As maiores varejistas do setor continuam indo muito bem no atacarejo. Mas, nos formatos voltados ao consumidor final, a vida delas não está tão fácil assim
Juntos, os três gigantes do varejo alimentar registraram alta de 1,2% no ano passado sobre 2016, descontada a inflação média do período, de 3,46% pelo IPCA. Entretanto, quando se olha individualmente para cada empresa, a varejista francesa cresceu 3,6% e o GPA, 4,1%, ambas em termos reais. Já o Walmart apresentou queda real de nada menos do que 7,4%. O que puxa para cima o resultado das duas primeiras é a operação de atacarejo. Se desconsiderarmos os efeitos do cash & carry, fica claro que as empresas, além de viverem momentos distintos, têm grandes desafios nos formatos que atendem o consumidor final. O GPA, por exemplo, enfrenta queda de vendas nesses segmentos. A divisão Multivarejo, na qual essas operações estão alocadas, caiu 6,2% real em receita bruta no ano passado sobre 2016. Já o Carrefour teve um resultado melhor em suas operações de varejo, com crescimento real de 2,1%, mas tem ainda muito a evoluir no que se refere à diversificação de canais. A exceção é o Walmart, que precisa evoluir em todas as frentes para continuar no jogo, segundo especialistas ouvidos por SM. No início de abril, 80% da subsidiária brasileira foi vendida à empresa de private equity Advent International.
Há vários fatores que dificultam a vida dos gigantes nos formatos de varejo. “Já há algum tempo, essas empresas estão passando por algumas transformações internas que acabam refletindo nas lojas”, afirma Sérgio Nóia, sócio da Enéas Pestana & Associados. Para ele, esses players enfrentam dificuldades em garantir a consistência da proposta de valor de suas bandeiras. “Muitas vezes, eles têm uma visão exclusivamente financeira do negócio, a ponto de impactar a presença dos produtos e o atendimento nas lojas”, explica. Nóia lembra que esses fatores não influenciam o atacarejo, uma vez que a gestão do canal é separada, o que justifica boa parte do crescimento das vendas.
As dificuldades também ocorrem pelo fato de as maiores varejistas, muitas vezes, mudarem a estratégia ou o processo antes de estes estarem amadurecidos, explica o sócio da Enéas Pestana “O gigantismo também leva a questões políticas e de vaidade de alguns executivos, o que atrapalha muito”, avalia Nóia. Outro fator, mais associado a decisões tomadas no passado, é que essas empresas têm muitas unidades de hipermercados, modelo que ainda não conseguiu se reposicionar. Rogério Soares, também sócio da Enéas Pestana, lembra que, ao não se recuperar em vendas, o formato acaba impactando negativamente as vendas e o resultado final das empresas devido ao alto custo de operação.
Parte da queda do GPA nos segmentos de varejo reside no fechamento de 17 hipermercados em 2017. Desses, 15 foram convertidos em Assaí. Mas essa não é a única explicação. Além de ter iniciado a revitalização do formato bem depois do Carrefour, a companhia também focou dinâmicas promocionais com resultados aquém dos esperados. Uma delas foi a “1,2,3 Passos da Economia”, lançada em abril de 2016, que consistia em dar descontos progressivos aos consumidores da bandeira Extra, conforme comprassem uma, duas ou três unidades. A cada 15 dias, 1.000 produtos eram colocados em oferta nas lojas. “Embora tenha gerado aumento no fluxo de consumidores, essa dinâmica tinha uma implementação muito difícil. Havia a necessidade de negociar com muitos fornecedores e a complexidade da execução em loja, que exigia troca de cartazes e preços de um grande número de mercadorias quinzenalmente”, afirma Guilherme Assis, analista de varejo e consumo da Brasil Plural. “Segundo a companhia, a iniciativa não foi abandonada, mas quase não se veem ofertas desse tipo”, comenta.
Assis acredita que essa ação tem sido substituída por outras que “machucam” menos a margem de lucro, como as que envolvem fidelidade do consumidor e o aplicativo de desconto. “Além do foco nessas ferramentas, o Extra voltou para um high low mais normal, que, no fundo, é o que o brasileiro valoriza”, analisa. À SM, o GPA informou que as novas dinâmicas (como Meu Desconto e Meus Prêmios), além de fortalecerem o posicionamento de inovação da empresa, fazem parte de uma estratégia que inclui aumento de rentabilidade, market share, cash margin e redução de Capex (gastos com investimentos). No caso do Extra, o aplicativo gerou um aumento de 15% nas vendas entre seus usuários, cuja base cresceu 6% na bandeira nos últimos sete meses.
