Por Caetano Tonet, Guilherme Pimenta, Vandson Lima e Cynthia Malta | Sérgio Rial, que comandou o banco Santander no Brasil e ficou por dez dias no posto de CEO da Americanas, compareceu ontem à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado para explicar as “inconsistências contábeis” que o levaram a informar um rombo contábil de R$ 20 bilhões na varejista. Rial apontou falhas no processo de transição da presidência da companhia, definiu o antecessor, Miguel Gutierrez, como um “CEO centralizador” que controlava as informações e criticou a falta de acesso aos resultados de 2022. “As informações eram muito bem controladas por ele”, disse.
O processo de transição, contou Rial, foi iniciado em setembro. Mas afirmou que não teve acesso a informações da gestão de Gutierrez, que trabalhou 30 anos na Americanas, sendo 20 no comando. Rial acusou o então CEO de tê-lo impedido de participar de uma reunião na qual os resultados de 2022 seriam apresentados. “E eu, obviamente, estava tentando entender o que seria esse ano, que seria a base para poder projetar um orçamento para 2023. Há uma reunião organizada pelo ex-presidente, em que ele pede que eu não participe do fechamento desse ano. Pouco comum essa atitude. Não participo”, disse o ex-CEO.
Segundo Rial, dia 27 de dezembro Gutierrez convocou uma reunião com o presidente do conselho da Americanas. Foi uma reunião densa, na qual o então CEO apresentou seu legado. Nessa reunião, Rial não percebeu nenhum sinal de que poderiam haver “inconsistências contábeis” na varejista. No dia 3 de janeiro um diretor da varejista, contou Rial, lhe diz que ele não havia entendido completamente a reunião e no dia 4 dois diretores lhe chama a atenção para o que seriam as “inconsistências”.
“Dado o crescimento das vendas digitais, ficou muito difícil só ter financiamento com fornecedores. Os bancos entram na estrutura de financiamento da empresa. Se entram, é dívida bancária”, disse Rial, que confirmaria as suspeitas na semana seguinte. O executivo se refere à operação de risco sacado, por meio da qual o fornecedor conseguia antecipar, junto a um banco, o pagamento que a varejista faria mais adiante. A operação é corriqueira no varejo – a questão é que ela não estava sendo lançada como dívida nos balanços da Americanas, por vários anos. Daí o rombo de R$ 20 bilhões.
Rial disse que foi ao Banco Central (BC) e constatou que a dívida existia. No dia 10 de janeiro, contou, ocorreu uma reunião com a auditora PwC que segundo ele ficou “chocada” com a revelação. A PwC foi convidada a participar da sessão na CAE, mas preferiu não comparecer. Foi então que o executivo tomou a inciativa de tornar público o rombo, em 11 de janeiro, e deixar o comando da varejista: “Tomamos a decisão de mencionar a ordem de R$ 20 bilhões no fato relevante, quando apresentei minha renúncia.”
Com a crise bilionária na rua, abriram-se negociações com os principais credores, os bancos, com Rial à frente, representando os maiores acionistas da varejista Marcel Telles, Carlos Alberto Sicupira e Jorge Paulo Lemann. Sem acordo, os bancos fecharam a torneira do crédito e abriram ações contra a varejista, alegando até suspeita de fraude. Os fornecedores passaram a abastecer a varejista apenas se esta pagasse o produto à vista. Em poucos dias, a companhia pediu proteção contra os credores, alegando dívidas superiores a R$ 40 bilhões. Em 19 de janeiro a Justiça aceitou o pedido.
Rial isentou Marcel, Sicupira e Lemann. “Os sócios se mostraram absolutamente surpresos e não tiveram nenhuma outra ação naquele momento senão a tentativa, primeiro, de revelar a verdade”. Os empresários garantem credibilidade a empresa, disse.
O clima esquentou quando o senador Carlos Portinho (PL-RJ), questionou o executivo a respeito de um contrato assinado em maio de 2022 para prestar consultoria à varejista. Rial explicou que o documento assinado em maio era referente à forma como ele seria remunerado ao assumir a presidência da Americanas. O contrato para a consultoria, segundo o executivo, foi assinado em setembro para o período de transição.
O atual presidente da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, disse aos senadores que a empresa está fazendo de tudo para continuar operando, com foco na manutenção dos empregos e nas questões tributárias. Perguntado sobre a suspeita de fraude na empresa, respondeu que, apesar dos indícios, é preciso aguardar o resultado da investigação do comitê independente: “Eles precisam de um tempo para chegar às conclusões. Por mais que a leitura pareça indicar fraude, eles precisam terminar o trabalho.”
O presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Isaac Sidney, disse aos senadores que o caso da Americanas é isolado e não representa risco de crédito no sistema financeiro. Em relação ao rombo de R$ 20 bilhões, disse que, após a revelação do caso, foi identificado que a contabilidade da varejista “não refletia todas as suas obrigações e passivos, vindo a se descobrir, depois, um enorme rombo patrimonial”. Também afirmou que “não cabe aos bancos fiscalizar o balanço da Americanas”.
Fonte: Valor Econômico