Por Loïc Hamon
É comum lermos que a pandemia de Covid disruptou em escala global o setor de Logística & Transportes. No entanto, o que observamos no início de 2020, foram rupturas econômicas e sociais brutais causadas por mudanças estruturais profundas que estavam sendo incubadas silenciosamente há um tempo. Movimentos sísmicos desta magnitude não são graduais e liberam energia potencial represada a partir de um “evento gatilho”. Neste caso, a pandemia foi só a gota que fez transbordar o vaso.
Empresas de Logística & Transportes estão atravessando agora a tempestade perfeita. A crise energética mundial, combinada com a inflação elevada está achatando as margens dos atores da cadeia. Ataques cibernéticos incapacitantes se tornaram corriqueiros e plataformas digitais estão desintermediando mercados inteiros. Nosso modelo de globalização está atingindo seus limites, seja por causa de tensões geopolíticas ou pela crise ambiental que gerou. E no Brasil, a modernização do arcabouço legal está levando incumbentes a repensarem seus negócios e propostas de valor.
Como pano de fundo, novas expectativas dos consumidores e clientes por sustentabilidade, eficiência e confiabilidade estão potencializando este rearranjo e moldando a logística do futuro. Neste contexto, a inovação tem um papel transformador fundamental.
O escritor de ficção científica Americano William Gibson já dizia em 1999 que “o futuro chegou, mas está mal distribuído”. A mudança está de fato acontecendo de forma desigual pelos diferentes ecosistemas que compõem o setor de Logística e Transportes. As principais frentes de transformação estão concentradas em três territórios: os modos de transporte, a otimização dos ativos e a orquestração/colaboração.
Apesar do carro autônomo tardar mais do que o esperado para entregar suas promessas, outros modais como o marítimo e ferroviário têm avançado a passos largos. Somada à eletrificação dos veículos, esta tecnologia gera mais segurança e sustentabilidade. Assim, trens com sistemas de condução semiautônomos trazem uma melhora de 15% no consumo de diesel e nas emissões de gases de efeito estufa. E isto é só o começo! Outro exemplo é o comissionamento este ano de balsas elétricas para 60 carros com autonomia nível 2 e controle remoto que entrarão em operação na Suécia na segunda metade de 2024.
O segundo território é o da Indústria 4.0 e da robótica que buscam extrair mais produtividade dos ativos e automatizar tarefas ditas “DDD” (dumb, dirty ou dangerous). Os portos e terminais estão cada vez mais inteligentes, tornando possível o uso de “gêmeos digitais” que otimizam a manutenção dos equipamentos e prolongam sua vida útil. Esta transformação digital, no entanto, acontece de forma gradual e pressupõe investimentos pesados em conectividade e sensoreamento. Por isto, tem que estar conectada aos planos estratégicos das empresas. A digitalização das operações de um porto por exemplo, é um projeto plurianual que envolve centenas de milhões de reais. Já aconteceu em terminais de contêineres no exterior e já vemos movimentações claras neste sentido no Brasil.
A terceira área é do uso de inteligência artificial para a orquestração de redes logísticas complexas com muitos elos. Nestas plataformas, a colaboração entre atores com fraco acoplamento acontecerá de forma dinâmica. Constelações de microssatélites geoestacionários monitorarão, por exemplo, continuamente a cadeia de suprimentos global.
Juntando estes três territórios, podemos pensar em fluxos de bens e mercadorias que se adaptam em tempo real, com pouca intervenção humana, a mudanças de nível de oferta, demanda e restrições operacionais. Este mundo das plataformas, conectadas e interdependentes é provavelmente de onde virá a maior disrupção.
Como vimos, os sinais da transformação já são notáveis na chamada “última milha” (eletrificação, plataformas, veículos cada vez mais autônomos) e dão o tom do que veremos acontecer ao longo das cadeias logísticas até 2030. William Gibson estava certo; o futuro já está entre nós
Fonte: Meio e Mensagem