Com a inauguração de sua segunda loja física na semana passada, a Natura dá continuidade ao movimento de diversificar seus canais de venda para tentar se reaproximar das consumidoras. A empresa, a maior fabricante de cosméticos do Brasil, tem registrado queda no lucro líquido anual desde 2013. Entre janeiro e março deste ano, a companhia teve prejuízo líquido de R$ 69,1 milhões, o primeiro resultado negativo desde que a empresa abriu capital, em 2004. No segundo trimestre, a marca voltou a obter resultado positivo, de R$ 90,9 milhões, mas ainda 22% abaixo do registrado em igual período do ano passado. Com várias iniciativas no sentido de modernizar a marca, a Natura tenta encontrar um caminho para retomar o crescimento no país.
Segundo João Paulo Ferreira, vice-presidente comercial da Natura, as vendas na primeira loja física, no Shopping Morumbi, em São Paulo, estão superando as expectativas, e a companhia segue otimista quanto à abertura do segundo ponto de vendas, no Shopping Villa Lobos, também em São Paulo. “Estamos bastante felizes com a iniciativa, que tem nos mostrado o carinho das consumidoras pela nossa marca”, diz. Um dos objetivos das lojas físicas é chamar a atenção de um público que havia se distanciado da marca, as mulheres urbanas entre 20 e 45 anos.
“Muitas consumidoras que haviam se distanciado da marca a reencontraram e se mostram felizes, muitas comentam ‘que bacana, aqui tem Natura’”. Ferreira diz que as lojas físicas da marca restauram o “encantamento” pela marca. “Sem dúvida, modernizar [a marca] é um dos grandes objetivos, além de fazer com que ela volte a se aproximar de todos os públicos”, afirma.
O resultado, segundo indicam as pesquisas da companhia, é que muitas vezes os compradores das lojas físicas acabam adquirindo produtos com consultoras em outras ocasiões. De acordo com o vice-presidente comercial, esse é, inclusive, um dos objetivos das lojas físicas. “Os novos canais de venda têm um papel importante para que a marca esteja presente em momentos de compra diferentes e para compradores diferentes, mas eles todos se completam, e nós realmente acreditamos que todos eles jogam a favor da venda direta”.
Até o fim do ano, a Natura espera ter cinco lojas físicas operando – segundo Ferreira, todas em São Paulo. “Isso sempre depende de alguma negociação comercial, mas devemos terminar o ano com cerca de cinco lojas”, diz. Inicialmente, quando abriu a primeira loja, a marca falava em dez lojas até o fim de 2016. O vice-presidente, contudo, ressaltou que “não houve nenhuma redução intencional, foi só por conta das circunstâncias [econômicas]”, e afirmou que a empresa priorizou a qualidade sobre a velocidade. “A gente tem a ambição de crescer nesse canal de varejo, mas o que define basicamente a velocidade é o rigor que a gente quer ter nessa experiência, para que fortaleça a marca e a aproxime das consumidoras”. “Esse canal é importante como negócio, mas acima de tudo como gerador de audiência para nossa marca, para nos reconectarmos às consumidoras. Portanto, a gente quer garantir que isso seja bem feito”, afirma o executivo.
No rol dos novos canais de venda, está também o e-commerce da marca e as vendas em farmácia da linha SOU. No comércio eletrônico, as vendas cresceram na casa dos dois dígitos no segundo trimestre de 2016, alcançando a marca de 950 mil consumidores cadastrados. Segundo Ferreira, o crescimento no segmento online é “aceleradíssimo”, e a expectativa é que as vendas continuem aumentando. Além disso, “é um canal de conveniência”, diz ele, no qual produtos de uso recorrente tem um bom desempenho, como itens de higiene pessoal e linhas de tratamento para o rosto, por exemplo. Ao contrário das lojas físicas, por exemplo, onde as linhas de maior sucesso são aquelas que dependem de experimentação – como maquiagens.
Já em farmácias o foco é a comodidade e a proximidade com os consumidores. “Os resultados são muito bons, estamos felizes com SOU nas farmácias, tanto que expandimos nossa presença nacionalmente com a nossa parceira Raia Drogasil a partir do mês de julho”, afirma o vice-presidente comercial. Por enquanto, apenas a linha SOU está nas farmácias. “Fundamentalmente, o canal farma tem bons resultados para a categoria de produtos de uso continuado, por isso escolhemos SOU”, afirma Ferreira.
O objetivo no curto prazo, segundo ele, ainda é expandir a presença dessa linha nas farmácias de todo o país, mas há a possibilidade também de “identificar uma ou outra linha de produtos que se encaixe no perfil das compradoras de farmácia também”.
