Por Bárbara Sacchitiello | Não se pode dizer que a vida do varejista brasileiro é fácil. Mas, um cenário como o atual, que combina a alta taxa de juros, inflação, queda no poder de consumo e os impactos das transformações da jornada das pessoas, torna o quadro ainda mais complexo para o setor.
É com esse contexto que o País vai à edição de 2024 da NRF Retail’s Big Show, segundo Allan Barros, CEO da Pullse e da Acelerai, ambas do Grupo Dreamers. Com um histórico de décadas dedicada à comunicação de empresas de varejo, o publicitário acredita que o único caminho para a manutenção de marcas fortes de varejo é a criação de um ecossistema em que a venda de produtos seja uma das ofertas de uma ampla gama de serviços.
“Está muito claro, aqui na NRF, que os maiores varejos do mundo estão crescendo de forma sustentável são os que estão criando um mix entre venda de produtos e de serviços aos clientes”, comentou Barros, em entrevista ao Meio & Mensagem. Veja:
Meio & Mensagem: De forma geral, o que a NRF representa para os profissionais que trabalham na comunicação e em outros segmentos do setor varejista?
Alan Barros: A NRF tem uma tradição muito grande de ser percursora, de gerar informação sobre tendências, principalmente sobre tecnologia e sobre tudo o que vai acontecer no varejo. Para quem é de comunicação, sempre acontece na NRF um alerta importante de para onde o varejo, de grande e médio porte, levará seu negócio. Nos últimos anos, ficou muito clara a tendência da omnicanalidade, além da importância dos dados e de como o varejo tem de tomar decisões com base nos dados. Isso também orientando muito a comunicação. E, neste ano, vemos aqui um esforço e mobilização grandes a respeito da inteligência artificial; sobre como ela vai fazer a grande transformação do varejo, que acredito que vivenciaremos nos próximos anos. Nos últimos anos o varejo vem coletando dados, mas não conseguia, de certa forma, transformá-los em ações práticas. E acho que a IA vem, agora, com uma força muito grande para movimentar e chacoalhar como o varejo trabalha a jornada do consumidor na omnicanalidade.
M&M: O varejo no Brasil, assim como no mundo, passa por transformações de diferentes áreas, sendo, entre elas, os novos hábitos de compra dos consumidores. O que mais está mudando, em sua visão, a respeito da maneira como as pessoas consomem?
Barros: Pós-pandemia, o mundo vem passando por um ciclo inflacionário muito alto. Isso fez com que os consumidores adotarem uma prática muito racional de compra e, com isso, o varejo precisou se mover de forma muito rápida para se adequar ao novo poder de renda do consumidor. Acho que, agora, voltamos a um ciclo em que o consumidor começará a valorizar novamente não apenas a racionalidade do valor, mas também a questão do valor percebido, da qualidade do produto e propósito de marca. A questão da sustentabilidade também terá maior poder na decisão do consumidor. O varejo terá de unir essas informações e entender para onde o consumidor está indo.
M&M: As empresas de varejo no Brasil enfrentaram um momento peculiar em 2023, coma algumas marcas em dificuldades financeira e, outras, em busca de um novo posicionamento. Como vê o atual cenário para as marcas varejistas do País?
Barros: O grande varejo brasileiro passa pela fase mais importante da história, em um cenário extremamente adverso por dois pontos: juros muito altos para o consumidor e um poder aquisitivo corroído pelos últimos anos de pandemia. O varejo nunca enfrentou todos esses fatores em conjunto. Já enfrentou momentos de baixa de consumo, mas com taxa de juros facilitando o equilíbrio; ou um momento de juros altos, mas com o consumo aquecido. Além disso, há o desafio do crescimento muito rápido de todo o universo digital, que para a maioria das categorias ainda traz um grande desafio de sustentabilidade, porque traz volume de faturamento mas não permite operar com a mesma rentabilidade do varejo físico. Esse equilíbrio que vai decidir o jogo no futuro das grandes varejistas, inclusive a respeito de como ele reinventa o varejo físico. Aqui, nos Estados Unidos, fica evidente a relevância do ponto de venda, que passa a cumprir uma nova missão. Estamos diante de um jogo de xadrez muito grande, de ter de reinventar a loja física, em um cenário adverso de rentabilidade e, no meio de tudo isso, uma das maiores transições de consumo que o varejo está vendo.
M&M: O e-commerce transformou – e ainda vai vem transformando a jornada de compra das pessoas. Nesse ambiente digital, em que o preço muitas vezes é o chamariz e o decisor de compra, que espaço sobra para a construção de marca e fidelização de público??
Barros: Sim, o digital, hoje, é o maior desafio que o varejo já enfrentou. Há cases de redes que abdicaram de estar no e-commerce e, quando se olha o resultado prático dessas redes, ele é muito positivo. Então, podemos questionar: não entrar para o e-commerce é o caminho? Não, é preciso achar uma solução para estar presente de forma completa na jornada do consumidor, mas estabelecendo uma rentabilidade positiva em ambos os cenários. Para mim, o único caminho viável para isso é ter um ecossistema onde a venda de produto é só um dos fatores, em meio a uma cadeia de serviços bem-estruturada. Está muito claro, aqui na NFF, que os maiores varejos do mundo estão crescendo de forma sustentável são os que estão criando um mix entre venda de produtos e de serviços aos clientes.
M&M: De forma geral, quais os caminhos você vê para a comunicação varejista no Brasil ao longo de 2024? Que caminho (em termos de apelo de marketing e estratégias de negócios) acredita que as marcas devam seguir?
Barros: Independente do tamanho do varejo, é preciso ter capacidade de coletar informação a respeito do que o cliente deseja, como ele se relaciona e com que frequência. O varejista sempre luta para fazer a primeira venda, mas o futuro não é a primeira venda, mas sim a segunda venda, porque a partir do momento que isso acontece, dá para estreitar o relacionamento com o cliente. A partir desse momento, é muito importante criar uma comunidade em torno de cada negócio. Não consigo enxergar uma marca poderosa, no futuro, que não consiga estabelecer essa relação de comunidade em toda a cadeia, entre os próprios colaboradores e para que os clientes também façam parte dessa comunidade e se torne um veículo de mídia.
Fonte: Meio e Mensagem