Na crise, as falhas e dificuldades no relacionamento entre franqueadores e franqueados costumam ficar mais evidentes. E isso se reflete nos índices de mortalidade das empresas. Mesmo com o aumento de novas redes e lojas nos últimos cinco anos, a mortalidade também cresceu. De 2010 para cá, o número de negócios que fecharam as portas no franchising quase triplicou, saltando de 4.870 unidades para 13.140 no ano passado, segundo levantamento da Rizzo Franchise.
A pesquisa revela ainda que o modelo de negócio que mais vem sofrendo desgaste é o chamado ‘marca e produto’, no qual as exigências contratuais são difíceis de ser cumpridas em períodos de baixa nas vendas. “E o mais resiliente à crise é o ‘negócio formatado’, no qual o franqueador é mais parceiro do franqueado”, diz Marcus V.A. Rizzo, sócio da Rizzo Franchise.
O modelo ‘marca e produto’ é aquele pelo qual o franqueador é também o fornecedor dos produtos vendidos nas lojas da marca. Segundo Rizzo, 62% dos negócios de franquias no Brasil têm esse formato e a maioria desses contratos inclui uma cláusula de cota, pela qual o franqueado se compromete a comprar um determinado volume de mercadoria todos os meses.
Isso significa que o franqueado se torna um canal de distribuição do franqueador, que, na maioria das vezes, se exime de buscar no mercado melhores preços e negociações mais vantajosas para o franqueado. “É a chamada empurroterapia de produtos. O que cria conflito entre as partes. Isso não é sustentável”, diz Rizzo.
Esse modelo, que, segundo ele, diminuiu muito nos EUA por força do amadurecimento do mercado, ainda prevalece no Brasil. Já no ‘negócio formatado’, o franqueador vai a mercado junto com os franqueados para buscarem fornecedores homologados. “Que por volume e fidelidade oferecem as melhores condições de compras e qualidade”, avalia Rizzo. Ele cita como exemplo que considera bem-sucedido nesse modelo a rede McDonald’s.
Outro ponto polêmico discutido pelo setor neste momento é a forma como os royalties são cobrados e o percentual estabelecido. O contrato pode determinar a cobrança sobre as compras feitas pelo franqueado ou sobre aquilo que ele consegue vender. Especialistas alertam que para evitar dissabores é essencial o franqueado ler com atenção a Circular de Oferta de Franquia (COF) antes de assinar o contrato. Lá devem estar especificadas todas as obrigações entre as partes. Essa é a regra do jogo. Que nem sempre é respeitada. “Acompanho mais de 70 casos de mediação entre franqueador e franqueado e sempre tento evitar o litígio”, afirma Luís Rodolfo Cruz e Creuz, sócio da Cruz e Creuz Advogados e especialista em direito societário e em contrato de franquia. “Em um dos casos, o franqueado pagou R$ 100 mil à franquia só porque recebeu uma carta de intenção. Isso é ilegal”, afirma Cruz. O advogado explica que após receber a COF, o franqueado tem dez dias para analisar a oferta e decidir se irá assinar o contrato ou não.
Como o perigo mora nos detalhes, para os especialistas a marca também deve observar a regionalização do negócio ao formular o contrato. “Não dá para impor a mesma cota e grade sem considerar o volume de vendas de cada região”, considera Cruz. O grande desafio neste caso é estabelecer o alinhamento das partes para o bem comum.
“O franqueado tem que entender que o consenso tem que ser da maioria”, alerta Claudio Tieghi, diretor de inteligência de mercado da Associação Brasileira de Franchising (ABF). “E o franqueador deve estabelecer canal e estrutura quantitativa para atender a demanda e o momento econômico de cada região”, continua Tieghi. Para que o negócio funcione de modo transparente, a ABF defende que as marcas estabeleçam a criação de conselho de franqueados e visitas de campo. “O desafio é se concentrar no que é vital para a tomada de decisão.”
Tieghi explica, no entanto, que considera essas definições – marca e produto e negócio formatado – ultrapassadas e diz que o sistema de franchising já evoluiu. “Hoje ninguém faz franquia sem ter o negócio bem formatado.”
Para Claudia Bittencourt, sócia do Grupo Bittencourt, este é justamente o momento da franqueadora sair só da cobrança e rever o modelo de negócio, revisar processos e cortar custos. “Vejo muitos franqueados reclamando da baixa lucratividade, o que gera desconforto e pressão para as franquias”, avalia Bittencourt, que acompanha este mercado há 30 anos.
A consultora avalia com cautela os modelos nos quais a marca trabalha só com um fornecedor que é ela própria. “Pode ser estratégico para a indústria, mas trabalhar com um único fornecedor é frágil.” Claudia lembra que essa relação de negócio tem que ser de ganha-ganha, pois se o franqueado não tiver sucesso a rede não se sustenta. “Cota as vezes é tiro no pé. Tem que avaliar as causas da não venda.”
Na sua opinião e de outros especialistas, a crise vai fazer com que todos se mexam em busca de inovação, eficiência, relacionamento e boas práticas. A busca pelo ‘negócio formatado’ é vista por muitos como mais sustentável. Até porque um outro fenômeno resultante das baixas vendas são as liquidações fora de época. “Liquidação o tempo todo em franquia é sinal de alerta”, avalia o coordenador do curso de gestão do Centro Universitário Newton Paiva, de Belo Horizonte, Minas Gerais. “Isso está acontecendo porque elas precisam de capital de giro.”