Aos 18 anos, a paranaense Elizangela Kioko, atual presidente da rede de farmácias Onofre, abandonou a escola e foi com o irmão mais novo trabalhar no Japão, mesmo sem falar a língua (nem gostar da comida). Durante os seis anos seguintes, ela trabalhou como faxineira e foi operária em duas fábricas de autopeças, onde chegou a coordenar uma equipe de 20 pessoas. Elizangela voltou ao Brasil aos 24 anos, sem muito dinheiro e sem o ensino médio completo. Em 2016, 17 anos depois, ela assumiu a presidência da rede de farmácias Onofre, uma das mais tradicionais do país, comprada em 2013 pela CVS, maior rede de drogarias dos Estados Unidos, com receita de 185 bilhões de dólares no ano passado.
A Onofre, com 44 lojas e vendas próximas de 700 milhões de reais por ano, segundo estimativas do mercado, é uma nanica perto das maiores empresas do setor. Enquanto as concorrentes disputavam os bons pontos disponíveis para abrir centenas de lojas, a Onofre passou por uma extensa reestruturação nos últimos anos. Revisou processos, trocou equipe, mudou o interior e a marca das lojas e reforçou seu foco em vendas online e oferta de serviços. Agora, voltou a crescer, sem estardalhaço.
Ao voltar do Japão em 1999, Elizangela foi morar em Uberlândia, Minas Gerais, onde retomou os estudos, trabalhou como caixa numa lotérica e como atendente num call center até chegar a assistente administrativa na divisão de fármacos da distribuidora e atacadista Martins. Sete anos depois, já no cargo de coordenadora de trade marketing, responsável por desenvolver ações com a indústria e farmácias, ela foi para a área de drogarias da rede de supermercados Carrefour. A essa altura, já morando em São Paulo e com dois filhos pequenos, recebeu uma proposta do laboratório farmacêutico Hypera (ex-Hypermarcas) para estruturar a mesma área. Foi de lá que, em 2015, ela saiu para assumir a diretoria comercial da Onofre. Chegou em meio a uma reestruturação.
Fundada em 1934 no Rio de Janeiro, a Onofre foi administrada sempre pela família fundadora, a Arede. Até que, pouco tempo antes de Elizangela chegar, o grupo americano CVS, atrás de uma forma de entrar no Brasil — visto como um mercado promissor —, adquiriu o controle da Onofre. Em 2012, a Onofre faturava cerca de 450 milhões de reais em suas 46 lojas e aproveitava o bom momento do mercado para crescer. A meta era abrir mais 25 unidades até 2015. Mas, ao assumir a gestão, a CVS descobriu que faltavam licenças de funcionamento em algumas lojas e que os passivos trabalhistas e fiscais eram maiores do que o estimado. Os ex-donos e a CVS se desentendiam até na hora de escolher o terreno para novas lojas. Tudo isso levou a CVS a questionar o valor do acordo, de 670 milhões de reais por 80% da rede. Quando algumas parcelas deixaram de ser pagas, em 2016, a família Arede entrou com um processo de arbitragem na Câmara de Comércio Brasil–Canadá contra a CVS e acabou perdendo.
Em paralelo às discussões societárias, a CVS integrou as lojas e o banco de dados de compras, vendas e estoques, sob o comando de Mário Ramos, ex-diretor do banco JP Morgan no Brasil e do fundo de investimentos Pátria. Uma das primeiras — e polêmicas — decisões de Ramos foi fechar 12 lojas não rentáveis, cerca de um quarto da operação na época, enquanto os concorrentes anunciavam dezenas de novas unidades pelo Brasil. Com um ano na Onofre, Elizangela já tinha assumido também as áreas de suprimentos e de operações. Quando Ramos foi convidado a assumir uma diretoria da CVS nos Estados Unidos em 2016, Elizangela foi escolhida para ocupar seu lugar. “Eu falei que não estava preparada, mas que me prepararia”, diz.
