A Multiplan é uma das empresas de shopping centers do país com portfólio de ativos mais resistente às crises econômicas. Dona do Morumbi Shopping, Shopping Anália Fraco e Barra Shopping, a empresa soma no total 18 empreendimentos, focados em classes de maior renda. Em 2016, a companhia desacelerou e segurou investimentos – a taxa de crescimento da receita deve ficar em menos da metade do índice de três ou quatro anos atrás. “Quem diz que não sentiu a crise, mente”, diz José Isaac Peres, fundador e presidente da companhia. “Devemos fechar 2016 num positivo de 3% a 4% e lucro líquido muito próximo ao do ano passado. Parece ruim, mas para um ano como 2016, não é”.
Peres foi um dos principais críticos do setor à política econômica do governo anterior, de Dilma Rousseff. Dias antes da votação do impeachment de Dilma no Senado, Peres esteve, discretamente, reunido com políticos da Casa. Disse que se achavam que 10 milhões de desempregados parecia muito, poderia dobrar se o governo não mudasse. “Nós estávamos à beira do abismo, a um passo da Venezuela, se continuássemos com a antiga estrutura de governo, estaríamos hoje trocando banana por alguma coisa [na crise, venezuelanos têm trocado carne por banana]”, disse ele, em entrevista ao Valor, na sede da empresa.
Para o empresário, é preciso “desarmar duas bombas”, do ajuste fiscal e da inflação, para recuperar a confiança – e o atual governo, na opinião dele, tem avançado nesse sentido. Peres acredita que a partir de abril ou maio o país deve voltar a ver aumento no consumo. E a empresa não descarta novo aumento de capital para sustentar seu crescimento futuro. A seguir, trechos da entrevista:
“Depois que o governo mudou, fiquei mais otimista. Nós estávamos à beira do abismo, a um passo da Venezuela”
Valor: O sr. disse a analistas recentemente que está mais otimista com o país. Por quê?
José Isaac Peres : Eu estava muito desanimado até o impeachment. Depois que a estrutura de governo mudou, evidentemente, fiquei mais otimista. Nós estávamos à beira do abismo, a um passo da Venezuela, se continuássemos com a antiga estrutura estaríamos trocando banana por alguma coisa [na crise, venezuelanos tem trocado carne por banana]. Então, logicamente, quando você vê, em 13 anos, o governo falar sobre ideologia quase como um objetivo em si, você chega à conclusão que ideologia não constrói nada. Não adianta ser de esquerda ou direita, o que você precisa é ser um bom administrador. O gestor de um país tem função parecida com a de um síndico. O que você quer no seu prédio é um síndico que cuide da manutenção, da segurança, que reduza despesas, não importa se o síndico é de direita, esquerda ou centro.
“O Brasil tem um acelerador, que é a taxa de juros, se você passa de uma taxa de 14% para 7% ao ano, a economia dá um salto”
Valor: Como o sr avalia a atuação do atual governo?
Peres : Comecei minha vida profissional em 1963, sou empresário desde 22 anos. Eu nasci um empresário endividado com banco, quando emprestei para construir meu primeiro prédio. Passei por planos que foram de todo o tipo, com cortes de todos os zeros e por uma hiperinflação, que foi a 80% ao mês no governo Sarney. Na minha visão, vendo o Brasil hoje, o governo tem duas bombas para desarmar, uma é a inflação e a outra é o ajuste fiscal. Ainda tem outro nó para desatar que se chama burocracia. Sobre a inflação, estamos num nível mais confortável, fomos muito transigentes com a ela. O economista Mario Henrique Simonsen dizia que gravidez é como inflação, não existe pequena inflação, nem pequena gravidez. É um problema estrutural e social. Mas acho que o governo está combatendo bem e indo na direção certa.
Valor: O mercado esperava algum sinal de melhoria em alguns indicadores no fim de 2016, e isso não ocorreu. Há uma lentidão nessa recuperação maior que o esperado?
