Por Adriana Mattos
A decisão do conselho de administração da Via de mudar o comando da varejista de eletroeletrônicos e móveis- sai Roberto Fulcherberguer e entra Renato Franklin, ex-Movida – começou a ser digerida pelo mercado nesta segunda-feira, quando a ação caiu 3,72%. Não haverá transição de poder entre os executivos. Fulcherberguer deixou a dona da Casas Bahia na sexta-feira e a função será exercida por Abel Ornelas e Sérgio Leme, ambos vice-presidentes, até o dia 1º de maio, quando Franklin assume o cargo.
Além do fato inesperado, que pegou a equipe de surpresa, inclusive no alto escalão da própria companhia, um dos pontos levantados entre investidores é se Franklin tem o perfil para avançar em questões que Fulcherberguer não conseguiu, e também aprimorar a relação da empresa com o mercado – isso num cenário de aumento da percepção de risco do setor, e nível de confiança afetado por episódios passados.
O Valor apurou que, além do conselho, parte dos bancos credores e de fundos com maior posição na rede entendem que, desde o fim do ano passado, vinha se consolidando o momento de troca, e de uma “virada de página”, nas palavras de uma dessas fontes, após pouco menos de quatro anos da gestão de Fulcherberguer,
A ambiente para a mudança foi ganhando peso após a rede mostrar dificuldade maior para crescer na venda de mercadorias, dizem fontes. O mercado piorou para todo mundo de um ano e meio para cá, mas a Via não cresceu em 2022, e o braço digital, após uma revisão na estratégia ainda em andamento, encolheu 10%. A receita bruta total ficou quase no zero a zero (os rivais diretos até cresceram um pouco), basicamente porque as lojas melhoraram seus números, ajudando na soma total. A melhora no resultado operacional veio, em parte, por um trabalho forte em despesas e produtividade, aspectos positivos da atual gestão.
Neste ano há outra questão na mesa: a rolagem da dívida bruta. Cerca de 40% do total vence no curto prazo – dos R$ 4,1 bilhões em dívida, há R$ 1,6 bilhão com vencimentos em 2023. Mais de R$ 850 milhões vencem entre abril e junho. O Bradesco, com longa relação com Michael Klein, principal acionista da Via, é o maior financiador da empresa.
Cerca de R$ 380 milhões foram pagos a bancos de janeiro a março. A empresa vem adiando e renegociando os valores a vencer. Tem dito a analistas que a sinalização é “positiva”, sem maiores detalhes.
Esse ambiente abriu um cenário de necessidade de proteção de caixa, ao mesmo tempo em que a Via tem que focar em certos investimento e retomar o crescimento no canal on-line.
A ideia é ter um executivo que leve a empresa a voltar a crescer em financiamento e logística, diz uma fonte. Também terá que enfrentar a perda de confiança de parte dos investidores, disseram alguns gestores, algo que se intensificou após certos desgastes como o anúncio da provisão bilionária de passivos trabalhistas, em 2021.
Franklin, 41 anos, não trabalhou no varejo de eletroeletrônicos e nem no comércio on-line. Passou mais de nove anos na Movida, e antes outros 10 anos na Vale. Um ex-diretor da Movida diz que ele tem certas características de varejista: gosta de “chão de loja” e do contato com vendedor.
É a segunda mudança na Via em menos de um mês – a atual equipe foi contratada por Fulcherberguer. Há cerca de 20 dias, Helisson Lemos renunciou ao cargo de vice-presidente de inovação digital. Na Movida, Franklin será substituído, a princípio, temporariamente, por Gustavo Moscatelli, que recentemente saiu da Vamos para ser o diretor financeiro da Movida.
Em quase dez anos, Franklin fez da Movida a segunda maior do setor de locação de veículos, deu visibilidade maior à marca. Deixa o negócio com alta de 68% na receita líquida com locação em 2022 – mas com perdas anuais em margem bruta e margem ebit (operacional). O nível de alavancagem está em 2,8 vezes (na relação dívida e lucro operacional), perto do índice de 2,9 vezes um ano atrás. A cobertura do caixa é superior a 3,3 anos de vencimentos de dívida.
Fulcherberguer entrou na Via na metade de 2019, com o retorno à rede de Michael Klein, cuja família ainda é a maior acionista da empresa. Mas a relação entre ambos se estremeceu algumas vezes, após discordâncias na fase da pandemia, e divergências na governança. Desde a troca de controle da Via, há quase quatro anos, a ação caiu de quase R$ 5 para R$ 1,81.
Desde 2019, a proposta de transformação digital da Via avançou, mesmo em um ambiente de forte crise de demanda, a partir da segunda metade de 2021, e de aceleração da concorrência de grupos como Amazon e Mercado Livre. Foi preciso redesenhar na Casas Bahia o papel da loja num negócio em que o físico sempre foi o grande motor do grupo. Alguns números melhoraram, como geração de caixa – passou de consumo de R$ 900 milhões há dois anos para geração de R$ 2,6 bilhões em 2022. Mas a empresa fechou 2022 com prejuízo de R$ 342 milhões, 15% acima da perda de 2021, afetada pela alta da taxa Selic.
Fonte: Valor Econômico