Ela deu início a uma nova fase de profissionalização e expansão da Onofre, apoiada em três pilares: comércio eletrônico, reformas de lojas e crescimento sustentável. De 2016 para cá, oito lojas foram abertas e 11 reformadas (a meta é inaugurar pelo menos 15 neste ano). “Não queremos crescer freneticamente. Nossa estratégia é ter poucas, mas boas lojas”, diz Elizangela. Ao mesmo tempo, a Onofre é, entre as grandes, a que mais aposta na integração dos canais físico e digital. A empresa tem um centro de distribuição exclusivo para o online, em São Paulo, e está construindo outro. Com isso, a Onofre faz entregas em até 90 minutos em São Paulo (antes prometia em até 4 horas) e em breve também fará no Rio e em Belo Horizonte. Hoje, os pedidos pelo site e pelo telefone representam 40% do negócio; a meta é chegar aos 50% neste ano.
A dúvida é se as novidades vão dar conta de encurtar a distância em relação às maiores redes de farmácias do país. Enquanto a Onofre arrumava a casa, as concorrentes investiram para crescer. De 2012 para cá, as receitas do setor aumentaram 62%. Como as margens de remédios são apertadas e os reajustes de preços dependem do governo, a importância dos medicamentos para o faturamento das drogarias caiu de 73%, em 2009, para 66%, em 2015, de acordo com a empresa de pesquisa Nielsen. As farmácias têm investido cada vez mais em produtos de higiene, beleza e conveniência. Nos Estados Unidos, redes como CVS e Walgreens oferecem de bebida alcoólica a produtos de limpeza.
A Onofre começou a trazer para o Brasil estratégias da CVS, como mais serviços nas lojas. Há alguns meses, lançou em 22 unidades a Onofre Clinic, clínica que, além de medir a pressão e a glicemia, aplica vacinas e, em breve, fará o acompanhamento de gestantes e de quem quer perder peso ou parar de fumar. A CVS é a maior empregadora de enfermeiros dos Estados Unidos. “Há outros nichos a explorar, como medicamentos especiais, que exigem manipulação ou injeção, como para diabéticos, produtos oncológicos ou aqueles que precisam de refrigeração”, diz Douglas Woods, sócio da consultoria BCG e líder da divisão de saúde no Brasil. Por aqui, a vacinação só foi liberada para drogarias no fim de 2017.
Mas as maiores oportunidades estão na digitalização. No fim de junho, o gigante varejista americano Amazon comprou a farmácia online PillPack, que oferece mais do que venda online: entrega diariamente aos assinantes de seu programa os me-dicamentos de que eles precisam nas doses certas. “O consumidor não compara mais o serviço de farmácia com o de outra farmácia, mas, sim, com a experiência no Uber, Airbnb e Spotify”, diz Leonardo Cid Ferreira, diretor executivo da consulto–ria Accenture Digital. Ele cita, por exem-plo, a solução que a rede de cafeterias -Starbucks encontrou para tentar resolver uma dor de cabeça de seus clientes: a fila. Pelo celular, é possível pedir o café na loja mais próxima e pegar na hora agendada. O pagamento é feito no próprio app, que armazena ainda os dados de compra do cliente e oferece promoções e mimos. Seguindo esse conceito, a loja física da Onofre serviria, então, para dois propósitos: atender os clientes que não querem se deslocar muito para comprar xampu ou escova de dentes — isto é, buscam conveniência — ou ainda como ponto de entrega de pedidos online. “Com mais lojas próximas ao consumidor, fica mais fácil a logística das vendas online. A loja vira um pequeno centro de distribuição”, diz Ricardo Neves, sócio da consultoria PwC e especialista em varejo e consumo. Nesse ponto, as grandes redes, com mais de 1 000 lojas, têm uma vantagem competitiva em relação às menores. A Onofre equivale a 5% do tamanho da RaiaDrogasil, a maior do setor, em faturamento. A diferença vem crescendo: em 2013, a Onofre equivalia a 8% da líder. Tamanho importa: as grandes do setor podem comprar lotes maiores e conseguir ofertas mais interessantes para vender digitalmente, território em que o preço é o grande chamariz. O desafio é integrar os canais e oferecer agilidade na entrega, coisa que a Onofre já faz. Enquanto seus concorrentes seguem firmes nos planos de abrir lojas em profusão, a Onofre — e Elizangela — continua focada em fazer melhor com menos. No melhor estilo japonês.
Fonte: Exame