A terceira idade está invadindo a internet no Brasil e o tabu de fazer compras no mundo virtual começa a ser quebrado. Uma pesquisa do Instituto Locomotiva revelou que 5,2 milhões de pessoas com mais de 60 anos já utilizam regularmente a web no país. Em apenas oito anos, foi um salto de 940%, o equivalente a 4,8 milhões de novos usuários. A pedido do GLOBO, a Ebit, empresa especializada em comércio eletrônico, calculou que o consumidor mais velho já movimenta R$ 15,6 bilhões em compras on-line. Segundo a Ebit, nenhuma outra faixa de comprador on-line teve avanço tão rápido nos últimos anos. De olho nesse fenômeno, as empresas começam a se preparar para conversar com os idosos conectados.
— Mais de 26 milhões de pessoas têm mais de 60 anos no país. É uma parcela da população com renda somada que chega a R$ 330 bilhões. A internet definitivamente passou a influenciar os hábitos de consumo desse público, que cada vez mais usará a rede para se informar, participar de redes sociais ou fazer compras — explica Renato Meirelles, sócio do Instituto Locomotiva, que realizou o levantamento em todo o país, em julho, com base em 1.950 entrevistas.
A família da aposentada Lydia de Lucca, de 93 anos, ilustra esse novo perfil. Conectados há alguns anos, eles buscam comodidade e preços mais baixos na web. Com a ajuda dos filhos, Sueli, de 67 anos, e Francisco, de 69 anos, Lydia compra pela internet os remédios para pressão e vitaminas que usa regularmente. A família gasta, em média, R$ 500 no mês. Eles ainda preferem fazer as compras pelo notebook em lugar do celular, mas Sueli usa seu smartphone para se informar e participar de redes sociais. O irmão dela, Francisco, trabalha como corretor de seguros, e o e-mail é sua ferramenta de trabalho. Ele costuma comprar eletrodomésticos e produtos de informática na rede.
— Sempre fui familiarizado com a internet. Com as compras, buscamos comodidade. E, claro, sempre tomamos o cuidado de comprar por sites conhecidos — diz Francisco.
TÍQUETE DE COMPRA MAIS ALTO QUE A MÉDIA
De acordo com a Ebit, os itens perfumaria e saúde são os mais procurados pelos internautas mais velhos, seguidos por eletrodomésticos, casa e decoração, moda e acessórios, e telefonia celular, nesta ordem. Além disso, o tíquete médio gasto nos sites pelo consumidor com mais de 50 anos é de R$ 411, contra R$ 388 da média de todas as idades. No ano passado, dos R$ 41 bilhões gastos em e-commerce no Brasil, esse público foi responsável por 35%. E a tendência é que o gasto dessa turma cresça ainda mais.
— Iniciamos o mapeamento do e-commerce brasileiro há 16 anos. Lá atrás, esse público representava 5% dos pedidos feitos pela internet. No ano passado, o percentual chegou a 33%. Nenhuma outra faixa de compradores cresceu tanto e tão rápido — avaliou Guasti.
A demanda mais intensa da terceira idade no e-commerce já é relatada pelos varejistas. A Ultrafarma, rede de farmácias, que tem uma campanha publicitária estimulando seus clientes a comprarem pelo canal virtual, detectou crescimento expressivo da parcela de clientes da terceira idade desde 2013. O público com mais de 60 anos representava menos de 1% entre os clientes que compravam regularmente pelo site três anos atrás. Hoje, já são 10%, e a velocidade de crescimento é a mais alta entre todas as faixas de idade.
— A maioria dos clientes de medicamentos de uso contínuo é da terceira idade. Mas isso não se traduzia no ambiente on-line, já que havia a barreira tecnológica. Com os celulares ganhando mais recursos e se tornando a forma mais comum de acesso à web, isso começou a mudar. Nos últimos anos, a terceira idade é a parcela de público que mais cresce nas compras do site — afirmou Ricardo Vieira da Silva, diretor de e-commerce da Ultrafarma.
