Criadora dos cafés em cápsulas, a marca perde espaço para rivais e ainda corre o risco de ser proibida de vender suas máquinas
No vídeo, um dublê do ator George Clooney sai de uma loja, aparentemente da Nespresso, quando é abordado por um jovem. “Hey, você sabia que na Espresso Club as máquinas de café são de graça?” “Como assim, de graça? Isso é loucura! Eu não sabia disso!”, responde o sósia do ator de Hollywood.
A paródia com Clooney, garoto-propaganda e embaixador da Nespresso desde 2006, é até divertida, mas a maior fabricante de cafés em cápsulas do planeta não gostou da piada. No ano passado, a gigante entrou com um processo contra a Espresso Club, uma pequena empresa de cafés em cápsulas com sede em Israel, exigindo uma indenização de US$ 50 mil e a retirada do comercial do ar. A justiça israelense não só negou o pedido da Nespresso como também exigiu que a empresa pagasse US$ 14 mil à Espresso Club para cobrir os gastos com advogados.
A Nespresso deve recorrer a uma segunda instância. O episódio seria apenas pitoresco não fosse ele o retrato da guerra em que se transformou o mercado mundial de cafés em cápsulas, avaliado em US$ 13,5 bilhões segundo a Euromonitor. De um lado, a Nespresso, marca da Nestlé que, há cerca de 30 anos, lançou esse sistema, popularizando o cafezinho expresso nos lares. Do outro lado, centenas de fabricantes de café, de pequenos produtores rurais a indústrias milionárias, de olho em uma fatia de um mercado que não para de crescer.
O resultado não poderia ser outro do que uma avalanche de ações judiciais. Quando foi criada, a maquininha da Nespresso era protegida por 1.700 patentes, mas desde 2013 elas vêm sendo gradualmente derrubadas na justiça, abrindo caminho para cápsulas genéricas, compatíveis com a máquina Nespresso. Uma das empresas mais combatentes, a suíça Ethical Coffee, decidiu ir além. O CEO Jean-Paul Gaillard (ex-executivo da Nespresso) quer, agora, barrar a venda das máquinas da concorrente. Segundo ele, a Nespresso vem modificando suas máquinas para dificultar o uso de cápsulas compatíveis.
E mais: a tecnologia usada pela Nespresso para barrar os concorrentes teria sido criada pelo próprio Gaillard. O assunto já está nas mãos da autoridade europeia. A demanda da Ethical Coffee pode parecer improvável, mas não impossível. A Nestlé vem perdendo importantes batalhas judiciais e, apesar de ainda ser líder de mercado, seu espaço está cada vez menor. De acordo com a Euromonitor, a participação da Nespresso nas vendas mundiais do segmento que ela própria criou caiu de 35,8% para 18% nos últimos dez anos.
O faturamento, que vinha crescendo a um ritmo de 30% ao ano, desacelerou para 10% e está em US$ 5 bilhões anuais. “Esse mercado está literalmente fervendo. É muito provável que haja fusões estratégicas no curto prazo”, diz Ken Harris, analista da Cadent, consultoria com sede em Chicago. No Brasil, segundo maior consumidor de café do planeta, a marca detinha o monopólio desse mercado e agora tem 41%. “Há cerca de dois anos, tínhamos apenas oito indústrias produzindo café em cápsulas no País. Nossa estimativa é de que existam agora mais de 100 delas”, diz Nathan Herszkowicz, diretor-executivo da Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic). “Enquanto no segmento de café torrado tradicional a margem de lucro é baixíssima, no segmento de cápsulas ela chega a 30%. Fica fácil entender por que todos querem uma fatia desse bolo”, completa.
Apesar da perda de mercado, a Nespresso está viva na disputa. Uma de suas principais estratégias tem sido o posicionamento como uma marca premium, não apenas na qualidade do produto, ainda superior à maioria dos concorrentes, mas também nos serviços.
Suas boutiques, que já somam mais de 410 no mundo, tornaram-se referência em design e, em 2013, a fabricante inaugurou o Cube, máquina de autoatendimento para clientes do Nespresso Club. Para disputar o mercado americano, onde sua participação nunca passou de 10%, a Nestlé lançou uma nova máquina, a Virtuoline, capaz de fazer cafés mais longos, bem ao paladar local. Como resumiu o CEO da Nestlé, Paul Bulcke, “a competição está ficando cada vez mais apertada. Mas nunca vi um mercado que não fosse assim”.