A maioria dos millennials é jovem demais para lembrar do personagem Jeff Spicoli, interpretado pelo ator Sean Penn, no filme “Picardias Estudantis”, de 1982. Mas, para aqueles que cresceram nos anos 1980, Spicoli se tornou o símbolo da Geração X que abandonava a faculdade.
Atualmente, no entanto, as desistências se parecem mais com com Kramer LaPlante – cabelo limpo e bem arrumado, uma conta bancária de seis dígitos e muito malabarismo para encaixar entrevistas a CNBC entre viagens de negócios para a China e Manhattan.
LaPlante e seu colega de quarto, Jake Kassan – ambos desistentes da vida acadêmica universitária -, são, aos 25 anos, os co-fundadores da MVMT (pronuncia-se “movement”), a marca de relógios que mais cresce hoje no mundo.
A história de LaPlante e Kassan já está se tornando uma lenda entre os millennials quando o tema é crowdfunding e startups, tanto que eles foram incluídos na edição 2017 da lista Under 30 de Forbes. O crescimento consistente da empresa é baseado em sua habilidade de explorar a cultura de mídia social das startups, o que é, em última análise, muito instrutivo para outros aspirantes a futuros empresários.
“A MVMT começou com um problema simples”, afirma LaPlante sobre a origem da empresa em 2013. “Jake e eu não conseguíamos encontrar um relógio elegante e bem feito, que fosse acessível para pessoas como nós ou nossos amigos. A maioria dos homens do milênio não pode, simplesmente, gastar US$ 500 ou US$ 1.000 em um relógio. Mesmo que Jake e eu não sejamos nerds de relógios, vimos aí um grande espaço de financiamento coletivo.”
O timing da dupla também foi ideal. LaPlante e Kassan estavam morando juntos em um apartamento enquanto o primeiro frequentava a Universidade da Califórnia. Kassan já havia deixado a faculdade. Separadamente, ambos já tinham lançado outras startups e campanhas de financiamento bem-sucedidas. Mas eles nunca tinham construído algo juntos. Quando a ideia da MVMT surgiu, LaPlante abandonou sua vaga na universidade.
“Jake e eu crescemos com espírito empreendedor e arrumamos muita confusão por causa disso”, lembra LaPlante. “Estávamos sempre tentando fazer dinheiro, em qualquer lugar. Eu pintei metade dos carros da minha escola durante o ensino médio. Não era um negócio oficial, mas eu ganhei muito dinheiro. Jake saiu da faculdade logo no início do curso e começou uma empresa bem-sucedida de roupas e acessórios que vendia pela internet e uma loja de varejo. Ele tinha só 19 anos. Depois de tanto tempo como companheiros de quarto, esta foi finalmente a nossa chance de fazer algo juntos.”
Três meses depois, uma câmera do Costco e seis modelos de relógios (que eles desenharam por conta própria), LaPlante e Kassan lançaram a primeira campanha de crowdfunding para a MVMT no site Indiegogo. Era junho de 2013 e, até então, o investimento tinha sido de menos de US$ 5.000. Em algumas semanas, graças à habilidosa estratégia de mídias sociais da dupla e ao suporte dos fãs millennials, a marca acabou se tornando a segunda campanha fashion a arrecadar mais dinheiro na história da Indiegogo: US$ 290.000.
“A resposta foi incrível”, lembra LaPlante. “Significava que estávamos no caminho certo.” O que a dupla não entendeu, na época, é que estava prestes a alterar a forma como o negócio do relógio vinham funcionando nos últimos cem anos. “Nós dois sempre fomos apaixonados por relógios”, conta o jovem. “Mas nenhuma das marcas existentes nos impressionava ou aos nossos amigos. Não era que os millennials não gostassem de relógios. É que o que tinha disponível era muito caro e as marcas realmente não nos atraíam.”
O conceito de um “relógio dos millennials” em si é um pouco contraditório. A indústria de relógios tem sido dominada por marcas caras como Rolex, Tag Heuer e Citizen – mais especificamente os tipos tradicionais de empresas que os millennials tendem a rejeitar em prol das startups da sua geração digital. Os millennials, assim como a maioria das pessoas nos dias de hoje, também estão cercados por seus dispositivos móveis quase todo o tempo. Portanto, a ideia de que essa geração pudesse, de alguma forma, reavivar uma indústria em risco de obsolescência não faz muito sentido do ponto de vista financeiro.
Aos 22 anos, a dupla descobriu que a desconexão entre relógios e millennials não era culpa dos produtos, mas sim do cenário rígido e antiquado do negócio.
A MVMT é baseada na simples crença de que um relógio elegante não deve ser absurdamente caro. No mundo tradicional da relojoaria, onde os produtos, muitas vezes, têm seu valor definido com base na percepção de status e prestígio que imprimem, esta é realmente uma quebra de paradigma. Os relógios, historicamente, podem ser ostensivos. As peças da MVMT são claras e minimalistas, não contam com brilho ou ornamentações desnecessárias, e favorecem a acessibilidade e um apelo generacional mais amplo.
