A gigante de moda chinesa coloca no mercado milhares de novos produtos, que são comprados, usados e descartados rapidamente, gerando uma cadeia de problemas
Por Álvaro Almeida
O mundo dos negócios costuma ficar maravilhado com ascensões meteóricas de empresas como a marca chinesa de comércio eletrônico de fast-fashion Shein. A empresa foi fundada em 2012 e dez anos depois já foi avaliada em US$ 100 bilhões. Está presente em 150 países e seu grande apelo é oferecer roupas com design moderno a preços muito acessíveis principalmente para jovens e adolescentes.
O marketing é concentrado nas mídias sociais e a cada curtida as clientes ganham pontos que se transformam em descontos a partir de determinado valor acumulado. O site é um espaço frenético de promoções. Um link no pé da homepage dá acesso à página de responsabilidade social com informações bem suscintas sobre as práticas com comunidade, ambiente de trabalho e meio ambiente.
O sucesso da Shein traz, no entanto, um conjunto de efeitos nada sustentáveis. A começar pela proposta assumida pela própria companhia de explorar a fast-fashion, uma moda de consumo rápido, impulsivo, que tem como conceito a não repetição dos looks e o veloz desuso das roupas. Já nem é preciso explicar como esse modelo é insustentável.
A Shein coloca no mercado milhares de novos produtos por dia, que são comprados, usados e descartados muito rapidamente gerando uma cadeia de problemas que vão desde as emissões de gases causadores do efeito estufa na distribuição e entrega dos produtos, a alta demanda por matérias-primas e o gigantesco volume de descarte inapropriado destas roupas, em sua maioria feitas de tecidos sintéticos, com alto poder poluidor.
A Bloomberg divulgou recentemente um dado alarmante: 2.150 peças de roupa são descartadas por segundo somente nos Estados Unidos, o que gera 11,3 milhões de toneladas de resíduo têxtil por ano.
Os males produzidos pela fast-fashion já são conhecidos e combatidos, sobretudo, na Europa, e redes globais como C&A e H&M, assim como cadeias brasileiras como Renner e Riachuelo, já se moveram muito na direção de reduzir os impactos negativos do consumo da moda.
A pergunta que certamente surge é: como os executivos dessas marcas de moda reagem à perda de mercado (ou mesmo à ameaça) provocada pela Shein? Irão arregaçar as mangas e partir para a briga de preço, provavelmente reduzindo o custo de seus investimentos em práticas mais sustentáveis? Ou será melhor apostar na educação do consumidor e na prevalência de seus valores cada vez mais conectados com a conservação do planeta e um maior equilíbrio social?
O sucesso da Shein traz uma desconfiança sobre a real adesão das novas gerações à sustentabilidade. Na pesquisa Vida Saudável e Sustentável, realizada no Brasil em parceria da GlobeScan com o Instituto Akatu, a Geração Z é a que mais percebe o preço alto como uma barreira (57%) para se ter uma vida saudável e sustentável, possivelmente por ainda não ter renda própria ou por ter uma renda de começo de carreira. É também a geração que mais afirma (33%) não saber como fazer para ter um estilo de vida saudável e sustentável.
As análises que apontam os mais jovens como adeptos de comportamentos mais sustentáveis têm um fundo de verdade como tendência, mas não podem ser consideradas transformações massificadas. Por exemplo, apenas 19% dos jovens brasileiros da Geração Z dizem comprar artigos domésticos ou roupas de segunda mão. Pouco ainda, mas muito mais do que os apenas 8% de Baby Boomers.
Esses dados indicam que há claramente um problema de oferta que devora os valores e as boas intenções de todos, mas vamos permanecer focados nos mais jovens. Com pouco dinheiro e sem opções de produtos sustentáveis de baixo custo, que abram espaço para a comparação e avaliação de atributos além do preço, esses consumidores ávidos pela vida social são facilmente capturados pelas ofertas boas, bonitas e baratas. Ainda mais quando envolvidas em uma aura de gameficação das promoções e de encantamento das mídias sociais.
Como os efeitos externos no meio ambiente e nas condições de trabalho da cadeia produtiva não estão internalizados nos preços, esses custos ficam para a sociedade. Os investidores lucram e a sustentabilidade fica num link que mais parece uma nota de rodapé.
Fonte: Neofeed