agora, a gente até se pergunta qual será o futuro do livro eletrônico, apesar dele ter sua função”.
A Travessa, que prevê faturar R$ 80 milhões neste ano, inaugurou em São Paulo uma loja de 200 m2, bem menor que a média das cariocas, com 1 mil m2. Há três meses chegou a Lisboa, onde vai concorrer com a tradicional Bertrand, que vinha perdendo o charme. Em 2020 pretende abrir uma unidade em Niterói.
A Mandarina, das sócias Roberta Paixão e Daniela Amendola, que imaginavam vender dez livros em média por dia, quando abriram as portas em 18 de agosto, têm vendido entre 25 e 30. A expectativa é faturar R$ 1 milhão até o fim do ano.
“A margem de lucro do livro não é ruim, tirando custos, chega a 20%. Com as contas apertadinhas é um bom negócio”, diz Roberta. Para ela, hoje é preciso somar a experiência de um livreiro do século passado ao compartilhamento nas redes sociais, de forma a ouvir o cliente o tempo todo e interagir com ele. Já Daniela aposta nos cursos e eventos da Mandarina para serenar as mentes neste momento de polarização política. “Aqui é um espaço sem tensões, aberto à crítica e ao conhecimento. As pessoas estão precisando disso,”
Literatura contemporânea de editoras pequenas, foco em feminismo e questões raciais é o que diferencia algumas livrarias de bairro como a Baleia, de Porto Alegre, fundada há cinco anos por Nanni Rios, que veio do mercado editorial e fatura R$ 20 mil por mês.
Em Belo Horizonte, onde já existiram cerca de 30 livrarias de rua, sobraram 4. Uma delas é a Livraria da Rua, no bairro de Savassi. “Temos a missão de estimular e provocar o sensorial das pessoas. A questão é trabalhar bem o acervo e oferecer o que não há no circuito comercial”, diz o dono, Alexandre Machado. Com faturamento de R$ 150 mil por mês, ele considera essencial para o convívio a cafeteria, onde oferece cookie vegano, pão de fermentação natural e refrigerante sem açúcar.
Fonte: Valor Econômico