José Isaac Peres se notabilizou como fundador do grupo mais valioso de shoppings do país. Agora, passa a presidência ao filho Eduardo
Por Maria Luiza Filgueiras
Eduardo Peres tinha nove anos quando acompanhou o pai na inauguração do BH Shopping, na capital mineira. Não era o primeiro empreendimento do tipo desenvolvido por José Isaac Peres, que já tinha colocado de pé o Shopping Ibirapuera, em São Paulo. Mas era o primeiro sob a marca Multiplan e o que definiu a logomarca da companhia. “Sobrevoei aquela área, que não tinha nada além de um terreno barato e um trevo rodoviário. Duas grandes sortes: um bom preço e um trevo de quatro folhas”, conta Peres ao Pipeline.
Aos 82, ele deixou a cadeira de presidente executivo da Multiplan na semana passada, permanecendo no conselho, um dos mais longevos CEOs de empresa aberta do mercado brasileiro. O garoto criado em shoppings, e há mais de 30 anos executivo do grupo, assumiu o comando, numa sucessão que já estava no radar do mercado.
As personalidades são, assumidamente, bem diferentes — o que pode imprimir alguma mudança de ritmo na gestão, mas não estrutural. Peres gosta do contexto, Eduardo vai direto ao ponto.
“O Eduardo conhece bem a companhia, sempre esteve ao meu lado, é meu amigo de pescaria e tem um desempenho excepcional na empresa. Já era consensual na nossa família a sucessão dessa maneira, todos estavam de acordo e também os meus sócios da Ontario”, diz Peres, referindo-se à Ontario Teachers Pension Plan, acionista da Multiplan há 17 anos. O empresário tem mais três filhos.
“São duas pessoas totalmente diferentes que se completam. Meu pai é visionário, ninguém consegue olhar um terreno e ter a visão do todo como ele. Eu sou muito prático, rápido, no dia a dia”, diz Eduardo. “Quem entra na sala do meu pai, sai com um talvez, pode ser. Na minha, é sim ou não. Certamente ao longo do caminho teve discussão, como é normal entre pai e filho, conflito de ideias por diferença de geração, mas é uma química que funcionou: quando entrei, a companhia valia R$ 100 milhões, hoje vale R$ 14 bilhões.”
É a empresa mais valiosa do setor no país, referência no setor em rentabilidade e desenvolvimento de projetos. A Aliansce, depois de se fundir à Sonae e à BR Malls, vale R$ 10,5 bilhões em bolsa, com mais que o triplo de shoppings.
Mais do que anedota, o caso do BH Shopping exemplifica bem o perfil de atuação da Multiplan. O terreno foi comprado em 1977, das mãos da família Pentagna Guimarães, dona do banco BMG. Peres tinha ido à região ver algumas áreas da Anglo American – com direito a tour na mina de ouro –, um contato intermediado por Júlio Bozano, seu amigo e sócio em alguns empreendimentos.
“Na escritura, o Flávio (Pentagna) me perguntou: você vai fazer o que lá mesmo? Shopping para quem, se ali só tem cabra e burro?! Até o prefeito da época me perguntou, sem jeito, se eu não estava errado”, diverte-se Peres.
Enquanto eles se limitavam ao terreno, Peres pensava no trator que já abria o que seria a avenida Raja Gabáglia, aumentando o acesso à zona sul da cidade, e convenceu Bozano a ser sócio. Dois anos depois, o empreendimento foi inaugurado pelo então governador Francelino Pereira. Em volta do shopping, desenvolveu-se um dos principais bairros de alta renda da cidade.
No Barra Shopping, no Rio, não foi diferente. Para visitar as obras, não dava para esquecer o mata-mosquito. “Vários shoppings que fizemos foram ponto de partida para a construção de bairros. A Barra tinha uma avenida de uma pista e não tinha luz, o acesso era difícil, pela Marquês de São Vicente. Em Ribeirão Preto, comprei um pedaço de fazenda de cana-de-açúcar para construir — o consumidor mais próximo era o espantalho. Hoje tem uma cidade moderna no entorno”, conta.1 de 1 Eduardo Peres, presidente da Multiplan, e José Isaac Peres, presidente do conselho da Multiplan — Foto: Leo Pinheiro/Valor
BarraShopping e RibeirãoShopping foram inaugurados em 1981. Os três shoppings estão entre os mais rentáveis da carteira. Eduardo adiciona o caso de Maceió, cidade que já tinha dois shoppings grandes quando a Multiplan decidiu construir o seu. “Considerávamos que eram shoppings aquém do que a cidade merecia. Áreas em que a qualidade do comércio local é fraca são oportunidades para nós”, diz o CEO.
