Frederico Trajano assume a liderança do Magazine Luiza com o desafio de reverter resultados ruins e transformar a rede numa potência digital
Toda quinta-feira funcionários do Magazine Luiza chegam ao trabalho meia hora mais cedo. O motivo: ver televisão. Pontualmente, às 8h30, vai ao ar o TV Luiza, um noticiário sobre o que de mais importante ocorreu naquela semana na rede de varejo. Em novembro do ano passado, foi feita uma edição especial. Luiza Helena Trajano, a presidente do conselho de administração, comandou um talk show com Frederico Trajano, então diretor de operações, e Marcelo Silva, à época o CEO da rede. O tema da conversa era sucessão. Silva passaria o bastão para Fred, como é conhecido na empresa. A partir de janeiro deste ano, ele ocuparia o cargo de presidente. Não era exatamente uma novidade, e tudo foi conduzido para garantir uma troca de comando suave e feita sem muito alarde.
Faltou combinar com o mundo. A encrenca que Frederico Trajano, de 39 anos, tem pela frente é considerável e seu dia a dia na cadeira de CEO, que assumiu em janeiro, não tem sido – e nem será – tranquilo. O varejo brasileiro vive um dos seus piores momentos. Entre janeiro e novembro do ano passado, as vendas do setor sofreram queda de 4%, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse resultado, o pior desde 2003, é reflexo de uma combinação nociva de fatores. Eles incluem desemprego, inflação em alta, crédito mais caro e escasso. O desempenho do comércio de móveis e eletrodomésticos, uma das bases do Magazine, consegue ser ainda pior. Ele diminuiu 13,5% no mesmo período, a maior redução dos últimos 13 anos.
No Magazine Luiza, as vendas caíram 10,6% entre janeiro e setembro de 2015, levando a um prejuízo líquido de R$ 13,2 milhões. O ano de 2016 não deve ser diferente. Embora se espere uma leve trégua na inflação, a economia continua patinando, o desemprego segue em alta e a confiança dos consumidores está no fundo do poço. O mercado financeiro também não tem facilitado a vida dos varejistas de capital aberto. Desde que lançou ações na bolsa de valores – em abril de 2011 –, o valor de mercado do Magazine despencou 82%. A Via Varejo, rede que reúne as lojas da Casas Bahia e do Ponto Frio, vive drama semelhante. O valor de mercado da companhia, no mesmo período, desabou 71%.
Seria difícil se o único desafio de Trajano fosse remar contra a crise. Há outro entrave, porém. Ele precisa imbicar a empresa rumo ao futuro. E o futuro, para o executivo, está na transformação digital. O Magazine precisa ser uma loja virtual, embora vá manter sua presença em pontos físicos. O problema é que colocá-lo de vez no bonde do comércio eletrônico significa não só mudar um modelo de negócios. Representa correr o risco de perder a identidade, o jeito de ser da companhia. A rede fez do calor humano um de seus maiores trunfos tanto no relacionamento com clientes como com funcionários. Vencer em todas essas frentes de atuação, como se vê, não será menos do que uma tarefa para lá de desafiadora.
Dieta de emergência
Para atacar os problemas de curto e médio prazo, Trajano contratou duas consultorias – a Galeazzi e a McKinsey – para ajudá-lo a tornar a empresa mais enxuta e eficiente. A primeira procura oportunidades de redução de custo. A segunda tem como tarefa encontrar formas para alavancar a receita. “Em um momento de crise, a primeira iniciativa deve ser a redução de custos”, diz Frederico Trajano. “Mas ela não pode ser a única.”
A Galeazzi está desde meados de 2015 revendo todos os gastos do Magazine. A metodologia utilizada é a do conhecido orçamento base zero (OBZ, no jargão). Como o nome sugere, todos os custos são revistos a partir do zero, sem tomar como referência o ano anterior. O Magazine tem revisto contratos de aluguel e com transportadoras, racionalizado o uso de energia e reduzido benefícios dos executivos. “Nenhum diretor viaja mais de classe executiva”, afirma o novo chefe. A diretoria ficou sem bônus em 2015, pois faltou bater a meta. O CEO cortou ainda investimentos em publicidade. O Magazine Luiza não patrocinará este ano a transmissão de jogos de futebol, algo que fez em 2014 e 2015. Segundo Trajano, a busca por eficiência não é algo pontual. Ela precisa ser permanente para que a companhia não acumule gordura. E justifica: “Imagino que teremos mais um ano difícil pela frente. Mas se o bolo vai diminuir, quero uma fatia maior dele”.
