Por André Ítalo Rocha | Julio Trajano, sobrinho-neto de Luiza Trajano, a fundadora do Magazine Luiza, foi um adolescente sem tempo para videogames. Começou a trabalhar cedo, aos 14 anos, como vendedor em uma loja do Magalu, e passou a juventude dividido entre os negócios da família e os estudos — e nada de Mega Drive ou Super Nintendo, dois dos consoles que fizeram sucesso na sua época de garoto, entre os anos 1980 e 1990.
Agora, aos 45 anos, está preenchendo essa lacuna. Assim que assumiu, no ano passado, como CEO da Kabum!, o e-commerce de tecnologia e games comprado pela sua família em 2021, ele percebeu que precisava mergulhar no mundo dos gamers para conhecer bem o seu principal público consumidor: passou a ler de tudo sobre o assunto e aprendeu finalmente a jogar.
“Agora estou jogando jogos como League of Legends e Fifa no PlayStation, mas eu sou muito ruim, muito ruim”, contou bem-humorado o executivo a jornalistas em Limeira, no interior de São Paulo, numa visita na quarta-feira à sede da companhia. Ali, todos os funcionários o chamam de Julinho.
Se a cultura da Kabum! deu um start em sua versão gamer, Trajano também está levando para a companhia o DNA de varejo físico da sua família. Depois de inaugurar em abril, em São Paulo, na Marginal Tietê, a primeira loja física da marca, o CEO agora prepara mais duas, também aproveitando o espaço de outros pontos do Magalu, no modelo store in store.
Essa primeira operação funciona como revenda com descontos de produtos devolvidos ao e-commerce, dentro de uma unidade do Magalu. A próxima unidade, de perfil semelhante, será inaugurada em breve no Shopping Aricanduva, na zona leste da capital paulista. Já a terceira, será maior e focada na experiência, com uma arena para clientes assistirem a campeonatos, e deve ter produtos novos. O endereço é o Conjunto Nacional, em parte do espaço da antiga Livraria Cultura, que o grupo dos Trajano assumiu e terá visibilidade para cada marca, incluindo também Netshoes e Época Cosméticos — projeto que sua tia Luiza Helena Trajano, sobrinha da fundadora, está tocando pessoalmente e quer inaugurar ainda este ano.
“Esses dias eu encontrei a Luiza no elevador, em São Paulo, ela levantou a mão para bater com a minha e disse, daquele jeito dela, que ‘até dezembro fica pronto’, mas eu falei ‘Luiza, não vai ficar’, é muito grande”, contou o executivo, que acha que a ambição do projeto é coisa para o primeiro semestre do ano que vem. O espaço total, segundo ele, terá entre 5 mil e 6 mil metros quadrados.
Embora a estrela do complexo no Conjunto Nacional seja o Magalu, Trajano acredita que a localização, na Av. Paulista, será estratégica para aproximar ainda mais a Kabum! do público jovem — é historicamente um ponto de encontro de adolescentes, como os que se reúnem para jogar RPG. “Eu morei na rua Frei Caneca muitos anos e meu passeio de domingo com meus filhos era ir na livraria.”
Trajano está na Kabum! há exatos 18 meses e chegou para substituir, no comando da empresa, os dois irmãos fundadores, Leandro e Thiago Ramos, que foram demitidos depois que uma briga judicial tornou insustentável a permanência da dupla. Eles cobram do Magalu R$ 1 bilhão de earn-out da aquisição e processaram o Itaú BBA, assessor da transação, por entenderem que o banco favoreceu a família Trajano na negociação — uma disputa ainda em andamento e sobre a qual a Kabum! não comenta.
Julinho já comandou outros negócios do grupo, como a operação de e-commerce do Magalu, e a Netshoes, sua última passagem. A primeira loja física do Kabum!, inclusive, era para ter sido da marca esportiva. “Lá seria a primeira da Netshoes, mas acabou não rolando, e eu aproveitei o espaço para fazer a da Kabum!. Tivemos que fazer coisas novas para uma empresa de e-commerce, como controle de estoque e comissão de vendedor, mas que não eram novidade para mim.”
A ida para o e-commerce sediado em Limeira, aliás, representou um retorno de Trajano ao interior. Nascido em Franca, no interior paulista, cidade da família, o sobrinho-neto de Luiza passou 15 anos em São Paulo antes de se mudar para Limeira. Reconhece que gosta da capital e sente falta da metrópole, mas tem aproveitado as vantagens da vida interiorana, como curtir um céu mais limpo e perder menos tempo no trânsito. “Agora eu levo nove minutos para chegar ao trabalho. Em São Paulo, eram 40.”
Nesses 18 meses, já deu tempo até de os funcionários criarem intimidade o suficiente para tirar sarro do novo chefe. Na reunião que toda a empresa costuma fazer semanalmente, o time de logística elaborou um quiz para uma dinâmica e criou a placa “blindado pelo Julinho” para ser levantada por aqueles que não quisessem responder — e a brincadeira acabou virando uma ilustração, depois colada na parede da sala de edição de vídeos.
Ao trocar o seu nicho de consumo, deixando a turma de esportes que compra na Netshoes para aderir à comunidade gamer da Kabum!, Trajano confessa que se impressionou com o grau de engajamento do seu novo público. “Outro dia eu estava chegando em casa, no elevador, com o crachá do Kabum! e um menino de 15 anos ficou muito empolgado quando percebeu que eu trabalhava lá”. A história, ele diz, chegou a inspirar uma peça de campanha da Kabum!, reproduzindo a cena em vídeo. Julinho, como se vê, tem a desenvoltura e simpatia da tia para uma boa conversa.
Desde que chegou, as vendas da Kabum! seguem em alta. No ano passado, foram R$ 3,8 bilhões em receita. E a projeção para 2024 é fechar com R$ 5 bilhões. “Eu brinco, sobre a meta, que já estamos naquela sexta-feira depois do almoço: ainda não é fim de semana, mas está muito próximo.”
O varejo físico, ainda restrito a uma unidade, representa uma parte pequena da receita da Kabum!, mas a empresa tem planos de longo prazo para se espalhar pelo país, aproveitando a capilaridade da rede Magalu. “A gente aproveita espaço, aumenta o fluxo, divide as despesas, mas eu não roubo o público do Magalu, porque vou estar levando um novo público.”
Fonte: Pipeline Valor