Unir forças e atrair mais público para os seus estabelecimentos são os objetivos de empresários que abrem espaço em suas lojas para abrigar negócios de outros segmentos, dando origem aos negócios híbridos.
“Compartilhar o espaço e atrair mais de um público para o mesmo local é uma alternativa para reduzir custos e para, em conjunto, realizar ações de comunicação. São iniciativas interessantes e remetem ao lema: juntos somos mais fortes”, diz o sócio-diretor da consultoria iSetor e professor da ESPM, Marcus Nakagawa.
A loja conceito Pair, que vende roupas somente nas cores preto e branco, adotou essa estratégia e passou a dividir espaço com a galeria de arte 55SP.
“Eu realizava apenas exposições virtuais até Carla Ribeiro, proprietária da Pair, abrir espaço para que eu efetuasse uma exposição. Depois dessa experiência, viramos parceiras. Desde agosto do ano passado compartilhamos o mesmo ponto”, conta Julia Morelli. Segundo ela, a loja tem um estilo que comporta arte na parede. “Queria ter uma galeria física, mas não no estilo cubo branco tradicional. Como as nossas propostas de curadoria são semelhantes, resolvemos somar os negócios.”
Carla afirma que elas gostam muito do Centro da cidade e desejam atrair mais público para o bairro no qual a Pair está instalada. “Santa Cecília mistura negócios de moda, arte, designer, decoração, gastronomia, bancas especializadas em séries etc. É um bairro no qual é possível passar o dia conhecendo as lojas e provando pratos e petiscos dos espaços gastronômicos.” Julia diz que elas também promovem eventos musicais. “Nessas ocasiões, o público ocupa o espaço externo da loja.”
Elas consideram que a experiência está sendo bem sucedida. “Agregamos uma para a outra. Juntamos nossos mailings e enviamos convites para os dois públicos quando fazemos exposições e lançamentos. Dessa forma, obtive aumento considerável no número de frequentadores da loja”, afirma Carla. Segundo ela, o crescimento do negócio ocorre de forma gradativa e contínua. “Pretendo reformar o espaço para oferecer um local de maior destaque à galeria. Também tenho planos de trazer alguém para operar um café no local.”
Na região do Baixo Augusta, a arquiteta Anna Gadelha e o artista plástico Edgar Camargo também apostam nesse estilo de empreendedorismo.
Diversificado. Anna é dona da Galeria Recorte que une salão especializado em corte e tintura de cabelo, espaço para exposição de obras feitas a partir de colagem e um café que serve pratos sofisticados, incluindo cardápio vegano. “Essa é a única galeria em São Paulo que é especializada em obras que utilizam a técnica de colagem”, afirma.
Ela entrou como sócia no salão no final de 2014, já com a ideia de modificar a proposta do negócio. “Queria aproveitar o ambiente para abrigar outros serviços, pois a área é grande e era mal aproveitada. Primeiro, implantei a galeria. Depois, vi outra oportunidade pelo fato de alguns clientes passarem várias horas no salão, e abri espaço para o café, que oferece produtos orgânicos.”
Com as mudanças, a empresária diz que o público passou a ser três vezes maior. “A mistura dos três negócios está dando certo. Temos um público cruzado. Quem vem ver uma exposição acaba ficando interessado em cortar o cabelo. Já o público do salão percebeu que é possível comprar uma obra de arte. Quanto ao café, todos que transitam no local consomem algum produto, e quem passa na rua e vê a placa informando que temos o café, acaba entrando e se interessando pelos demais serviços”, diz.
Na True Love Tattoo, de Edgar Camargo, o espaço para exposição de obras de arte também está garantido. “Temos uma parede grande na entrada da loja que é destinada às exposições. Mas o carro-chefe da casa é a tatuagem”, conta.
No local, também estão em atividade um café e o ateliê de costura de Alex Rhonda. “O Alex produz roupas voltadas para o público da noite. Ele integra o grupo de organizadores da festa alternativa de música eletrônica Capslock”, conta.
O desejo do empresário de compartilhar o espaço não para por aí. “Agora, estou detalhando o projeto que prevê a inclusão, ainda neste ano, de uma área voltada à estética masculina. Quero instalar três cadeiras e manter no local três profissionais que farão corte de cabelo e barba. Eles deverão pagar um valor fixo pelo uso do espaço e ficarão 0 com o lucro dos serviços.”