Já na bandeira Pão de Açúcar, o número de clientes fidelidade aumentou 10% no mesmo período. As vendas geradas pelo aplicativo, por sua vez, cresceram 18%. Apesar disso, há desafios na operação da marca. Desde o ano passado, o GPA está reformando unidades da bandeira. Entre as novidades, estão o conceito Fresh, que reúne todos os alimentos frescos, e uma área exclusiva com o mix completo de itens saudáveis, além de sortimento e serviços ainda mais diferenciados nas unidades premium. Para Guilherme Assis, do Brasil Plural, a remodelação da bandeira poderia ter sido iniciada antes. A marca só não sofreu concorrência porque existe demanda por lojas premium. “Agora, a ideia é diferenciar as filiais que atendem basicamente o público A, como a da Oscar Freire e a da Gabriel Monteiro da Silva, ambas na capital paulista”, diz. Segundo Assis, o próprio CEO do Grupo, Peter Estermann, que assumiu em fevereiro, afirmou que essas lojas precisam ter o mesmo nível de produtos, por exemplo, da Casa Santa Luzia, que tem grande variedade e sofisticação operando uma única unidade.
Outras iniciativas tem sido adotadas pelo GPA no segmento de supermercados. Em junho, a empresa anunciou o retorno da marca Compre Bem, para competir diretamente com as redes regionais. Também está em andamento um projeto de revitalização de lojas do Extra Super. Até o fechamento desta edição, quatro unidades haviam sido remodeladas, passando a operar com o nome Mercado Extra. Nessas filiais, a seção de FLV ( frutas, legumes e verduras) ganhou maior destaque, e a de açougue passou a realizar serviços de corte na hora, entre outras mudanças. Segundo Estermann, são justamente os supermercados da marca que contam com maior dificuldade de performance. “Mas, no segundo trimestre, apresentaremos redução forte na queda. Não podemos precisar, mas ou vai virar ou ficar perto disso”, afirma, acrescentando que os hiper da marca estão crescendo.
Dona do maior parque de lojas de cash & carry do País, o Carrefour tem nos supermercados um grande desafio. “A companhia nunca conseguiu montar uma rede de destaque no formato”, acredita Assis, da Brasil Plural. Nos últimos anos, entretanto, a varejista correu para tirar o atraso em relação ao maior concorrente. Segundo o analista, há algumas iniciativas interessantes, mas nenhuma que cubra, por exemplo, o segmento da bandeira Pão de Açúcar. “O Carrefour lançou o Market, no final do ano passado, mas o posicionamento é outro”, afirma Assis. “Trata-se de uma loja de proximidade, cuja política de precificação é ser igual ao Dia% ou 10% abaixo do próprio Pão de Açúcar”, explica. E acrescenta: “Mas fiquei bem impressionado com a operação. A unidade que visitei tem uma boa iluminação, sortimento adequado, porém reduzido em relação à bandeira Pão, e um preço bom”.
Rodrigo Catani, head de eficiência operacional da AGR, também vê como necessária e positiva a entrada do Carrefour no segmento de proximidade. “O modelo Express tem sido muito bem-sucedido. Acredito que a expansão só não avance de forma mais agressiva pela falta de bons pontos”, afirma o especialista. Para ele, o modelo é mais bem resolvido do que as bandeiras Minuto Pão de Açúcar e o Minimercado Extra. “Acho que o fato de o GPA atuar com mais marcas acaba confundindo o consumidor, que não entende muito bem o que é diferente na proposta de cada uma”, explica Catani. Já o Express, diz o consultor, conta com boas equipes multifuncionais, logística de reposição bem ajustada e sortimento assertivo. “O Carrefour entendeu muito bem que, nessas lojas, o mix não deve ser um espelho menos abrangente de um supermercado. Ao contrário, o cliente dessas unidades têm necessidades diferentes. Muitas vezes ele está perto do trabalho ou voltando para casa, o que indica a necessidade de ter uma boa área de grab and go, ou seja, alimentos prontos para as diferentes refeições do dia”, analisa o head da AGR.
Outro canal em que a empresa ingressou com atraso foi o e-commerce. Mas, segundo Noël Prioux, diretor-presidente do Carrefour Brasil, em teleconferência com analistas de mercado em maio, a evolução está sendo rápida. “Já temos o dobro de GMV vendido online no primeiro trimestre em comparação ao mesmo trimestre do ano anterior”, disse o executivo. GMV ou Gross Merchandise Value é uma métrica importante para as vendas virtuais, que mede o valor das mercadorias movimentadas dentro da plataforma. Já o volume de pedidos de alimentos online cresceu 10 vezes no comércio eletrônico da varejista. A cobertura foi ampliada neste ano para novos municípios da Grande São Paulo.
À SM, o Carrefour declarou que a omnicanalidade, ao lado da transformação digital, é uma das prioridades do Grupo e uma importante diretriz do Carrefour 2022, plano de desenvolvimento global definido pela companhia. Mundialmente, estão sendo destinados 2,8 bilhões de euros em cinco anos para essa finalidade. No Brasil, a ideia é acelerar a expansão da operação, intensificando a estratégia de atuar em diversos canais. Por isso, a companhia afirma que está investindo em todos os segmentos em que atua, com abertura de lojas e implementação de novos serviços. Só em 2018, será aplicado R$ 1,8 bilhão na inauguração de 50 unidades: 20 Carrefour Express, 10 Market e 20 Atacadão.
Fonte: Supermercado Moderno