Mesmo na recessão, o empresário terá lucro se atingir o coração do cliente, utilizando dados, tecnologia e atendimento humanizado, diz Hugo Bethlem.
A definição de que o lucro é o resultado da subtração de despesas da receita gerada pela empresa, presente nos manuais de finanças, não cabe mais no contexto da crise atual.
O lucro, hoje, é o dinheiro no bolso do consumidor que será canalizado para a loja, graças ao negócio que o comerciante fez. A definição polêmica é de Hugo Bethlem, consultor sênior de varejo da Accenture Brasil, conselheiro do IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo) e cofundador e diretor do Movimento Capitalismo Consciente Brasil.
Com uma experiência de 12 anos no Grupo Pão de Açúcar, Bethlem ministrou uma palestra na Associação Comercial de São Paulo (ACSP) com recomendações para os varejistas enfrentarem a recessão – que já provocou o fechamento de 94,5 mil estabelecimentos comerciais no país no ano passado, dos quais 13,4% foram de pequenas e médias empresas.
O pior é que os indicadores antecedentes de varejo da ACSP e do IDV mostram que não há sinais de melhora em 2016 para os principais indicadores que regem o consumo: emprego, renda,crédito e confiança.
Nesse cenário, vender para o cliente não será fácil, pois ele está economizando para atravessar a crise.
Por isso, Bethlem diz que o varejista precisará sair da zona de conforto, deixando de lado a crença de que o lucro vem da “venda de oportunidade” e agir como sugere o provérbio irlandês: “ouça o som do rio se você quer pegar o peixe”.
Em outras palavras, terá de ir atrás do cliente, mas antes olhar para o próprio negócio e atualizá-lo, considerando que o consumidor é conectado e praticamente um cidadão do mundo com smartphone na mão.
Somente assim encontrará o cliente fiel, que é aquele que gosta e acredita no produto ou serviço que comercializa. Mesmo com menos dinheiro no bolso, ele é mais resiliente na recessão, segundo o consultor.
E isso é um desafio considerando que os brasileiros perderam ganhos econômicos, o equivalente a um retrocesso de dois a cinco anos, voltando aos patamares de 2010 a 2012. Mas nem tudo está perdido.
Segundo Bethlem, esse retrocesso não chegou a mudar o desenho das classes sociais no país. Em outras palavras, as conquistas obtidas por iniciativas de distribuição de renda e de inclusão de pessoas na classe média, de anos anteriores, não foram totalmente perdidas.
Para explicar isso, o consultor diz que a configuração das classes em 2014, era a de um diamante, ou seja, com uma cintura (ou barriga) formada por 105 milhões de pessoas na classe C, com a ponta superior da classe A/B somando 42,2 milhões de pessoas e a inferior, a D/E 47,9 milhões.
Dez anos antes, em 2004, essa distribuição se materializava em uma pirâmide, com 92,9 milhões na classe D, 62,7 milhões na C e 26,4 milhões na A/B. “O formato de diamante não mudou e isso é maravilhoso, só não sabemos se será sustentável”, diz.
Segundo ele, visto de outra forma, esse diamante revela que metade da população brasileira vive com uma renda de R$ 2,2 mil, e por isso está consumindo menos nesse momento de crise e incerteza. Hoje, os 5% mais ricos obtêm uma renda mensal familiar de R$ 10 mil e o 1%, acima de R$ 22 mil.
TODOS CONECTADOS
Com dados do Instituto Data Popular, Bethlem afirmou que o consumidor de classe A tem os hábitos culturais enraizados da classe C, que por sua vez é uma população extremamente conectada.
“Hoje, 62% dos smartphones estão nas mãos das classes C e D porque esse é o acesso mais democrático, barato e rápido de obter informação. Essa é outra mudança em relação à pirâmide social e ao momento econômico que tínhamos em 2004. E isso surge como uma extrema oportunidade para o varejo brasileiro”, afirma.
Assim, o cliente fiel é também aquele que está conectado e que tem amor pelo negócio. “As empresas de sucesso fazem ele gastar e ainda tocam o coração dele. Essa é a empresa que está tendo lucro, porque ela não se interessa só pelo bolso”, diz.
TECNOLOGIA, MAS COM TOQUE HUMANO
Além de vender o que esse consumidor quer comprar, é preciso aplicar um atendimento humanizado. No fundo, aquele atendimento que o comerciante oferecia no balcão no século passado, no qual incluía chamar cada cliente pelo nome, é o que o consumidor deseja até hoje, mas com outra roupagem -ou seja, com tecnologia, mas de forma individualizada.