Peres atribui à pretensão de planejamento típica dos economistas – sua formação – o fato de os nomes das empresas terminarem em “plan”. A primeira foi a Veplan, uma incorporadora imobiliária planejada ainda na faculdade, que fez seu primeiro prédio na rua do Resende, na década de 1960.
“Era uma aventura com um amigo do Leblon, num momento difícil porque havia muita movimentação política, mas por sorte vendemos tudo em 19 dias”, lembra. “As pessoas começavam a estocar água, alimentos, a inflação já era de 100%, mas ninguém tinha noção exata. Veio a mudança de governo, com os militares em 64, e muita coisa mudou, passou a ter correção monetária. Tivemos grandes economistas, três deles professores meus – Octavio Bulhões, Casimiro Ribeiro e Antônio Leite. Pela primeira vez eu via contratação de técnicos para uma função que era política.”
A referência ao governo militar faz lembrar a participação de Peres num grupo de WhatsApp formado por empresários contrários ao governo Lula e que, nas eleições, citavam “golpe” como alternativa — o que gerou mandados de busca e apreensão por parte do ministro do STF, Alexandre de Moraes, no ano passado. Os empresários se defenderam à época, dizendo que não se tratava de plano, mas desabafos e opiniões.
Peres cita política com frequência, como pano de fundo para a história da empresa, mas tenta ser mais sucinto sobre o tema, segundo amigos. “No confisco do Collor, as vendas dos shoppings caíram 50% do dia para a noite. Pensávamos que era o fim do mundo, mas não foi. O cenário de fim do mundo, que a gente faz muitas vezes em determinados governos, não acontece porque o Brasil é muito maior do que imaginamos, maior que as pessoas. Não é um país para amadores, mas a gente ama o Brasil, amo o Rio, e São Paulo foi muito generosa conosco.”
Na bolsa, estreou ainda em 1971 com a Veplan, que se fundiu à Cordeiro Guerra e foi rebatizada de Veplan-Residência. Com a insistência dos sócios em ter banco, Peres vendeu sua parte e criou a Multiplan e a Embraplan.
“Eu não queria porque fazia as contas e o fluxo de caixa dava aquela barriga vermelha. Meus sócios já tinham negociado a compra da carta-patente com o doutor Olavo (Setúbal) e fui avisá-lo que não queríamos mais porque não conseguiríamos pagar”, conta Peres.
O banqueiro do Itaú acabou convencendo o grupo de sócios a fechar negócio e Peres o convenceu de dar condições melhores de financiamento. Acabaram se tornando donos do Banco Residência e Peres pulou fora antes do negócio quebrar. “Eles diziam que eu não sabia o status que era ser banqueiro. Eu não queria status de banqueiro.”
Peres preferia desbravar o mercado imobiliário e de consumo. Construiu o primeiro shopping de Portugal em sociedade com a Sonae – então um grupo industrial sem atuação no setor e que depois se tornou concorrente no mercado brasileiro (anos depois, fez fusão com a Aliansce no país). Também construiu edifícios icônicos em Miami, por meio da Multiplan USA. Peres é fundador da Abrasce e da Ademi, associações do setor de shoppings e do mercado imobiliário.
Para o novo CEO, a pressão é grande para tocar o legado. A Multiplan tem 20 shoppings, que respondem por 11% das vendas nesse mercado. No ano passado, a companhia teve o melhor resultado da história, com R$ 20 bilhões em vendas e R$ 1,3 bilhão de Ebitda. Em janeiro, as vendas continuaram avançando em ritmo de dois dígitos. A companhia está fazendo ampliações em alguns deles e buscando marcas exclusivas no Brasil, para empreendimentos como o DiamondMall.
“Acreditamos não em quantidade mas em qualidade. Nosso grande desafio é continuar desenvolvendo e expandindo shoppings, melhorando nossos ativos, e conseguir fazer isso com uma taxa de juros de 13,75% demanda alguma imaginação”, diz Eduardo.
“13% é alto, mas lembro que em 1988, no Sarney, os juros chegaram a 80% ao mês e eu estava construindo shopping”, observa Peres. “Acha 13% pouco então?”, retruca o filho diante da provocação. Ele ameniza: “Para os dias de hoje, não acho baixa. Mas se eu desse bola para taxa de juros, não tinha feito nada.”
Em uma semana, Peres pouco mudou sua rotina. Continua indo à companhia, com mais flexibilidade de agenda, mas sem aposentadoria. “Vou continuar na companhia fazendo o que é o meu hobby: criar.”
Fonte: Valor Econômico