Consolidação do digital e a aposta do omnichannel nas lojas ‘doca’ foram pontos cruciais para enfrentar a pandemia
Por Karina Lignelli
Aos 42 anos de idade, a Mormaii, uma das maiores marcas de artigos de surfe e moda esportiva do país, é case de transformação digital, considerada uma das varejistas mais avançadas do Brasil na integração on e offline.
Essa metamorfose, que começou em 2018 pelas mãos do coordenador de omnichannel Sacha Juanuk, um argentino descendente de ucranianos naturalizado brasileiro, agora colhe os (bons) resultados.
E em plena pandemia: o processo que nasceu da mudança de comportamento do consumidor, começou ‘meio desorganizado’ em 2017, conforme conta Juanuk, mas ganhou força com os parceiros certos. E fez a marca embarcar de vez no projeto ‘omnistore’, de integração total entre site, estoque e pontos de venda físicos.
Assim, a Mormaii intensificou a estratégia de não centralizar as vendas de suas mais de 30 linhas de produto apenas em canais on-line, mas integrar o sistema das franquias e revendas em seu site, e nos marketplaces.
Também aproveitou sua capilaridade para transformar suas lojas em pontos de entrega para o consumidor: lançou o modelo “Doca Omnistore”, pequenos galpões geolocalizados que operam como microfranquias e atendem apenas pedidos pela internet. Hoje, existem 13, mas a expectativa é chegar a 80 nos próximos anos.
A estratégia não só diminuiu custos e aumentou as receitas da marca, mas também beneficiou o consumidor, que pode comprar com frete grátis ou, dependendo da localização, pagar um valor fixo de R$ 7,90.
“O que nos interessa é o georreferenciamento, onde as lojas estão hoje, para fazer os produtos chegarem até esse consumidor de forma mais rápida e barata”, afirma o coordenador de omnichannel.
Resultado: produtos comercializados e entregues em 30 mil pontos de venda, entre franquias, docas e lojas multimarca, com crescimento de 300% em 2020 e faturamento estimado pelo mercado em R$ 350 milhões.
Em 2021, a marca fundada pelo médico-surfista Marco Aurélio Raymundo, o “Morongo”, que confeccionou sua própria roupa para surfar quando a água do mar esfria, já atingiu a meta de crescer 240%, comemora Juanuk.
“O atual cenário exige simbiose entre os dois ecossistemas. Ou uma empresa nasce omni, ou se transforma em omni. Caso contrário, vai sofrer de ‘darwinismo corporativo'”, diz o coordenador de omnichannel.
A seguir, com seu estilo descontraído, qu casa com o modelo de gestão da marca, Sacha Juanuk conta como a Mormaii tem atravessado (mais) uma crise no jargão do surfe: sem levar caldo.
Qual é o segredo para crescer 300% em plena pandemia?
Tecnologia. Com ela, a gente conciliou comunicação com o consumidor sem necessariamente ter de se deslocar do ponto A ao B: ele compra on-line e retira na loja, paga na loja e recebe em casa…
Essa integração quebrou a barreira do tempo: antes, para fazer uma compra, esse consumidor tinha que se programar, correr riscos. Hoje, sobra tempo para ir à academia, ficar com os filhos, curtir um esporte…
Fora que, comprar pela internet torna-se cada vez mais seguro. Nossa transição para o omni começou em 2018, 2019, mas foi por isso que, quando a pandemia entrou, crescemos fora do normal. E em meio a tudo isso, temos a loja física, que continua existindo. Mas agora ela tem outro propósito, e mudou radicalmente.
E qual o papel da loja física para a Mormaii hoje, além de ponto de entrega?
Com a virada omnichannel, elas ganharam bossa. Nossa grande flagship store (loja-conceito) é o site, mas as franquias viraram embaixadas da marca.
Temos pontos georreferenciados nas maiores cidades do Brasil, que se tornaram locais de experiência, de contato do consumidor com a Mormaii.
Porque uma marca 100% on-line não se sustenta, e uma 100% física também não. O atual cenário exige simbiose entre os ecossistemas: ou uma empresa nasce omni, ou se transforma em omni. Caso contrário, vai sofrer ‘darwinismo corporativo’.
Ou seja: o varejista que não se adaptar, não sobrevive.
Isso. As omnistores ganharam força pelas mudanças no comportamento de consumo, e a gente se preparou estruturalmente para isso. Mas o ponto da virada foi que, na pandemia, muitas pessoas aprenderam a comprar coisas básicas pela internet, como comida e remédios. E são pessoas na faixa etária acima dos 40 anos que, ou ficaram ricas, ou adquiriram fonte de renda no modelo tradicional. É onde tem concentração de dinheiro.
Hoje, você pode comprar um presente aqui em Garopaba (SC), e mandar entregar para alguém que está em férias na Bahia. Dá até para pagar via Pix. Com a tecnologia, não tem mais limitação: ela nos deu liberdade.
Acredito que o consumo não vai diminuir em relação à internet, mas fará as empresas projetarem um novo crescimento on-line, enxergando outros horizontes para vender – como o exterior. Você pode virar uma marca nacional que despacha produtos do Rio de Janeiro para os Estados Unidos. E sem fazer mídia.
