A virtualização é um fenômeno que se desenrola pelo menos desde a virada do milênio. Basta acompanhar a história da Amazon, que primeiro conquistou o mercado de livros e em seguida se expandiu para dominar o varejo. O Brasil seguiu essa tendência com um certo atraso, mas seguiu. A estrondosa valorização do Magazine Luiza nos últimos anos se deveu, em grande parte, à aposta na multicanalidade (unir as operações on e offline). Se essa tendência era forte, com a pandemia se tornou ultrapoderosa.
Nos Estados Unidos, a Amazon obteve em três trimestres um lucro maior do que o de todo o ano passado (sem contar as vendas de Natal, da Black Friday e do Prime Day, sua promoção anual). Não à toa, seu valor de mercado cresceu perto de 70% no ano.
No Brasil, o Magazine Luiza teve avanço de quase 150% nas vendas online no terceiro trimestre do ano passado em relação ao mesmo período do ano anterior. As vendas digitais atingiram 66% do total da companhia, e a empresa se tornou a maior varejista do país. Suas ações se valorizaram cerca de 85%. As vendas dos concorrentes — como Via Varejo e Mercado Livre — também cresceram em níveis espetaculares.
Quem sofreu foram as pequenas empresas do comércio local. Muitas fecharam, outras tantas começaram a trilhar o caminho da adaptação. É seguro dizer que quem está operando hoje passou a ter alguma forma de comércio online: aderiu aos pedidos por app ou computador, às entregas em domicílio, passou a fazer marketing via redes sociais (mais sobre isso daqui a pouco) ou se associou a alguma plataforma de comércio eletrônico (como o sistema do Magazine Luiza, da Amazon ou de aplicativos de comida, por exemplo).
A questão é: o quanto essa tendência vai refluir? De um lado, a compra virtual é mais simples, mais rápida, mais confortável. De outro, perde-se o contato (enxergar o produto, experimentá-lo, conversar com alguém que explique seu funcionamento, passear para olhar vitrines). Parte da alta nas compras online ocorreu pela quase total falta de opção — loja fechada ou obediência às recomendações de isolamento social. Uma vez que o vírus seja controlado, é de se esperar que pelo menos um tanto das pessoas volte à rotina anterior.
O que veremos, então, será uma miscelânea de estratégias. Restaurantes que se adaptaram para atender por encomenda (cozinhas maiores, áreas de serviço menores; mais cozinheiros e entregadores, menos atendentes) vão adotar novos equilíbrios. Terapeutas que passaram a atender online manterão essa opção pelo menos em alguns casos. É possível que algumas academias experimentem pacotes que incluam orientação de exercícios em casa.
A conta, no entanto, não é tão simples. Os atendimentos virtuais exigem investimentos, treinamento, sistemas. Os atendimentos físicos também — mas de outra natureza. Fazer as duas coisas sai mais caro. Em mercados de muitos atores, veremos provavelmente todas as combinações possíveis: quem só atenda presencialmente, quem só atenda virtualmente e todas as variantes no meio do caminho.
Mesmo a vantagem das grandes empresas no mundo virtual (com mais estrutura e mais investimento em marca) pode ser colocada em dúvida. Até agora, elas se beneficiaram demais da migração para o online. Mas as tecnologias barateiam muito rapidamente, e as pequenas empresas deverão entrar novamente na disputa pelos corações e bolsos dos consumidores.