Sobre o resultado dos novos canais de venda, o vice-presidente comercial diz que a empresa está otimista. “Acredito que falar em achar um caminho é muito pretensioso, estamos no meio da jornada, mas eu acho que é justo dizer que nós reconfirmamos as nossas escolhas para promover essa marca e essa empresa para os próximos 10 ou 20 anos”.
Foco segue na venda direta
Apesar de investir em novos canais, João Paulo Ferreira afirma que o foco da Natura segue na venda dos produtos por meio da venda direta, fonte da maior parte da receita da companhia. Ela não divulga a representatividade dos novos canais. “Os outros canais vão crescer e ocupar seu lugar. Eles ajudam a venda direta, então é bom que cresçam também, mas nossa principal escolha segue sendo a venda direta”, afirma Ferreira. Segundo ele, as novas plataformas não tomam o espaço da venda direta, mas a complementam e fortalecem. Na divulgação de resultados referente ao segundo trimestre deste ano, a empresa indicou que o número de consultoras permaneceu estável e foi “foi negativamente impactado pela diminuição da atividade do canal”. Contudo, o documento ressalta que a produtividade média das consultoras “apresentou melhora em relação ao ano passado”.
O vice-presidente comercial disse que a expectativa é de um crescimento moderado, com aumento de produtividade. Para incentivar esse aumento de produtividade, a Natura tem investido em modernizar a venda direta, “para que nossas consultoras possam voltar a oferecer experiências agradáveis e prazerosas para as consumidoras”.
Nesse sentido, a marca passou a fornecer instrumentos digitais de venda às consultoras, que permitem a elas acessar informações sobre os produtos rapidamente, além de facilitar a obtenção de máquinas para pagamento com cartão de débito e crédito. Outra iniciativa foi o desenvolvimento de um aplicativo para que as consultoras possam fazer seus pedidos.
Em outra frente, a Natura tem investido na capacitação e qualificação das consultoras. “Relançamos a linha Chronos, que valoriza o trabalho da consultora. É um tipo de produto em que a consultora faz muita diferença. Ela está ali, pode entender a necessidade da consumidora e fazer uma boa recomendação – isso faz com que ela venda mais e mais frequentemente”, afirma Ferreira.
O que pensam os analistas
Os analistas, nesse cenário, mostram-se otimistas quanto aos novos canais de vendas, mas ressaltam que a maior parte da receita ainda vem das vendas diretas. Em relatório, Alexander Robarts e Marcelo Inoue, do Citibank, afirmam: “Não esperamos que as vendas online, em farmácias ou nas lojas, combinadas, superem 5% do total de vendas no Brasil”. Já os analistas Guilherme Assis e Felipe Cassimiro, que assinam relatório do Brasil Plural, escrevem que “apesar de estarmos felizes com o avanço da estratégia de diversificação dos canais de vendas, com a abertura da primeira loja física e o início das vendas em farmácias, ainda acreditamos que está longe de dar frutos”.
Os analistas apontam como ponto positivo, contudo, a recuperação de produtividade dos consultores no segundo trimestre do ano, que aumentou 1,2% ante igual intervalo de 2015, após oito trimestres consecutivos de queda. Robarts e Inoue, do Citibank, afirmam que houve a interrupção da queda nas vendas por consultor antes do esperado no Brasil.
Sobre o resultado do segundo trimestre deste ano, os analistas Thiago Macruz, Ruben Couto e Marco Calvi, do Itaú BBA, destacam, em relatório, que a receita bruta das operações no Brasil voltou a crescer, mesmo que apenas 1,2% na comparação com igual período do ano passado, após seis trimestres consecutivos de perdas. Segundo eles, isso foi devido, em grande parte, ao aumento da produtividade dos consultores. “Uma recuperação notável em relação à queda de 9,5% no primeiro trimestre de 2016 e à retração de 3,6% no segundo trimestre de 2015”, escreveram os analistas.
Guilherme Assis e Felipe Cassimiro, do Brasil Plural, avaliam que “as iniciativas da Natura de engajar sua base de consultores e de atrair os cautelosos consumidores brasileiros estão começando a dar resultados e a parar a erosão da participação de mercado”. Segundo relatório do Brasil Plural, essas iniciativas, combinadas ao controle de custos, renderam à empresa resultados melhores que o esperado no trimestre.
Contudo, os analistas do Citibank apontam que ainda estão “cautelosos a respeito da durabilidade da tendência [de estabilização da produtividade] no curto prazo e da expectativa de margens ainda estreitas no 2º semestre de 2016”. Na avaliação de Robarts e Inoue, a produtividade dos consultores deve permanecer estável no ano que vem.