E conomista de formação, José Isaac Peres começou a empreender no segundo ano da universidade, em meados da década de 1960. À frente da construtora e incorporadora Veplan, o carioca de Ipanema participou de projetos como a construção do Shopping Ibirapuera, inaugurado em 1975, em São Paulo. No mesmo ano, o empresário vendeu sua participação na companhia e decidiu fundar a Multiplan, voltada à administração de shopping centers, um modelo comercial que ainda engatinhava no País. O local escolhido para abrigar o primeiro empreendimento da empresa despertou uma questionamentos de autoridades e do mercado. Instalado próximo a um trevo da rodovia BR-356, no bairro Belvedere, em Belo Horizonte, o terreno ficava distante do centro da capital mineira. A região, como ele se acostumou a ouvir durante a aprovação e o desenvolvimento da obra, “não tinha nada, além de cabras e morros”.
Contra todos os prognósticos, a tacada ousada e pioneira se mostrou acertada. Inaugurado em 1979, o BH Shopping ajudou a transformar o Belvedere em um dos bairros mais valorizados de Belo Horizonte. E o sucesso do empreendimento levou a Multiplan a adotar um trevo como sua logomarca, além de inspirar Peres a repetir esse roteiro em outras cidades do Brasil.
Passados quase 40 anos, o grupo também ganhou outro status. Com um valor de mercado de R$ 13,7 bilhões, receita de R$ 1,25 bilhão e um portfólio formado por BarraShopping, MorumbiShopping e outros 17 centros comerciais, voltados às classes A e B, a empresa é o segundo maior nome local do segmento, atrás da BRMalls. Cotadas a R$ 68, suas ações acumulam uma valorização de 16% em 2017. De sua abertura de capital, em 2007, até junho deste ano, a companhia investiu R$ 7 bilhões na construção, aquisição e reforma de shoppings pelo País. E, sob o comando do empresário de 77 anos, segue com uma série de investimentos para desbravar novos caminhos e ampliar sua fatia no setor. Somados os aportes do segundo semestre deste ano e os já anunciados para 2018, o grupo desembolsará cerca de R$ 1,1 bilhão.
Inaugurado no fim de novembro, em Canoas, cidade da região metropolitana de Porto Alegre, o ParkShopping Canoas é o passo mais recente da Multiplan. As obras do projeto, orçado em R$ 500 milhões, tiveram início em setembro de 2015, em meio aos impactos da desaceleração econômica e da derrocada do consumo no País. “Os momentos de crise exigem investimentos agressivos”, diz Peres, fundador e CEO da Multiplan. “Nessa hora, é preciso abrir mão de parte de seu lucro, esperar retorno no longo prazo e, no curto prazo, dar ao consumidor muito mais do que ele espera.”
O ParkShopping Canoas reforça e aprimora as estratégias da Multiplan para atrair lojistas e consumidores. Com uma área locável de 48 mil m2, o centro de compras abriu suas portas com 264 lojas e uma taxa de ocupação de 93%. A redução dos custos de operação foi um dos aspectos priorizados no projeto.
O grupo instalou mais de 4 mil painéis fotovoltaicos no topo do empreendimento. A iniciativa tem capacidade de gerar uma economia de 15% a 20% nos gastos dos lojistas com energia, segundo as estimativas iniciais da companhia, que investiu ainda em um sistema de reuso de águas, entre outras frentes.
Antes e depois
O BH Shopping, na época de sua inauguração, em 1979, e nos dias de hoje. Nas duas imagens, o trevo que inspirou a logomarca da Multiplan
Para os consumidores, o centro comercial traz um mix mais balanceado. As tradicionais lojas âncoras do setor, como Renner, Lojas Americanas e Riachuelo, e os varejistas de médio e pequeno portes estão presentes. Mas, somados, eles ocupam praticamente o mesmo espaço que as opções de serviços e de entretenimento. Em serviços, o leque inclui desde ofertas já mais tradicionais, como academia e supermercado, até uma escola de idiomas e um espaço de coworking. A área de lazer traz atrações como uma pista de patinação no gelo permanente, praça de alimentação com um telão de Led de 63 m2 e um centro de eventos com capacidade para 1,2 mil pessoas, que receberá espetáculos e convenções. Segundo Peres, no entanto, um dos destaques é a integração do empreendimento com o Parque Municipal Getúlio Vargas, por meio de uma passarela de 80 metros. A Multiplan ampliou a estrutura do parque, com a construção de uma pista de caminhada, um lago artificial, uma área com equipamentos de ginástica e brinquedos, e um anfiteatro para 400 pessoas, no qual já estão sendo realizados eventos promovidos pelo shopping. “Hoje, os shoppings funcionam como um grande antidepressivo urbano”, diz o empresário. “Nosso negócio é dar alternativas para que as pessoas se sintam bem .”
MUITO ALÉM DAS COMPRAS Dados de uma pesquisa da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) vão ao encontro dessa visão. O estudo ressalta um aspecto no perfil do público que frequenta esses empreendimentos no Brasil. “Hoje, apenas 37% das pessoas vão aos shoppings unicamente para fazer uma compra”, diz Glauco Humai, presidente da entidade. Nesse contexto, o setor seguiu crescendo no País. Em 2016, o mercado de shopping centers movimentou R$ 157,9 bilhões, alta de 4,5%. Para esse ano, a Abrasce projeta uma expansão de 7% na receita e a inauguração de 27 novos empreendimentos.
