Gutierrez deixa o posto em janeiro após 30 anos na companhia, que enfrenta competição mais acirrada
Por Adriana Mattos
A Americanas vai trocar o seu diretor-presidente a partir de 1º de janeiro de 2023, com a saída de Miguel Gutierrez e a entrada de Sérgio Rial, atual presidente do conselho de administração do banco Santander no Brasil, numa das mais importantes e emblemáticas mudanças no comando na história da varejista. É a primeira grande troca em 20 anos. O movimento é encarado como uma ruptura em termos de perfil e modelo de liderança, com expectativa de efeitos sobre a cultura de uma empresa historicamente avessa à entrada de executivos seniores de fora no primeiro escalão.
A troca foi bem recebida por investidores e analistas na noite de sexta-feira, logo após o anúncio, com expectativa de alta na ação na B3 nesta segunda-feira – no ano o papel acumula queda de 58%. Embora haja a ressalva sobre o tamanho do desafio de Rial. Será feita uma transição gradual nos próximos quatro meses, até a efetiva substituição em janeiro de 2023. Segundo duas fontes, minoritários e potenciais investidores vinham defendendo a troca no comando para tentar dar novo ritmo de crescimento ao grupo, que vem enfrentando competição mais acirrada no comércio on-line.
O anúncio causou surpresa não só porque não estava no radar do mercado a hipótese de Rial ir para um cargo executivo em outro segmento no Brasil, mas especialmente pela sinalização que a Americanas passa agora. “De todas as mudanças que se esperava no ‘management’ [comando executivo] deles, essa foi sem dúvida a mais inesperada e a melhor porque ele traz um pacote de ‘ativos’ que a Americanas claramente precisa”, observou um gestor.
“Rial é um nome de peso, um dos CEOs mais respeitados no país. Tem boa capacidade de se relacionar no ‘board’ [conselho de administração], e vai usar isso lá, e no ‘top to top’ com fornecedor. É muito habilidoso nas relações internas e externas, sem contar o provável ‘upside’ em serviços financeiros que está no DNA dele. Foi uma escolha excelente”, disse outro sócio de gestora.
Rial continuará no conselho do Santander. A Americanas é parceira do Banco do Brasil na emissão de cartão de crédito. O executivo também é membro do conselho da Vibra – Americanas e Vibra são sócias numa joint-venture em lojas de conveniência desde o início deste ano, com gestão e governança próprias. Antes do Santander, Rial trabalhou nos bancos ABN Amro e Bear Sterns e nas empresas de alimentos Cargill e Marfrig.
Em termos de liderança, se espera que Rial dê outra “cara” à gestão atual, melhorando a comunicação com o mercado. “Isso é algo que Rial sabe e gosta de fazer, e que não é exatamente um grande ‘ativo’ da Americanas”, diz um analista.
A carreira de Gutierrez na Americanas foi construída enquanto a companhia esteve sob o controle, por 40 anos, dos investidores Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles — o trio abriu mão do controle neste ano, mas são acionistas de referência, com 29,5% do capital.
Rial poderá, com sua experiência no setor financeiro, dar outro ritmo à Ame, a plataforma financeira do grupo, que avançou com Anna Saicali à frente, mas ainda precisa “destravar mais valor”. “Eles têm lojas pelo país todo, dezenas de centros de distribuição, e-commerce com bom tráfego, a Ame digital, mas falta orquestrar isso tudo, um ‘approach’ maior de valor na percepção do consumidor. E acelerar isso tudo junto, algo que ainda não está acontecendo”, diz uma fonte a par do assunto.
No comunicado da Americanas é citado que o “movimento de sucessão reforçará a estratégia da companhia de crescimento com rentabilidade”. A leitura feita é que a Americanas vai voltar a acelerar margens mais rapidamente, mas sem deixar as vendas totais (GMV, no jargão do setor) em segundo plano, num momento em que o setor discute estratégias que se dividem entre crescer mais ou buscar maiores margens. De janeiro a junho, a margem bruta da Americanas cresceu 0,4 ponto, para 30,9% – a varejista vem crescendo mais que seus rivais diretos, após alguns altos e baixos nos últimos anos.
As expectativas tendem a subir de patamar daqui para frente. A companhia cresceu no começo da pandemia menos que outros “marketplaces”, como Mercado Livre. De abril a junho, cresceu em vendas 3% abaixo do consenso do mercado, disse o Goldman Sachs, apesar dos melhores números operacionais em geral. “O que os clientes esperam é que ele acelere mais a transformação digital”, disse uma analista.
Para um segundo analista, os “acionistas sentiram que a Americanas tinha ficado para trás comparado a outros competidores e colocavam parte dessa conta no ‘management ”, disse ele. “Só que tem que lembrar, para quem entra, que o desafio continua o mesmo: entregar crescimento, de uma maneira que prejudique menos o balanço. Nesse ponto, o on-line peca há anos”, diz.
Por trás desse movimento, outra discussão retorna em relação a empresa. Quando a operação on-line foi criada, com a B2W, em 2006, a ideia era montar uma empresa com força digital na América Latina, só que os planos não avançaram como se esperava. “A menção no comunicado geral à ampla experiência de Rial em mercados globais levantou uma lebre sobre isso de novo”, diz uma fonte. No comunicado, a Americanas informa que Rial tem vasta experiência em diversos setores e vivência de mais de 15 anos na Ásia, na Europa e nos Estados Unidos. A empresa tem a opção de abrir o capital nos Estados Unidos.
“A entrada dele num cargo executivo numa outra empresa brasileira não era um ‘move’ que a gente esperava. Pelo que havia entendido dele, o foco era ir para conselhos e ele até toparia um cargo executivo, mas em companhias mais globais. Por isso fica essa questão de algo maior no ar”.
Fonte: Valor Econômico