Por fim, o quadro de funcionários ficará menor. O executivo não diz quantas pessoas serão cortadas, mas fontes próximas à empresa estimam uma redução da folha da ordem de 10%. No fechamento desta edição, em 27 de janeiro, os cortes já haviam começado. Entre os demitidos estava Luis Paulo Maia, diretor comercial do e-commerce. O Magazine afirmou que as demissões ficarão restritas à área administrativa, e que o pessoal das lojas não será afetado.
A McKinsey, por sua vez, levanta qual a participação de mercado do Magazine por categoria em cada uma das cidades em que a rede atua. É possível, por exemplo, saber o market share exato da empresa nos produtos de linha branca em Franca. Compara-se esse número com a participação média em cidades que têm características semelhantes. São analisados indicadores como renda per capita, população e nível de emprego. “As cidades nas quais nossa participação é abaixo da média são as micro-oportunidades”, diz Fred. Identificados os locais com maior potencial de crescimento, é hora de os gerentes e vendedores serem criativos e persistentes para atrair a clientela. O objetivo, claro, é vender mais, mas não a qualquer preço. Nada de margens espremidas. “Não queremos ganhar mercado em cima de descontos desnecessários”, afirma Trajano.
Tudo pelo digital
Pôr em prática o ajuste fino que tornará a operação do Magazine mais azeitada para sobreviver à crise é café pequeno perto da transformação estratégica que o novo presidente quer comandar. Ele deseja fazer da rede “uma empresa digital com pontos físicos e calor humano”. É bom analisar essa frase. “Empresa digital com pontos físicos” já é algo que merece explicação. O que se deseja, no caso, é que o e-commerce seja a principal fonte de receita (e lucro, óbvio) da companhia. Isso, no entanto, sem perder de vista que as lojas físicas precisam existir, até como suporte à operação online.
Tornar a operação digital do Magazine relevante foi o que motivou Frederico Trajano a entrar na companhia, em 2001. Apesar de muito jovem – ele tinha 24 anos –, o executivo não trilhou o caminho natural de muitos herdeiros: trabalhar desde sempre no negócio da família. Depois de formar-se em administração pela Fundação Getulio Vargas (FGV), foi contratado como analista de renda variável de consumo e varejo no Deutsche Bank. Lá, acompanhava o desempenho das empresas varejistas e viu de perto o declínio das redes Arapuã, Mesbla e Mappin. Mais tarde, foi para um fundo de private equity, onde entrou em contato com o ambiente das startups. Ele chegava ao Magazine com um objetivo claro: acordar a empresa para os perigos, desafios e oportunidades da internet.
Ele sabia que se a rede de lojas não levasse a sério as mudanças trazidas pela web, perderia o rumo. Os primeiros – e fundamentais – passos nessa direção já foram dados. Hoje o Magazine é a única varejista a ter as operações das lojas físicas e digitais totalmente integradas. Todos os nove centros de distribuição abastecem tanto o e-commerce como os pontos de venda físicos. O objetivo é que muito em breve as 780 lojas da rede também se transformem em centros de distribuição para as vendas online.
Agora, Trajano quer ir além. O digital não deve ser apenas relevante para a companhia. Ele será, muito em breve, sua principal fonte de receita. Essa transformação no modelo de negócios enfrenta um obstáculo nada desprezível. E aqui entra a parte de “calor humano” daquela frase (“uma empresa digital com pontos físicos e calor humano”). O sucesso do Magazine Luiza deve-se, em grande parte, às relações que a empresa construiu com clientes, fornecedores e funcionários. Luiza Helena Trajano, com seu jeito maternal, despachado, um tanto mandão e muito agregador, criou um senso de comunidade que serve de combustível para a motivação de seus funcionários. Especialmente para aqueles que estão em uma verdadeira missão “em campo” – os vendedores e gerentes que suam o uniforme para bater metas agressivas de vendas.