Peres : Estamos sendo muito críticos em relação ao governo Temer, que tem apenas quatro ou cinco meses. Não é possível que se queira resolver problemas de 13 anos em quatro ou cinco meses. Tivemos um governo que foi extremamente tolerante com muitas práticas que hoje são condenadas. Estamos, agora, pagando o preço de um politica econômica equivocada no passado. Nós não vamos consertar o Brasil em quatro meses. Mas tivemos sorte também, porque se tivéssemos um presidente eleito agora, ele não faria o que tem que ser feito. Um presidente populista não promoveria as cirurgias doloridas necessárias para um país com doenças graves. A questão é que o ajuste fiscal está em andamento e com o avanço nessas questões, a consequência será o retorno da credibilidade.
Valor: Com as delações na operação Lava-Jato envolvendo a Odebrecht, o sr. acredita que há risco de Temer não concluir o mandato?
Peres : Seria absurdo pensar num mandato de quatro anos e termos três presidentes. Acho que o bom senso levaria qualquer um a pensar nisso. Precisamos de serenidade mínima, de um mínimo de tranquilidade para esse país andar. E acho que ele [Temer] está indo no caminho certo. Outro dia estive com o presidente de um grande banco em São Paulo e ele achava que o Temer deveria ter demitido mais cedo o ministro da secretaria de governo, Geddel Vieira. Mas num país em que Executivo não se entende com Legislativo, sem o Congresso você não consegue fazer nada. Se você demite um ministro com força política, quantos votos você perde no Congresso? E se o Congresso não estiver afinado com o Executivo, nada anda. Já vimos isso antes aqui mesmo.
Valor: Como o sr. vê o debate em torno de novas eleições diretas para presidente, no caso de renúncia ou afastamento de Temer?
Peres : Acho um absurdo, quem está falando está jogando para a plateia, como sempre os políticos fazem, para dizer que algo vai mudar. Ter outro presidente eleito num mesmo mandato pela segunda vez em quatro anos seria um desastre.
Valor: O sr. esteve em Brasília, com outros empresários do setor, em conversas com senadores para defender o impeachment?
Peres : Sim, eu me mobilizei porque tive coragem de falar representando minha classe e meu setor. Eles [senadores] estavam equivocados. Falamos que o problema não era político nem econômico. O Brasil estava parado por absoluta falta de confiança no governo. Tive a dignidade de falar com senadores, e disse o seguinte: ‘Vocês estão vendo 10 milhões de desempregados na rua, mas vocês verão 20 milhões. Nós não queremos desempregar ninguém, mas se continuar esse governo, não teremos outra alternativa’. Acho que o empresariado ainda apoia passivamente este governo [Temer] e acho que precisamos ser mais pró-ativos nisso.
Valor: De que forma?
Peres : Temos que dizer que o governo está indo na direção correta, temos que criticar sim, mas falar mais sobre os avanços que estão sendo discutidos, como reforma fiscal e da previdência. Acho que esse governo já conquistou boa parte da confiança da classe empresarial. Sou aposentado e contribui minha vida toda para me aposentar com 20 salários mínimo [o teto na década de 60]. Hoje eu recebo R$ 4 mil. Não é algo que preciso para sobreviver, esse não é meu ponto. Meu ponto é que o desequilíbrio está no corporativismo. O setor público é o responsável pela maior parte do déficit da previdência.
Valor: Quando o sr. acha que o varejo voltará para a base de vendas anterior à crise, de 2013/2014?
Peres : Para recuperar isso serão mais quatro ou cinco anos. O Brasil tem um acelerador, que é a taxa de juros, se você passa de uma taxa de 14% para 7% ao ano, a economia dá um salto, aumenta o crédito. Mas para ter crédito é indispensável reduzir o nível de endividamento. Estados e municípios têm que saber administrar o caixa e também ser gestores. Você pode ser um sovina desses que não gasta nada, termina mandato com o caixa enorme e a cidade abandonada. Isso não resolve nada.
Valor: O sr. prevê uma recuperação da economia em 2017? O mercado estima alta de 0,5%.
