Nos últimos anos, a corrida pelo desenvolvimento da inteligência artificial vem crescendo no país. Mas o Brasil, por enquanto, ainda não corre ao lado de grandes potências mundiais como Estados Unidos e China. O grupo Movile, dono do iFood, Spoonrocket, Sympla, PlayKids, Wavy e Rapiddo, investe agora para mudar esse cenário. Após anunciar um aporte de US$ 500 milhões, a empresa quer se tornar referência na América Latina em desenvolvimento de IA.
Quem está à frente dessa empreitada é Bruno Henriques, vice-presidente de inteligência artificial da Movile. Seu trabalho é montar e gerenciar uma equipe de cerca de 100 pessoas especialistas em machine learning. O desafio não é pequeno. Para montar esse time, diz Henriques, é preciso treinar pessoas de dentro e de fora da Movile. No cargo desde outubro, ele diz que os esforços já geraram resultados. “Os pedidos gerenciados pelo iFood, por exemplo, já contam com bastante precisão no tempo de entrega”, afirma. Há mais ferramentas sendo desenvolvidas para o aplicativo. “Para o usuário, as melhoras serão graduais.”
Henriques não é um novato no mundo das starups. “Fundei a Kanui em uma época em que o e-commerce era novidade. Tivemos que pegar um mercado incipiente e desenvolvê-lo – e tudo foi feito internamente”, conta. Em 2015, a Kanui foi vendida para a Dafiti. “Hoje, a inteligência artificial surge como outra transformação importante nesse universo. Meu papel é ajudar a formar esse mercado e entender a melhor maneira de desbravar a nova tecnologia na Movile”. Confira a seguir a entrevista com o executivo.
Por que esse investimento agora? Em que medida a inteligência artificial pode ser útil para a empresa?
Entendemos que o futuro será moldado com IA, e isso expandirá os horizontes do que é possível ser feito em negócios. Outros países, como a China, já estão nessa corrida há muito mais tempo. A Movile quer liderar esse movimento no Brasil e na América Latina.
A nossa missão é melhorar a vida de um bilhão de pessoas. Eu acho que tecnologia é o alicerce para alcançar isso, e inteligência artificial é fundamental nesse processo – se vamos conversar com 1 bilhão de pessoas, precisamos saber quem são nossos clientes e criar soluções específicas para cada um deles.
Quais aplicações você vê para a inteligência artificial nos negócios da Movile?
Olhando para a iFood, há duas ou três áreas nas quais conseguimos aplicar IA com bastante profundidade. A primeira delas é logística urbana. Atualmente, entregamos 12 milhões de pratos por mês – se isso já parece um desafio, será ainda maior daqui a três anos, quando estivermos entregando mais de 100 milhões de pratos por mês. Gerenciar a expectativa dos clientes e monitorar a frota são processos complexos, que não podem ser feitos com processos manuais.
Outra questão é que não queremos esperar o usuário entrar na plataforma e fazer o pedido. Queremos chegar para o cliente e dizer: ‘Eu sei que você está com fome agora e essas são as nossas recomendações. Vamos te entregar no tempo que você quer, por um preço que cabe no seu bolso’.
Outra área clara de aplicação é no atendimento. As pessoas não vão ficando com fome ao longo do dia, elas têm fome sempre no mesmo horário. Às oito da noite, está todo mundo desesperado para receber sua comida. Por isso, temos que ter um atendimento inteligente, eficiente e capaz de resolver os problemas de cada pessoa naquele momento.
Como isso é feito atualmente?
Trata-se de um processo automatizado, é claro. Mas a grande transformação que a inteligência artificial traz é que os sistemas deixam de ser estáticos e passam a ser dinâmicos. Os processos ganham vida: à medida que mais dados são gerados, o sistema fica mais inteligente, capaz de tomar decisões novas. Essa é a grande diferença entre o que existe hoje e o que estará disponível no futuro. Teremos sistemas de melhoria contínua. Hoje, são estáticos, desenhados com parâmetros pré-definidos, de uma maneira mais simplista.
O principal foco nesse momento é o iFood?
Existe um esforço coordenado para o grupo todo, mas com foco maior nas empresas que precisam mais da tecnologia nesse momento, como a iFood, que é a maior empresa do grupo. Mas há bastante sinergia entre as companhias. Os mesmos chatbots usados no iFood podem migrar para a Wavy, nossa área de conteúdo móvel e mensageria.
A Movile já anunciou um centro focado em inteligência artificial em São Carlos, e agora quer montar uma equipe de 100 pessoas focadas em IA. Como é o treinamento e recrutamento desses profissionais?
Um dos grandes desafios para quem quer ser líder e pioneiro na área de IA é formar pessoas para trabalhar nesse mercado. Em vez de contratar alguém para fazer isso, queremos desenvolver uma cultura de inteligência artificial dentro da empresa. Isso significa treinar e capacitar as pessoas. Queremos fazer isso em parceria com universidades que estão trabalhando na mesma direção. Em São Carlos, temos uma área no centro de inovação Onovolab, onde selecionamos estudantes das Universidades de São Carlos – USP e Ufscar para serem treinados nessa tecnologia. Estamos estudando também parcerias com outras universidades.
Você fala em desenvolver uma cultura voltada para inteligência artificial. Quais as dificuldades para conseguir esse objetivo em uma empresa do tamanho da Movile, com 1.600 funcionários?
Um dos desafios é fazer com que os líderes das empresas entendam o potencial dessa tecnologia e a urgência de incorporá-la aos seus processos. Também será necessário repensar a estrutura organizacional. Não é uma tecnologia que chega e é incorporada imediatamente, é algo que precisa ser inserido aos poucos, no dia a dia. Daqui para a frente, precisamos pensar em todas as invoações de forma a incluir a inteligência artificial e o machine learning, criando um organismo capaz de evoluir com o tempo. A Movile é uma empresa grande, mas é uma empresa jovem, que nasceu com um pé na tecnologia, e que por isso tem um ambiente propício para a aplicação da inteligência artificial.
Fonte: Época Negócios