Em um cenário de crise política que envolve o governo e o meio ambiente, e ainda a escalada da pandemia de covid-19, a Natura &Co, que atua no mercado de beleza, anunciou ontem um plano de sustentabilidade, com investimento de US$ 800 milhões ou mais, ao longo dos próximos dez anos. Segundo Roberto Marques, presidente-executivo do conselho e CEO da Natura &Co, a economia circular e a regeneração até 2030 fazem parte das metas do grupo, que representa, além da própria Natura, a Avon, The Body Shop e Aesop.
“A Natura &Co, especialmente a Natura, já vem fazendo investimentos importantes. Agora, são 20% a mais e em dez anos”, disse Marques. O executivo destacou aumento, de até US$ 600 milhões, em aportes para causas como o câncer de mama, a violência doméstica e educação.
O plano busca intensificar ações globais, como a crise climática e a proteção da Amazônia, a defesa dos direitos humanos e a garantia de paridade e igualdade salarial entre homens e mulheres até 2023, e inclusão em toda a sua rede.
Marques disse ao Valor que haverá atores diferentes trabalhando em conjunto no projeto, mas que o investimento agora é só do grupo, com aportes das quatro marcas. Segundo o executivo, a agenda de sustentabilidade para 2030 vem sendo desenvolvida antes mesmo da compra da então rival Avon – concluída em janeiro deste ano. Com a aquisição, o projeto de sustentabilidade ficou temporariamente suspenso para a incorporação da empresa americana.
O projeto estreita e amplia a aproximação com organizações internacionais. Outras empresas, inclusive competidoras, devem se juntar às causas para encontrar a melhor solução. Marques citou a Unilever, “que tem uma postura forte em sustentabilidade e meio ambiente”, e a Danone.
Sobre os elos com instituições, o grupo visa parcerias com a Science Based Targets (Aliança Baseada na Ciência) para estabelecer uma nova modelagem que preserve a natureza. Essa organização é composta pelo World Wide Fund for Nature (WWF), Carbon Disclosure Project (CDP), World Resources Institute (WRI) e United Nations Global Compact. Marques garante que pretende alcançar a emissão zero de carbono para as suas quatro marcas 20 anos antes do compromisso estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Sobre a participação de cada uma dessas marcas no investimento, Marques explicou que as empresas estão em momentos diferentes em relação à sustentabilidade. A Natura, por exemplo, já é carbono neutro e abre caminho para as irmãs, com o conhecimento que acumulou nos últimos anos, “validando e alinhando principalmente a Avon, que chegou por último”.
De acordo com o índice Standard & Poor’s 500, a demanda de produtos de consumo, como beleza, deve cair 50% neste ano, o que teria levado a Natura &Co a investir em plataformas on-line. Além disso, a agência de classificação de risco Fitch projeta recuo em cerca de 14% para a receita do grupo de beleza neste ano, além de avanço de 4,8 vezes da alavancagem financeira – medida pela relação entre a dívida líquida e o lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização (Ebitda, em inglês).
Questionado sobre os impactos financeiros desse cenário, o CEO disse que o grupo tem muita sinergia com a criação de valor e citou de US$ 300 milhões a US$ 400 milhões só em sinergias com Avon e Natura. “Vamos investir nas marcas e no negócio não só porque é a coisa certa da empresa fazer com a sociedade, mas também pela própria sobrevivência da empresa. Não vai ter negócio em um planeta destruído”, afirmou. “Estamos confiantes, não vemos [o investimento] como custo […], é relevante para um mundo mais sustentável.”
A Natura informa que preserva 1,8 milhão de hectares de terra- área equivalente a metade da Holanda. Seu compromisso é contribuir para a preservação de 3 milhões de hectares até 2030. Sua proposta é fazer esforços coletivos para garantir o desmatamento zero da Amazônia até 2025.
Questionado se tem encontrado dificuldade para conduzir seus projetos, diante da postura do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles – criticados por uma gestão que estaria favorecendo o desmatamento -, o CEO respondeu que o grupo acredita em diálogo, escutar a ciência e que tem “expertise” nessas áreas. “Acredito que encontraremos uma solução. O que for contra preservar a Amazônia e acabar com o desmatamento atrapalha o meio ambiente”, disse.
O trabalho de preservação envolve colaboradores e comunidades. Marques conta que uma comunidade da Amazônia recebia R$ 20 por árvore ucuubeira derrubada para fazer cabo de vassoura. A Natura passou a pagar R$ 70 por metade das sementes geradas por ucuubeira e a outra metade para plantio. As sementes são usadas pela Natura para fórmula em produtos de hidratação. “Podemos juntar o desenvolvimento econômico da sociedade e da Amazônia sem destruir a floresta”, afirmou o executivo.
Fonte: Valor Econômico