O rito de comunhão é um dos instrumentos criados por Luiza Helena para aproximar e motivar a equipe. Toda segunda-feira as pessoas se reúnem – seja no escritório de SP, no de Franca, nos centros de distribuição ou em uma das 780 lojas da rede – para cantar o hino do Magazine Luiza (“O prazer de fazer é tão grande, que o medo de errar se esvanece, e a cada conquista se cresce um pouco mais”, diz um trecho da letra). Depois disso, entoa-se o hino nacional e um pai-nosso é rezado.
Luiza Helena costuma dizer que quem não gosta do ritual não deveria trabalhar na empresa. E para aqueles que não são religiosos, argumenta que o rito de comunhão é uma oportunidade para que cada um entre em contato com o “seu absoluto”. A rede de apoio é muito forte. É bastante comum que reuniões ou encontros comerciais sejam interrompidos para que todos os funcionários rezem e mandem energias positivas para algum colega ou parente que esteja passando por um momento de saúde delicado, como uma cirurgia.
Abrace o novo
Com o crescimento da participação das vendas do e-commerce – hoje, 22% do faturamento da empresa –, a importância dessa mão de obra tão comprometida tende a ser reduzida e, com ela, a disposição de obter resultados maiores a cada mês. Além disso, o calor humano tão característico das lojas do Magazine Luiza também ficaria em segundo plano. Ao menos, essa é a tendência. Frederico Trajano, porém, considera que a empresa tem conseguido manter sua essência cultural intacta. “Não acredito que o varejo online tenha de ser mais frio”, diz. “Óbvio que a maior parte das operações não conta com a interação humana, mas temos exemplos claros de como é possível trazer calor humano para essa plataforma.”
Como? A preocupação com os possíveis efeitos da falta de contato tête à tête fez a empresa idealizar soluções criativas. Duas delas são o Magazine Você e a vendedora virtual Lu. A primeira é uma plataforma de “social commerce”, por meio da qual clientes criam páginas nas redes sociais para vender produtos do Magazine Luiza e ficam com uma comissão sobre as vendas. Hoje há 200 mil clientes-vendedores. Já a Lu é a vendedora-boneca-virtual que nasceu para humanizar a ajuda aos consumidores (o SAC) e terminou sendo promovida a garota-propaganda da rede. Esses projetos foram feitos sob a batuta do atual presidente, o Fred, quando ele ainda ocupava o cargo de diretor de operações.
Trajano está empenhado em incluir no mundo digital não só os clientes, mas também os funcionários. Sua mãe, Luiza, instituiu na companhia a chamada liberdade acompanhada. Os gerentes têm autonomia para definir preço, aprovar crédito e criar propagandas e campanhas para suas lojas. Com o crescimento das redes sociais, essas ações passam a ser necessárias também nos ambientes virtuais. Além da página oficial do Magazine no Facebook, há várias lojas com “fan pages” próprias para fazer promoções e atrair clientes.
Para que esse tipo de iniciativa não seja algo isolado, Trajano diz que é preciso criar uma cultura digital. Muitos gerentes e vendedores não estão familiarizados com as ferramentas da internet. Por isso, a empresa lançou um movimento chamado #abraceonovo para marcar esse esforço para inclusão digital. Dado Schneider, um tutor digital especializado em ensinar pessoas mais velhas a lidarem com as novas tecnologias, tem ajudado nesse processo. Trajano observa que no mais recente treinamento para gerentes, eles aprenderam a comprar mídia digital (anúncios no Google e Facebook, por exemplo), fazer vídeos e usar ferramentas de big data. Muitas vezes, o buraco é bem lá embaixo. “Fazemos gincanas nas quais, a cada semana, o funcionário precisa baixar um aplicativo novo e aprender a usá-lo”, diz. “Vale até realizar tarefas como pagar contas pela internet.”