Nas redes Extra e Pão de Açúcar, o e-commerce de alimentos registrou um crescimento dos pedidos de 10% por compradores acima de 60 anos entre 2014 e o ano passado. Para este ano, a expectativa é que o crescimento seja de cerca de 30%.
O especialista em varejo Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, confirma que a chegada dos smartphones e de aplicativos de compra, mais fáceis de mexer e que concluem a operação com poucos cliques, ajudaram os mais velhos a quebrarem a barreira que existia entre eles e o mundo digital.
— Resolvida essa questão da cultura digital, você nota que o e-commerce se encaixa ainda mais às necessidades de consumo das pessoas com mais de 50 ou 60 anos. Na compra on-line você não precisa sair de casa, não precisa carregar peso, pode comparar preços sem muito esforço e pode ler com calma as informações de produtos sem se expor, por exemplo, a um atendente sem paciência — disse Terra.
A pedagoga aposentada Yone Gueldini Mendes, de 63 anos, há alguns anos só faz compras on-line, exceto as de supermercado. Em sua lista virtual estão roupas de cama, presentes para o neto, remédios e eletrodomésticos. Yone sempre procura em sites de busca antes para checar os preços em diferentes lojas.
— Frutas e verduras, por exemplo, eu acho que é preciso tocar, escolher bem. Assim como os outros produtos de supermercado, nos quais gosto de ler o rótulo e comparar com as outras opções na prateleira — contou ela, que ganhou confiança para mexer no computador, celular e tablet quando passou a ter os seus próprios dispositivos, sem dividir com filhos ou marido.
— Depois disso, passei a comprar só on-line e tenho certeza de que faço melhor negócio do que comprando pessoalmente — disse.
Já a também pedagoga aposentada Maria Lucia Almeida Salles, de 66 anos, conta que faz inclusive o supermercado pela web.
— É impossível hoje eu carregar todo o peso dos enlatados. Prefiro pagar frete e receber em casa — lembrando que itens difíceis de encontrar no varejo tradicional são facilmente localizados na rede, como pijamas de malha fria, que ela adora.
CONFRARIA DE VINHOS E CHURRASQUEIRA NA REDE
Até mesmo os bancos estão estimulando a parcela de clientes mais idosos a usar os canais digitais. O Itaú Unibanco colocou no ar uma campanha que caiu no gosto da população ao mostrar duas senhoras, de 80 anos, totalmente conectadas, usando os aplicativos da instituição, além de outras modernidades como Snapchat.
— Miramos exatamente o público mais idoso. Há muitas propagandas sobre uso de tecnologia que são muito estereotipadas, nas quais essas novidades aparece como coisa de gente mais jovem. As soluções digitais valem para todas as idades — afirma Eduardo Tracanella, superintendente de Marketing do Itaú Unibanco.
O comerciante Mario Suzuki, de 64 anos, conta que programa todos os pagamentos pessoais e os de sua empresa pelo internet banking. Com isso, dribla a possibilidade de esquecer as datas de vencimento e economiza tempo de fila nos bancos. Ele revela que ainda tem certo receio de fazer compras pelo mundo virtual, por isso sempre escolhe os sites mais conhecidos. Mas há três anos vem participando cada vez mais desse universo. Já entrou numa confraria de vinhos pela web, e comprou uma adega e uma churrasqueira usando seu notebook.
— O uso da internet é intuitivo. E o mundo virtual é um caminho sem volta — diz ele.
Para a psicóloga Silvia Carvalho, o uso da rede pela terceira idade é altamente positivo já que estimula a comunicação e a prática de novas atividades, facilitando estabelecer novas conexões cerebrais:
— Quando a idade avança, a tendência é a pessoa repetir o que sabe fazer. A internet é um campo fértil de atividades e aprendizado. É fundamental para a saúde se arriscar em novas habilidades.