Peres : Não vou dar uma data, mas acho que neste ano começa a recuperação, crescendo talvez até mais que isso [0,5%]. Não é fantástico, mas já é alguma coisa. Estamos muito no fundo do poço para falar só em 0,5%, a base é fraca, e isso abre espaço para uma taxa maior. De repente, o Brasil cresce 3% e, então, você acha que foi fantástico. Nem recupera o que perdemos, mas já seria alguma coisa. Neste ano, a partir de abril ou maio, veremos um país com consumo crescendo e com taxa de juros mais estável. Acho que teremos um começo de ano mais difícil para o emprego, depois ele vai parar de cair.
Valor: Mas o consumo já deve crescer no primeiro semestre sem recuperação em renda e emprego?
Peres Também não é assim, existe uma coisa que se chama expectativa, a expectativa de que o país vai melhorar, de que o ambiente está mais sereno e que algo está sendo construído. A expectativa de que a Lava-Jato não acabará com país, mas que tem feito um serviço ao país, isso tudo tem efeito positivo.
Valor: Como a crise macroeconômica afetou a Multiplan?
Peres : Essa foi a pior recessão da história do Brasil, nunca conheci nada pior. Eu achava que 2008 havia sido a crise mais complicada de todas, porque de tudo que vi e estudei não havia nada perto daquilo. Mas a diferença é que esta crise afetou o país diretamente, todo mundo sentiu. Mesmo assim, na Multiplan, se perdíamos um lojista, entrava outro.
Valor: Mas a taxa de ocupação caiu e a inadimplência nos seus shoppings cresceu. Os últimos dados apontam 18 mil lojas fechadas no setor no país em 2016.
Peres : Isso não é nada. Nós somos 6 mil [número de lojas em shoppings da Multiplan], mas muitas são lojinhas. Temos que considerar a base total e o Brasil tem, certamente, mais de 500 mil lojas. Além disso, esta é uma conta de uma associação que não representa nossa classe [o dado foi divulgado pela Alshop, associação dos lojistas]. Novamente, entendo que é uma recessão muito grave, mas entendo também que não é tão dramático como se diz. Nós investimos no ano passado cerca de R$ 1 bilhão, cerca de R$ 850 milhões só até setembro.
Valor: Houve queda no valor investido? Esse montante chegou a R$ 1,4 bilhão em 2012.
Peres : Para anos de crise, um investimento de R$ 1 bilhão em 2016 é um valor considerável. Lógico que estamos andando de acordo com a carruagem, mas se a carruagem andou para trás, nós fomos para frente. Não vamos fechar com vendas no negativo. Ao contrário de outras empresas, devemos fechar num positivo de 3% a 4% [a receita líquida subiu 4% até setembro] e lucro líquido muito próximo com o do ano passado. Parece ruim, porque crescíamos em vendas 10%, 12% ao ano, mas se pensar bem, 3% não é desprezível.
Valor: Quais são os projetos para os próximos anos?
Peres : Estamos construindo um shopping em Canoas [no Rio Grande do Sul] que custa R$ 500 milhões e devemos abrir no segundo semestre. E ainda vamos abrir outro no bairro de Jacarepaguá [no Rio] talvez depois de 2018, e podem surgir outros. Estamos trabalhando internamente em várias coisas novas, no Rio e em São Paulo, mas de forma mais lenta, [em projetos] que estão na gaveta. Temos que respeitar o mercado, ele é como se fosse Deus, se você não o respeita, vai ser punido. Mas tivemos cuidado de manter equipe, e não demitimos na crise.
Valor: Qual a sua previsão de investimentos em 2017?
Peres : Quando se sai de uma crise como a que entramos, com dois anos de recessão, e começa uma fase de recuperação, existe naturalmente uma ânsia maior para desenvolver, para desengavetar planos, para investir. Mas é preciso que se entenda que, sem o ajuste fiscal, o Brasil não vai crescer nunca. Estávamos à beira de um abismo e na fronteira da Venezuela, o que você quer que o investidor faça num cenário desse? O investimento virá naturalmente à medida que a confiança se reestabeleça. Sem reforma fiscal não se resgata a credibilidade, e a taxa de juros só cai se a inflação ceder e se houver uma confiança maior. A nossa situação só não é mais dramática porque acumulamos reservas cambiais, nosso escudo frente à desvalorização do real. Faço aposta que neste ano o dólar termina em R$ 3.