O modelo de negócios da MVMT também está chamando a atenção. O principal fator é a velocidade de atuação, principalmente no que diz respeito à conquista de um público que as marcas tradicionais de relógios têm lutado há anos para conseguir: os millennials. “Ninguém, no mercado de relógios, fez o que estamos fazendo agora. Estamos construindo uma marca acessível”, diz o empreendedor. “Também somos os primeiros a atuar no mercado de forma totalmente online e a fazer das mídias sociais uma ferramenta para chegar aos millennials.”
Com base na venda direta aos consumidores via comércio eletrônico – em vez do varejo -, do cultivo de uma base fiel de fãs nas mídias sociais e de informações geradas pelo marketing, LaPlante e Kassan venderam mais de 600 mil relógios MVMT em mais de 160 países nos primeiros três anos. A grande maioria dos clientes é de millennials. A MVMT tem 1,8 milhão de curtidas no Facebook e 900 mil seguidores no Instagram, ultrapassando concorrentes do porte de Nixon, Fossil e Michael Kors. E esse número de fãs nas redes sociais deve duplicar em 2017. Desde o recente lançamento da última coleção feminina, a Boulevard Collection, o tráfego de mulheres para o site da marca aumentou 180%, demonstrando que a MVMT ainda não começou a aproveitar o potencial da população feminina de millennials.
LaPlante credita parte do sucesso da MVMT a Daymond John, apresentador do programa “Shark Tank” – embora ele nunca tenha participado do reality show de negócios. Tudo começou em 2014, quando a dupla venceu o concurso Build A Business, da empresa canadense de comércio Shopify, que elege empreendedores de destaque e, como recompensa, oferece prêmios. LaPlant e Kassan ganharam US$ 50.000 para investir na empresa e 30 minutos para falar com John. Na época, eles estavam pensando em expandir seus negócios por meio de varejistas como a Macy’s e a Nordstrom, assim como seus concorrentes.
“John é o guru do varejo. Assim que contamos sobre o nosso plano, ele disse, sem hesitação, que não deveríamos focar no varejo”, lembra LaPlante sobre a conversa. “Jake e eu tínhamos uma visão para ir por este caminho porque era a maneira tradicional de vender relógios. John disse que iríamos nos arrepender: ‘Vocês são bem-sucedidos on-line, continuem a construir isso. Esqueça o varejo. Ele está morrendo’. Essa conversa matou a visão que tínhamos. E acabou sendo um excelente conselho.”
Como representante da geração millennial, a dupla também entendeu instintivamente que o modelo tradicional de negócios dos relógios no varejo criaria uma barreira nas mídias sociais entre a MVMT e seus consumidores – exatamente o contrário de tudo que um millennial traduz: contar uma história, criar uma comunidade, engajar seus fãs, cultivar a fidelidade por meio de participação na marca e assumir a responsabilidade pelo seu relacionamento com o cliente.
“Nós somos os primeiros, no mercado de relógios, a vender diretamente online”, explica LaPlante. “Isso tornou a nossa marca acessível desde o início. As pessoas sentiam-se modernas usando nossos produtos e contavam isso para os amigos.”
A estratégia de mídia social que a MVMT construiu após o investimento em marketing online direto para para os millennials tem sido fundamental para o sucesso da empresa, segundo LaPlante. “Sem as mídias sociais nós não estaríamos onde estamos. No que diz respeito à construção da nossa marca, todo o nosso marketing é feito digitalmente, por meio de Facebook, Twitter e Instagram. Não fazemos nada offline, já que o que estamos fazendo online está funcionando.”
Mesmo fora do segmento de relógios, o crescimento de 400% ano após ano da MVMT desde seu lançamento, em 2013, faria qualquer capitalista de risco vibrar. Nesse negócio, então, os números são inéditos. Em seu primeiro ano, a marca superou US$ 1 milhão. Em 2015, saltou para US$ 30 milhões. Em 2016, atingiu surpreendentes US$ 60 milhões. LaPlante e Kassan buscam, para 2017, atingir uma receita de US$ 90 milhões. Portanto, não é nenhuma surpresa que a empresa tenha sido procurada por mais de 20 potenciais investidores e capitalistas de risco. Entretanto, a empresa de Los Angeles permanece totalmente nas mãos de de LaPlante e Kassan, que continuam a operar sem nenhum investimento externo. Atualmente, a empresa conta com 25 funcionários.
“Nós somos completamente autofinanciados”, afirma LaPlante. “É incrível. Nós demos nossos passos lentamente e fizemos o melhor que pudemos. Não devemos nada a ninguém, então podemos continuar a construir nossa companhia da maneira como queremos.” Jeff Spicoli ficaria orgulhoso.
Fonte: Forbes