Também quero ser Amazon
O próximo passo é fazer do site do Magazine um marketplace. Esse é o sonho dourado de dez entre dez varejistas. Nessa frente de negócios, o Magazine venderá seus produtos e o de diversos parceiros. É o modelo que fez a americana Amazon desbancar – e muitas vezes quebrar – empresas dos mais diversos portes nos Estados Unidos. O marketplace é uma forma barata de aumentar a variedade dos itens oferecidos e lucrar em cima da venda de mercadorias de terceiros. Lucratividade, aliás, é uma palavra que teima em não andar de mãos dadas com as empresas de e-commerce (leia mais sobre esse tema à pág. 72). Embora as vendas do setor não parem de crescer, são poucos os sites rentáveis. O Magazine Luiza não abre os dados de rentabilidade das vendas online, mas diz que a operação dá lucro.
André Fatala comanda o time que deve entregar ainda este ano o projeto de marketplace. Fatala é o diretor do Luizalabs, centro de inovação criado pela empresa para desenvolver, de forma independente, produtos digitais. O Luizalabs é um mundo à parte. Instalado a algumas quadras do escritório central da companhia, na Zona Norte de São Paulo, o lugar tem um jeitão de startup: decoração descolada (entenda-se por isso grafites nas paredes e móveis coloridos) e geladeira com refrigerante e cerveja, além de um time de jovens programadores e desenvolvedores em dia com o que há de mais revolucionário no mundo da internet.
Foi do Luizalabs que saiu, por exemplo, um dos projetos mais recentes da rede. Trata-se do “Quero de Casamento”. O pessoal do laboratório percebeu que a antiga lista de casamentos do site do Magazine poderia ter vida própria e, com isso, atrair mais clientes. No Quero de Casamento são oferecidos vários serviços: impressão de miniconvites, troca de presentes por créditos em compra, troca de mensagens entre noivos e convidados, confirmação de presença e vaquinha virtual.
O laboratório mostra que o Magazine tem se preparado para cada passo de sua transformação. Seu principal concorrente, a Via Varejo, não tem esse tipo de estrutura. A B2W, empresa que reúne o e-commerce Submarino e a Americanas.com, conta com uma equipe semelhante. A diferença é que a B2W já nasceu como uma empresa digital (o Submarino existe desde 1999).
Já a história do Magazine Luiza começou 59 anos atrás, como uma pequena loja de presentes chamada A Cristaleira, em Franca, no interior paulista. Os fundadores, o casal Luiza Trajano Donato e Pelegrino José Donato, eram tios de Luiza Helena, a mãe de Frederico. É um dos poucos casos que fazem jus ao chavão corporativo: o novo CEO tem, literalmente, o DNA da empresa. Mesmo estando há tanto tempo na rede e sendo filho da executiva que forjou o sucesso do Magazine, Trajano reluta em dizer que, desde sempre, era o escolhido para substituir sua mãe.
Há dois anos, porém, ele e Marcelo Silva, então CEO, hoje membro do conselho de administração, começaram a conversar sobre a sucessão, estabelecendo metas e prazos. Seis meses depois teve início um processo de coaching para Trajano, Silva e Fabrício Garcia (filho de Wagner Garcia, outro sobrinho dos fundadores). Fred foi orientado por Luiz Carlos Cabrera, que foi seu professor na FGV. Vicky Bloch atuou como coaching de Garcia, e Marcelo Williams ficou com Silva. “A sucessão estava acontecendo naturalmente. Eu já estava assumindo várias responsabilidades”, diz Trajano. O processo de coaching serviu para definir o papel de cada um na empresa e, assim, evitar atropelos na cúpula. “O meu papel é o da transformação digital. E só eu posso exercê-lo hoje.” É o que Frederico Trajano precisa provar não só para Luiza Helena, mas também para seus concorrentes, acionistas e funcionários. Agora, convenhamos, substituir sua mãe, a grande mentora da varejista, pode ser uma tarefa mais difícil do que vencer a crise e realizar a guinada para o mundo digital. “Eu brinco que ela não é uma mulher”, diz Trajano. “É uma avalanche.”