Valor: A Multiplan ainda estuda a entrada em novos mercados na América do Sul?
Peres: Já tivemos investimento no exterior em países como Estados Unidos [com um projeto imobiliário em Miami] e Portugal [fizeram o primeiro shopping do país, em 1991]. A expansão para América do Sul é uma das nossas metas. O Brasil hoje tem o domínio na construção de empreendimentos de forma eficiente, então por que não fazer algo fora também? Estamos trabalhando no assunto, criamos um grupo de trabalho para negócios no exterior. Descobrimos que é muito mais fácil ir comprando negócios do que construir do zero. Então, ajustamos nossa estratégia, e só não demos um passo maior agora, porque surgiram novas oportunidades no Brasil.
Valor: Que oportunidades?
Peres : Temos mais de 5,5 mil municípios e existem shoppings em não mais de 200 cidades. Há muito mercado ainda e, além disso, há a possibilidade de investirmos nos nossos próprios ativos. Em setembro, por exemplo, anunciamos a aquisição de 10,3% da área bruta locável do Barra Shopping, no Rio de Janeiro, e 8% da área do Morumbi Shopping, em São Paulo [pelo valor total de R$ 495,9 milhões]. São shoppings muito bons em que já tinhamos uma posição.
Valor: Vocês estudam aumentar a fatia em outros empreendimentos nos quais já são acionistas?
Peres : Isso nós podemos fazer. E a possibilidade de expansão de área de shoppings que já temos também é considerada dentro da estratégia atual. Nossos ativos são fantásticos, teremos outros anúncios ainda a fazer, mas não posso comentar nada no momento. No caso da expansão de shoppings que já temos, isso é algo absolutamente seguro e o investimento é menor do que a abertura de um empreendimento novo. Eu não tenho que gerir, absorver passivos, reestruturar uma empresa. Então é uma possibilidade.
Valor: Há empresas que têm oferecido operações para a Multiplan, tanto o negócio como todo como ativos em separado. O grupo tem baixo endividamento. Por que as conversas não prosperam?
Peres : Nós temos olhado alguns investimentos, mas não vamos dar nenhum passo se não tivermos muita tranquilidade no que estamos fazendo. Após a aquisição não queremos ter problemas de passivo oculto e de gestão. Nós não vamos dar um passo que nos leve a uma indigestão do ponto de vista financeiro. Às vezes, grandes grupos compram uma operação e, na verdade, engolem uma baleia, e para digerir aquilo são anos e anos. Eu não pretendo fazer isso. Eu fui à bolsa em 2007 e isso já tem dez anos. No período, a empresa cresceu 300%. Prometi ao investidor na época, dobrar a empresa em cinco anos. Triplicamos em nove anos.
Valor: Quais países são interessantes para a Multiplan investir no exterior? Uruguai e Argentina são possibilidades?
Peres : Acredito que a América Latina está se endireitando e Argentina e Colômbia são um bom exemplo nesse sentido. Nós chegamos a olhar a Argentina, íamos comprar algo lá, há dois ou três anos, mas não avançou. Estive na Recoleta [bairro de classe alta em Buenos Aires] pra comprar algo lá, e bancos recomendaram que eu não fizesse isso. Um diretor de banco internacional disse que se comprássemos algo, eu perderia muito dinheiro, e decidimos esperar. Era o período de governo de Cristina Kirchner. Agora temos um governo mais centrado, que não é populista, que faz o que precisa ser feito, então é um país para se analisar como futuro investimento.
Valor: A empresa estudou recentemente um aumento de capital e desistiu da operação?
Peres : Nós não fizemos o aumento porque entendemos que a empresa estava subavaliada naquele momento, mas se acharmos que haverá uma oportunidade boa amanhã para realizar algo nesse sentido temos toda a condição de fazê-lo, assim como fizemos agora uma emissão de CRI [Certificados de Recebíveis Imobiliários] abaixo da taxa Selic.