Na hora H é isso que motiva um cliente a entrar numa loja física ou clicar num site de e-commerce. “Esse atendimento não pode ser substituído. É preciso estar presente na loja física, no site, na TV, nas redes sociais – no tablet e no smartphone”, afirma.
A integração do omnichannel deve ser transformada em uma experiência positiva para o cliente. E isso, reforça Bethlem, é diferente do modelo multicanal, no qual o responsável pela loja física compete com o da virtual, de uma mesma rede de varejo.
CONHEÇA O CLIENTE
Quando se fala em fidelização, logo um método de marketing vem à tona. Mas Bethlem alerta: não há método que funcione se o varejista não conhecer o cliente e suas efetivas necessidades por meio de dados.
Estudo da Accenture mostra que o brasileiro tem propensão gigante a compartilhar dados, desde que não sejam financeiros, em troca de benefícios. “Quanto mais conhecê-los, mais fiéis eles se tornam, e maior é a fatia de mercado que pode conseguir de forma sustentável”, afirma.
Mais importante ainda é conhecer o consumidor da chamada geração Millenium, na faixa de 18 a 35 anos, onde já concentram 30% dos brasileiros. De acordo com Bethlem, são cliente com poder de compra, mas não querem qualquer coisa.
O “que” para ele não é mais suficiente. Ele precisa do “como”, ou seja, do conceito de storytelling, de causas, de viver experiência quando consome. É o consumidor que não entra em loja sem graça e nem em site chato e difícil de navegar. “Muitos nem sabem o que é site, pois interagem em blogs e redes sociais, consumindo o que outras pessoas sugerem”, diz.
OS DADOS SÃO O NOVO PETRÓLEO
Segundo Bethlem, uma maneira de transformar dados em informação está no método dos 4 Rs, da Accenture:
RECONHECER (recognize): Se quer transformar dado em informação para trazer clientes é preciso identificar hábitos, preferências e desejos dos consumidores. Mais do que isso, é falar com o consumidor. É a individualização massificada. Exemplo é enviar um email perguntando ao cliente porque ele saiu depois que ele pesquisou determinado produto em seu site.
LEMBRAR (remember): é trabalhar dados que são ouro nas companhias por meio do CRM (Customer Relationship Management), que permite conhecer como cada consumidor, individualmente, interagiu com o varejista: o que comprou, do que gostou e – principalmente – do que reclamou.
“É o que eu fazia na Casa do Cliente no Pão de Açúcar, que era mais do que um SAC. Com as lojas de Ponto Frio e Casas Bahia eu tive de integrar as informações para o consumidor não ter de relatar novamente o que aconteceu em uma das lojas quando telefonasse ao atendimento por causa de um problema”, diz.
RELACIONAR (relation): é o contexto que altera a forma como o varejista se relaciona com seus clientes. Por isso é preciso saber quando e como abordar cada cliente. É não massificar e sim individualizar.
O consumidor está disposto a ceder informações em troca de benefícios. “Use os mais dispostos e respeite os menos dispostos. Conquiste a confiança deles”, afirma.
RECOMENDAR (recommendation): é o grau mais alto, desafiador e difícil. É fazer alguém que foi impactado positivamente pela experiência a recomendar o seu estabelecimento a outro cliente.
“No mundo inteiro as pessoas aceitam mais a recomendação de estranhos do que a da própria empresa”, diz. É possível estimular recomendações, que são construídas quando as etapas acima acontecem de forma benéfica para os clientes.
DEIXE DE SER UM PREÇO E PASSE A GERAR VALOR
Para se relacionar com o consumidor do futuro, que tem o poder de navegar o mundo, será preciso ser uma empresa do futuro, que é aquela que tem propósito e valores.
“Ter propósito é o sonho do empreendedor, aquele que ele tinha quando abriu o negócio. É preciso voltar a isso. Use esse sonho para inspirar os colaboradores a inovar e entregar serviços de alta qualidade, gerando evoluções sustentáveis em receitas e lucros.”
Empresas assim competem por valor e não apenas pelo preço – que é apenas um dos itens da equação. “Hoje em dia só se foca em preço em detrimento de qualidade. A percepção de valor para o consumidor está definhando.”
Qualidade tem de estar presente em tudo: no produto, no serviço, na loja, no site, no atendimento, na palavra, no crédito.
O consultor disse que o consumidor da classe C, que está com pouco dinheiro, não quer perder conquistas, nem mudar o padrão de vida.
“Ele precisa buscar o menor preço. Na loja, ele não encontra a marca que deseja pelo preço que pode pagar. Ele se frustra e não compra. Ou compra o de menor preço e sente que isso é uma derrota. “Temos de aprender a vender os benefícios dos produtos para que eles não sintam isso”, diz.