Ao pensar na recuperação pós-pandemia, empresário diz que País precisa pensar com cabeça ‘do século 21’; Leal participou da série de entrevistas ‘Retomada Verde’, do ‘Estadão’
Se a crise de credibilidade da política ambiental brasileira trouxe algo de positivo foi a mobilização do setor privado em torno da questão da sustentabilidade. Para o empresário Guilherme Leal, um dos fundadores e copresidente da Natura, essa posição do setor produtivo finalmente está ficando mais clara – ainda que tenha se materializado com certo atraso.
“Existe uma necessidade de um investimento público e privado em ciência e tecnologia, na revelação do que está contido na riqueza da biodiversidade. O setor privado não esteve suficientemente envolvido até hoje, vamos ser francos.” Leal participou nesta terça-feira, 18, da série de entrevistas ao vivo Retomada Verde, do Estadão.
Em um momento em que a destruição da Amazônia não para de crescer, cabe aos empresários, segundo Leal, mostrar que a preservação e do uso inteligente dos recursos naturais são os melhores caminhos para o desenvolvimento do País. Ele acredita que é possível unir preservação e desenvolvimento.
“Toda vez que me perguntam ‘qual o custo de ser sustentável?’, não sei responder. Só sei dizer os benefícios de ser consistentemente sustentável. Isso permite que a sustentabilidade econômica também se consolide de maneira bastante forte.”
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Empresários e banqueiros se uniram para cobrar do governo ações ambientais. Por que chegamos a esse ponto?
É a força da ideia cujo tempo chegou. No mundo, mais e mais se discute a necessidade de se evoluir nesse caminho. Não há país que tenha ficado alheio à pandemia. O nacionalismo exacerbado não funciona mais. Temos uma interdependência de países e sociedade, que precisam atuar conjuntamente. Existem preocupações com a reputação que o Brasil vem perdendo lá fora, mas acho que é um acúmulo maior, que foi exacerbado pela pandemia.
O governo Bolsonaro tem sido criticado pela agenda ambiental, e em especial a figura do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. A crise atual ajudou o setor privado a intervir mais?
Conseguimos reduzir uma taxa de desmatamento muito mais elevada lá atrás, em 2004 ou 2005. Chegamos a 28 mil km² de desmatamento e reduzimos para 4 ou 5 mil km² por ano. Isso não significa que tenhamos sido competentes na construção de uma visão para a Amazônia e para nossos recursos naturais, mas significa que sabemos reduzir o desmatamento. Quando um governo se articula, consegue. Nesse aspecto, este não é um momento feliz. As taxas de desmatamento vêm crescendo desde 2012. Ano passado e este ano prometem ter um crescimento relevante. Isso traz uma noção de urgência. Portanto, isso contribui para uma participação mais efetiva. É o lado bom da história. Nesse aspecto, a crise ajuda. Precisamos saber como combater o desmatamento, e também ser capazes de um grande entendimento nacional para lidar com o desafio que tem a dimensão da Amazônia, que é gigantesca.
Como o setor privado pode colaborar com a agenda sustentável?
Só políticas governamentais não darão conta do recado. Existe uma necessidade de investimento público e privado em ciência e tecnologia, em revelação que está contido na riqueza da biodiversidade. A mineração sustentável pode e deve ser geradora de riqueza e prosperidade, mas isso é atividade privada. Na verdade, é o setor privado que gera riqueza. O Estado arrecada e tenta redistribuir e propiciar uma condição de vida minimamente decente. O setor privado não esteve suficientemente envolvido até hoje, vamos ser francos.
Mas o governo tem o poder de polícia, só ele pode prender quem desmata. Se o Estado não se impõe, a sensação de impunidade não domina?
Não acredito que nenhum nenhum setor isoladamente seja capaz de promover a mudança. Todos os agentes são fundamentais. Quanto à postura do governo atual sobre o desmatamento, eu usaria as palavras de Mourão. Os resultados precisam ser mostrados para a sociedade e comunidade internacional. Ninguém vai acabar com o desmatamento amanhã, mas precisa mostrar que há uma inversão de tendências, senão a pressão vai continuar muito forte.
Como os estrangeiros podem ter boa vontade com o Brasil novamente?
Ao mesmo tempo em que enfrentamos a pior pandemia, nunca tivemos tanta chance de criar uma prosperidade compartilhada. Isso depende do envolvimento de todos os setores. Não é à toa que começou a se falar de ESG (critérios ambientais, sociais e de governança), porque há uma percepção dos investidores de que, para a segurança dos seus investimentos de longo prazo, esses fatores precisam ser levados em conta. O Brasil talvez seja o (país) com maior possibilidade de associar uma potência ambiental prestadora de serviços e a oferta de alimentos para a população mundial. Se soubermos combinar essas duas coisas, temos um futuro promissor e seremos queridinhos dos investimentos internacionais.
As marcas da Natura são bem ligadas à questão ambiental. Ter o discurso unificado de ESG ajuda a empresa no mercado internacional?