Segundo ele, independentemente da crise, a vantagem de criar um coletivo é, principalmente, pelo intercâmbio de clientes que acaba ocorrendo. “Acho que este é o aspecto mais legal da proposta.” Camargo também produz arte com papelão reciclado e já realizou exposições em Londres e Amsterdã.
O empresário conta que a ideia de criar esse mix de produtos também tem o objetivo de trabalharem juntos, unindo forças. “Dessa forma, todos ganham e podem pagar as suas contas e impostos em dia. O aluguel do ponto fica por minha conta. Mas tenho parceria com todos eles, que me repassam um pequeno porcentual do que comercializam”, explica.
Origem. Antes de ocupar o endereço atual, na Rua Augusta, a True Love Tattoo estava instalada em uma casa de vila, na Bela Vista. Lá, o empresário já compartilhava o espaço com novos chefs, que realizavam eventos no local. “Também recebíamos bandas nacionais e internacionais para shows e realizávamos exposições bimestrais.”
Segundo ele, a mudança foi necessária devido a crise. “Para atrair mais público, resolvi mudar para um ponto com mais visibilidade, situado em uma área comercial.”
Nakagawa avalia que a estratégia de dividir o espaço físico de um ponto comercial com empreendedores que atuam em diferentes segmentos é uma boa alternativa para reduzir custos e atrair mais público.
“Porém, como seres humanos que somos, ao trabalharmos em conjunto podemos ter divergências. Para evitar atritos é preciso saber lidar bem com a diversidade e com o outro, atitude que muitas vezes as pessoas não sabem ter”, alerta.
Segundo ele, trabalhar agregado também pode ser uma forma de obter novas ideias, além de ter alguém para repartir as dores e as dúvidas da atividade empreendedora.
Acostumado a atuar com mix de negócios, o dono da Central Caos e do Armazém Alvares Tibiriçá, José Tibiriçá Martins, trocou a Rua Augusta, onde comandava o Caos Bar & Antiguidades, por Santa Cecília.
“Há oito anos já fazíamos essa divisão de espaço para reduzir os custos. Durante o dia, funcionava a loja de antiguidades e à noite, o bar”, conta.
Atualmente, a Central Caos abriga bar, loja de móveis, antiguidades, coleções para venda e locação, oficina do letrista Samuel Lenzi e estúdio de tatuagem. Na mesma região, ele também mantém o Armazém Alvares Tibiriçá, que conta com loja de tatuagem, barbearia, bar, restaurante e café.
Tibira, como é chamado, conta que também loca a Central Caos para a realização de fotos, filmes e eventos. “É uma boa opção para aumentar a receita e reduzir os custos.”
Segundo a sócia da Galeria Recorte, essa estratégia é tão eficiente que mesmo com a crise que assola o País o negócio que une salão de corte e tintura de cabelo, galeria de arte e café vegano, não houve necessidade de corte de pessoal. “Temos 16 pessoas trabalhando aqui. A manutenção desses postos de trabalho foi possível porque, mesmo com os clientes retornando em intervalo de tempo maior, conquistamos novo público, compensando esse intervalo.”
A empresária afirma que sempre desejou ter um negócio. Pesquisando, viu que o salão tinha bom retorno financeiro e espaço para crescer. “Também sou artista plástica e quando iniciei a sociedade, em 2014, pensei em uma forma de agregar outras atividades.”
Com a reestruturação que implementou no negócio, o salão deixou de oferecer serviços de estética e manicure. “Focamos no cabelo, porque atendemos muitas pessoas que usam cabelos coloridos, sofisticados e modernos. Também mudamos a equipe e contratamos cabeleireiros com mais de dez anos de experiência e formação em visagismo. Eles cuidam do visual dos clientes por completo, de acordo com o que a pessoa é e gosta”, afirma.
Com a mudança na identidade do salão e o reposicionamento da marca, o local passou a atrair clientes com os mais variados perfis, desde o mais clássico até os jovens.
Anna diz que o local realiza eventos semana sim, semana não. “São atividades promovidas pela galeria ou pelo salão. Também efetuamos ações de apoio a diversas causas como ciclismo, homofobia, mulher e projetos sociais.”
Ela diz que essas causas sensibilizam muitas pessoas. “Isso traz outro público para o local e fortalece a marca. É muito legal receber essas atividades, porque todos que trabalham aqui são engajadas e sempre têm novas ideias para propor.”
Fonte: Estadão