Por Adriana Mattos | A provável fusão entre Petz e Cobasi, que assinaram memorando de entendimento não vinculante para evoluir nas negociações, tem acertos óbvios, na visão do mercado, e com boas chances de funcionar se as partes conseguirem avançar em desafios que devem aparecer logo mais à frente.
Apesar da percepção positiva, gestores e analistas ainda aguardam definições fundamentais, como total de sinergias e nível de sobreposição de lojas, para ver o tamanho do ganho – e do trabalho a ser feito.
O memorando foi anunciado na sexta-feira (19), e se o acordo evoluir, será criada a maior rede de “pet” do país, com 483 lojas, receita bruta de R$ 6,9 bilhões e lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação (Ebitda ajustado) de R$ 464 milhões, pelos dados de 2023.
Em comunicado a empregados, a Petz disse que espera concluir a transação no prazo de 8 a 12 meses. Para analistas, na sexta-feira, o CEO da Petz, Sérgio Zimerman, falou em unir forças para estancar uma “guerra” que “sangra” as empresas – trata-se da competição com os sites chineses e com o mercado informal de lojas físicas.
Daqui para frente, tem peso grande nesse processo a definição de um DNA único para duas empresas, hoje com culturas diferentes, e capacidade de se entenderem nas tomadas de decisões entre diretoria e conselho de administração – órgãos a serem liderados pela atual presidência da Cobasi e da Petz, respectivamente.
As redes gostam de se referir à união de Raia Drogasil (RD), em 2011, como modelo a seguir – e tem razão na citação, em conversas com analistas – mas mesmo ali, foi preciso uma dose de amadurecimento para que impasses em decisões estratégicas (que vão surgir com Petz e Cobasi), não atrapalhassem os planos de crescimento.
“Quando o assunto vazou no mercado um ano atrás, pelos corredores da Cobasi, falavam que a chance era quase zero. Que a família [Nassar, com 89,5% da Cobasi] só aceitaria se fossem ser controladores. Poderia ser só para despistar, mas quase ninguém acreditava que isso sairia porque eles são muito diferentes”, disse um executivo próximo da família.
O consultor Alberto Serrentino, CEO da Varese Retail, lembra que a Cobasi é um negócio dos irmãos Paulo, Ricardo e João Nassar, com um “vínculo emocional grande” com a rede, criada em 1985, a partir de uma loja agropecuária. “Esse é o negócio da vida deles.”
Já Petz, fundada por Zimerman, surgiu há apenas duas décadas e dominou certas praças porque viu uma oportunidade, e de forma competente, disse o consultor, ganhou mercado inclusive em cima da Cobasi em certas regiões. Zimerman chegou a se oferecer para abrir uma franquia da Cobasi quando analisava a entrada no setor, mas um gerente de loja disse à época que não havia interesse.
“A tese da fusão é irretocável pelas inúmeras vantagens, como ganhos logísticos e comerciais, na compra da indústria, mas a harmonização das culturas é desafiadora, e não a diferença nas personalidades entre Sérgio e Paulo”, disse Serrentino. Zimerman é mais arrojado e “vocal”, enquanto os Nassar são “low profile” e adotaram gestão conservadora.
As redes entendem que não se trata de debater estilos diferentes, mas de ter capacidade de montar uma proposta única de crescimento – na imagem acima, inclusive, pediram para tirar fotos com as camisas invertidas para mostrar essa “unidade”. “Teremos governança estruturada, com os membros no conselho e os comitês para que a gente tenha capacidade de relacionamento e cabeça alinhada de geração de valor”, disse Zimerman. “Eu já dizia aos 48 anos que queria sair ao 60 anos [do dia a dia]. Saio um pouco antes, mas já tinha isso dentro de mim bem resolvido. Eu e os irmãos [Nassar] temos ótima relação”, disse ao Valor.
Houve um processo de desprendimento, de oxigenação com a entrada da Kinea, em 2021. Isso mudou a cabeça da família”
— Paulo Nassar
Paulo Nassar, questionado sobre as resistências da família nas conversas anteriores (foram pelo menos quatro tentativas após 2019) disse que o entendimento mudou. “A família passou por um processo de desprendimento, de oxigenação quando a Kinea entrou, em 2021, e isso mudou nossa cabeça, junto com a fase da nossa vida, já mais maduros hoje”.
Na fusão, cada rede terá 50% da nova companhia, sendo que Zimerman terá 14,9% das ações, e no mercado ficam 35,1%. Na família Nassar, se a posição atual de cada acionista na Cobasi for mantida, os irmãos ficariam com 44,8%, a Kinea, 3,9%, e os outros sócios, 1,3%. A Cobasi vai pagar R$ 450 milhões aos sócios da Petz como parte do ajuste dos valores das cadeias, para a combinação meio a meio.
O fundador da Petz poderá indicar quatro membros ao colegiado e os Nassar e a Kinea, outros cinco, num total de nove, já incluindo nessa conta os membros independentes. A empresa estará no segmento de Novo Mercado da B3.
Segundo Nassar, a oferta pública inicial de ações (IPO, da sigla em inglês) da Cobasi estava pronta para quando a janela de mercado surgisse, mas sem ambiente para a volta dos IPOs, o caminho para o plano de expansão veio pela fusão.
O Valor apurou que um dos entraves para o acordo era a definição do “valuation” da Petz, e com o entendimento conjunto pelos R$ 7,10 por ação (o dobro dos R$ 3,50 fechados na quinta-feira, antes do anúncio), as conversas destravaram em 15 dias. Após o comunicado, o papel subiu 37%, fechando em R$ 4,80 na sexta-feira.
Até março, a fusão andava de lado, como o Valor noticiou no começo deste mês. A última vez que Nassar e Zimerman tinham se encontrado para tratar do assunto havia sido em outubro de 2023.
Depois disso, Claudio Ely, membro do conselho da Petz (ex-Drogasil), e Cristiano Lauretti, do private equity da Kinea, passaram a se encontrar sozinhos – Zimerman e Nassar saíram das conversas, deixando na mesa um alinhamento, que evoluiu para o desenho atual.
Outro ponto levantado por analistas tem relação com os desafios futuros, caso a união avance. Em relatório, a equipe do BTG disse que o setor “pet” continua muito fragmentado. E essa competição forte, inclusive com informais, continuará a afetar margens. Para a Cobasi, porém, os ganhos de sinergia “enormes” se traduzirão em maior rentabilidade.
O tema da sinergia é ponto unânime entre analistas, mas Nassar e Zimerman descartam aquisições de negócios menores num setor pulverizado, para ampliar ganhos no curto prazo. “Há muita informalidade. O caminho da consolidação será pela abertura de lojas”, disse Nassar.
Analistas do Citi e XP ainda chamam a atenção para eventuais exigências do Cade, o órgão antitruste, para venda de lojas em São Paulo, o mais rentável – pouco menos de 50% das vendas de cada rede vem do Estado. Apesar disso, as redes veem “chance zero” de um “remédio amargo”. “Raia e Drogasil tinham lojas lado a lado e não tiveram muito ‘remédio’ [imposições]. Se tivermos, serão de lojas que, se fechadas, não afetam o negócio”, disse Zimerman.
Fonte: Valor Econômico