Não tenho dúvida de que esse comportamento de 50 anos tem nos ajudado muito. Temos tido reputação no Brasil e no exterior que nos deixa satisfeitos e nos abre portas. Hoje em dia, talento continua fazendo mais diferença do que nunca. Os talentos não querem trabalhar em companhias cujo objetivo é ser a maior ou a primeira do mundo. Esta reputação nos permite atrair talentos e nos relacionar com investidores de longo prazo, que não cobram só o trimestre. Toda vez que me perguntam ‘qual o custo de ser sustentável?’, não sei responder. Só sei dizer os benefícios de ser consistentemente sustentável. Isso permite que a sustentabilidade econômica também se consolide de maneira bastante forte.
As companhias estão preparadas para incorporar os critérios de ambientais, sociais e de governança a seus projetos de expansão?
As companhias não acordaram boazinhas e vão mudar de comportamento. Elas mudam, lidando com a realidade. As companhias estão incorporando essas preocupações diante dessas novas pressões, que são saudáveis, que o mercado e os governos vêm trazendo. Não acho que vá mudar do dia para noite e que todos os dirigentes serão os paladinos da transformação, mas o grupo genuinamente envolvido é crescente e vai fazer muita diferença no processo evolutivo.
A polarização é muito grande. E na questão ambiental não é diferente A gente precisa apaziguar o clima do Brasil para que o debate sobre ESG vá para frente?
Sem dúvida. Sou defensor do diálogo. Transformações não ocorrem isoladamente. É no debate de ideias que a gente evolui. Precisamos seguir alguns preceitos básicos de respeito, de capacidade de ouvir o outro antes de sair desqualificando quem pensa diferente de você. Participamos da construção de uma coalizão Brasil, falando de clima, floresta e agricultura. É óbvio que não existe consenso na maior parte dos pontos, mas o diálogo se estabelece. O Congresso tem uma oportunidade única para avançar nessa temática da diversidade, trazendo representação dos diversos segmentos da sociedade. O ambientalismo não é mais pauta de quem quer conservar o ambiente isoladamente. Ele tem que ser visto pelos brasileiros como uma grande oportunidade de desenvolvimento de qualidade para todos nós. Sabemos que o Brasil é o país do futuro, mas queremos que esse futuro chegue logo. Acredito que esse futuro esteja ligado à nossa capacidade de convergir produção e conservação.
O senhor saiu como candidato a vice-presidente da candidata Marina Silva em 2010. Qual sua disposição hoje de se envolver na política?
A disposição é zero. Meu gesto foi mais simbólico do que de fato achar que iríamos vencer a eleição. Mas o objetivo era o mesmo de hoje: colocar na agenda que existe uma pauta que una produção e conservação, que é algo único do Brasil. Cabe a nós transformar esse potencial em um diferencial competitivo. Falávamos lá atrás que patrimônio natural e educação poderiam gerar uma riqueza sustentável. Eu continuo na mesma pegada que me levou a participar naquele momento. Precisamos de empresas atuantes, mas precisamos de um Estado eficiente para produzir políticas públicas de qualidade. Estou envolvido com a construção de uma rede de lideranças políticas sem objetivo eleitoral, que procura trazer lideranças para o diálogo em cima de sustentabilidade. É informando novas lideranças políticas, empresariais e sociais que a gente vai produzir uma transformação efetiva.
Recentemente, a Natura trouxe Thammy na propaganda de Dia dos Pais. Questões sociais como esta também são vistas como parte do programa ESG da Natura?
Firmamos com muita clareza nosso valores em 1992. Entendemos que sustentabilidade não se trata só de ambiente, mas de prosperidade compartilhada, de qualidade de vida e oportunidade para todos. Não adianta querer cercar a floresta enquanto grande parte dos brasileiros não tem saneamento, escola de qualidade. A diversidade é um valor central e que faz parte do nosso grande conceito de sustentabilidade. Quando expressamos essa crença, não é para chocar nem ser oportunista, mas dizer que é nisso que acreditamos.
Estamos em um momento crítico da economia. Quais são os passos para a reconstrução?
A vida é prioritária. Os efeitos econômicos são mal distribuídos, e a desigualdade se mostrou com todas as suas cores. A recuperação exige ajuste de políticas sociais, que garantam um colchão mínimo de subsistência das pessoas enquanto a economia reage. Mas não podemos achar que inventamos a maneira de ter gastos sustentáveis infinitos ao longo do tempo. Temos reformas importantes que devem acontecer. Esperamos que a reforma tributária consiga evoluir. A gente não pode só simplificar os tributos. A questão redistributiva e a questão sustentável deveriam ser incluídas como vetores a repensar o sistema tributário.
Ou seja: podemos construir uma economia a partir de bases mais sustentáveis?
O Brasil já tem uma matriz energética muito mais limpa em comparação com outros países, mas ainda pode evoluir muitíssimo. Temos um gap de infraestrutura crônico que pode atrair investimentos para construir uma infraestrutura verde. É uma oportunidade de construirmos uma economia de baixa emissão de carbono. Uma usina a carvão demora entre 30 e 50 anos para ser amortizado. Se hoje tomamos uma decisão de investimento dessa natureza, vai nos pesar durante 30, 40 ou 50 anos. Não podemos desperdiçar o endereçamento de soluções que não incorporem essa visão do século 21. Não dá para construir usina geradora do século 17 no século 21. Temos que ter esse compromisso para construir uma realidade diferente.
Fonte: Estadão