Mesmo menos expressivo do que o crescimento observado até 2013, quando o segmento viveu um boom no Brasil, o desempenho do mercado de shopping centers contrasta com boa parte das indústrias locais nos últimos anos. E também com as perspectivas no país que inventou esse modelo comercial. Um estudo do Credit Suisse projeta que 25% dos shoppings nos Estados Unidos fecharão suas portas até 2022, o que representa cerca de 300 empreendimentos. A pesquisa ressalta o impacto de fatores como o e-commerce e a demora do setor para acompanhar os novos hábitos dos consumidores. “Muitos shoppings dos EUA ainda são lugares restritos ao varejo tradicional”, diz Jorge Lizan, diretor da consultoria americana Lizan Retail Advisors. “No Brasil, no entanto, esses centros desempenham um papel social muito mais amplo na vida das pessoas, o que sustenta boas projeções para os próximos anos.” Sócio-diretor da consultoria GS&Malls, Luiz Alberto Marinho observa outra diferença entre os dois mercados. Enquanto nos Estados Unidos, a maioria dos shoppings foi construída no clima mais tranquilo dos subúrbios, no Brasil, esse formato ganhou escala nos grandes centros. “A insegurança, o trânsito e o caos urbano forçaram os shoppings brasileiros a antecipar o movimento de concentrar, em apenas um local, ofertas de varejo, de serviços e de lazer”, afirma Marinho. Ele observa que a Multiplan foi uma das responsáveis por consolidar essa tendência. “O grupo tem o olho do dono. E o Peres é um visionário.”
Para seguir fazendo jus a essa alcunha, o empresário colocou diversos planos em prática. Neste mês, a Multiplan deu início às obras de um novo empreendimento que será instalado em Jacarepaguá, na zona oeste do Rio de Janeiro. Orçado inicialmente em R$ 400 milhões, o shopping tem previsão de inauguração no fim de 2019. As aquisições e o aumento de participação nos empreendimentos que já compõem o portfólio também integram esse pacote.
Na primeira vertente, em setembro, a empresa investiu R$ 250 milhões na compra de 50,1% do DiamondMall, em Belo Horizonte. Já na segunda ponta, o grupo destinou, em pouco mais de um ano, cerca de R$ 1 bilhão, com destaque para os R$ 495 milhões para ampliar suas fatias no Morumbi Shopping e no Barra Shopping, de 65,7% para 73,7%, e de 51,3% para 61,3%, respectivamente.
A Multiplan também planeja dar mais ênfase à construção e a gestão de condomínios comerciais e residenciais no entorno de seus shopping centers. Hoje, o grupo adota esse modelo com duas torres próximas ao MorumbiShopping. Até pouco tempo, a companhia concluía essas obras e as vendia para terceiros. Com um banco de terrenos disponível de mais de 800 mil m2 colados aos shoppings da marca, a ideia é simples: ampliar o fluxo de consumidores nesses centros de compras e, ao mesmo tempo, valorizar o metro quadrado desses empreendimentos complementares. Entre outros projetos previstos, essa estratégia inclui torres comerciais e residenciais coladas ao BarraShopping Sul, em Porto Alegre, e ao recém-inaugurado ParkShopping Canoas.
Sob a ótica da diversificação, a expansão de ativos já em operação é outra prioridade. Um dos destaques é o RibeirãoShopping, que concluiu a entrega de um centro médico com mais de 30 clínicas, centro de imagens e laboratórios, entre outros recursos. Instalados, respectivamente, em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro, o Pátio Savassi e o VillageMall também estão em fase de ampliação, com um investimento somado de R$ 80 milhões. O projeto do VillageMall, shopping de luxo do grupo, inclui a construção de um monotrilho, de pouco menos de um quilômetro, que ligará o empreendimento ao BarraShopping. “São dois centros de perfis complementares”, afirma Peres, que prevê um aporte de R$ 100 milhões nessa iniciativa e a conclusão da obra em meados de 2019.
Além da revitalização e da atualização de seu portfólio, esse pacote de projetos tem como pano de fundo uma fortaleza e, ao mesmo tempo, um desafio da Multiplan. “O grupo conseguiu criar um padrão diferenciado de shoppings”, diz Marinho, da GS&Malls. “Mas essa identidade forte também limita a expansão via aquisições, pois não há muitos ativos com perfil semelhante que podem ser incorporados no País.”
Nesse contexto, a rota de crescimento da Multiplan deve passar pelo investimento para levantar, do zero, shoppings em outras praças no País. Hoje, o grupo está mais concentrado nas regiões Sudeste e Sul. A empresa começa a avaliar possíveis projetos em Santa Catarina, único estado do Sul no qual ainda não tem presença, e no Nordeste, onde opera apenas um empreendimento, em Maceió (AL). O empresário também não descarta investir em uma expansão internacional nos próximos anos. De olho em mercados como a Argentina, ele observa que uma eventual concretização desse plano passaria pela associação com outras empresas do setor no exterior. Em 1991, a Multiplan chegou a ensaiar esse processo, ao construir o CascaiShopping, em Portugal, em parceria com o grupo Sonae. Oito anos depois, a empresa brasileira vendeu sua participação no negócio.
A provável guinada internacional não está restrita à Multiplan. Dono de um patrimônio estimado em R$ 1,44 bilhão, Peres comprou, um terreno de 6 mil m2 na Collins Avenue, em Miami, de frente para o mar. Fruto de um investimento pessoal, de US$ 100 milhões, o plano é demolir o prédio de 12 andares instalado no local e construir um condomínio de luxo com uma torre de 17 andares. O projeto foi alvo de protestos de vizinhos e teve de passar por alterações. Mas obteve a aprovação das autoridades locais no dia 9 de dezembro. Ao que tudo indica, o empresário seguirá desbravando fronteiras. “Eu sempre corri riscos”, afirma ele, que ressalta a disposição para percorrer novos caminhos. “Eu gosto do que faço e ainda trabalho como se tivesse 20 anos.”
Fonte: IstoÉ Dinheiro