Quer dizer que dá para se internacionalizar sem propaganda, nem loja física em outros países? Como está esse processo na Mormaii?
Uma dica supervaliosa: exportação simples não paga imposto. Então faz mais sentido criar uma operação on-line para o exterior do que no Brasil – tanto que hoje estamos conseguindo até entregar com frete grátis para os Estados Unidos, porque não é preciso recolher ICMS (um imposto interestadual) na venda.
O site da marca está disponível para qualquer país, mas a representatividade ainda é muito pequena, cerca de 3% do nosso negócio. Porém, mesmo sem fazer mídia na Califórnia, por exemplo, do tipo “compre neoprene do Brasil”, estamos percorrendo bem essa trilha. O jeito é fazer coisas que nem todo mundo pensou em fazer.
O processo de internacionalização é caríssimo e oneroso, mas já vendemos para 16 países através dos fabricantes. E plantamos a sementinha pela internet, entregando produtos de um jeito mais rápido e barato.
Voltando à integração de canais, fale um pouco mais sobre a expansão pelo modelo ‘doca’.
Desenvolvemos uma tecnologia que enxergasse todas as nossas lojas como estoque. Foi quando a gente ‘se ligou’ do problema tributário de despachar de um estado para outro: isso é viável apenas numa primeira milha. Mas na última milha, a do consumidor final, essa interação não é saudável. Ele demora mais para receber, às vezes é prejudicado na troca e na devolução do produto e, quando ele volta, passa por várias barreiras fiscais.
E como foi o processo de implantação?
Fomos aos shoppings para renegociar aluguéis, e acabamos negociando espaços para que lojas ou quiosques pequenos virassem estoque. E para isso, a gente tinha que ter cobertura ‘3 por um’, ou seja, para vender R$ 1 milhão, temos que ter pelo menos R$ 3 milhões em estoque.
Desenvolvemos a tecnologia e integramos nossas franquias e até as multimarcas, pois o que nos interessa é o georreferenciamento, onde as lojas estão hoje, para fazer os produtos chegarem de forma rápida e barata.
Despachar um produto de São Paulo gera custo de frete, e alguém tem que pagar: o consumidor, ou o varejista. Como a Mormaii tem pontos de venda em praticamente todos os estados e capitais, se dá ao luxo do frete grátis.
Por isso estar em mais lugares sai muito mais barato do que fazer investimento em mídia. Traz benefícios ao consumidor, e a conta é a mesma: não se gasta mais, nem menos.
Com toda essa integração, dá até para dizer que a Mormaii ‘venceu’ a guerra fiscal…
Olha, ela diminuiu muito, mas não 100%, porque ainda há consumidores de um estado que escolhem produtos que estão disponíveis apenas em outro.
Então, dá para dizer que diminuímos a guerra fiscal em 90% das operações, mas em 10%, não tem jeito: temos que recolher a tal guia interestadual de impostos.
Essa estratégia de estar em todos lugares é um outro jeito de fazer propaganda?
Isso. O dinheiro que a gente gastava em mídia para promover a marca mensalmente, ou seja, o óculos que custa R$ 399, se é impactado por uma mídia, gera um custo, mas nem sempre uma venda.Mas se o consumidor procurar óculos de R$ 399 com frete grátis, a tendência de compra é muito maior.
Pensamos sempre na última milha, em como o consumidor enxerga a marca. Senão, fica desconexo. Todo mundo gosta da Mormaii, acha a marca alucinante. Então não dá para oferecer uma experiência de compra que não tenha a ver com essa comunicação.
Vocês precisaram demitir nos períodos em que as lojas tiveram que ficar fechadas?
Como já tínhamos digitalizado tudo, transformamos os vendedores físicos em consultores de vendas pelo Whatsapp e pela internet. Então não houve demissões, e mesmo com a pandemia, abrimos uma loja por mês. Com a perspectiva do fim dela, a meta é continuar a abrir duas lojas omnistore mensais, todas franqueadas.
Mesmo no atual cenário, dá pra manter esse ritmo de expansão?
Temos hoje mais de 50 unidades omnistore, e devemos chegar a 60, nessa média de duas aberturas por mês. Só que não falamos mais em loja: tudo é doca, um ponto de entrega de produtos ao consumidor final.
Agora pensa: o consumidor ficou 18 meses praticamente bloqueado para qualquer prática de esporte, mas volta aos poucos a ter oportunidade de fazer o que ama. O brasileiro vê o surfe como paixão, como lifestyle, e ainda acabamos de ganhar um campeão olímpico (o potiguar medalha de ouro Ítalo Ferreira) na modalidade.
Com tudo isso, nossa meta de crescimento para esse ano, que era de 240%, já se concretizou agora em agosto, e em faturamento, esperamos dobrar o valor do ano passado. Já para 2022 não podemos ser tão otimistas, porque quando o crescimento é exponencial, em algum momento ele começa a se estabilizar.
Quais lições a Mormaii tirou da pandemia?
Uma é que o propósito vai além da venda. Ficou claro para os fãs da marca que nosso maior ativo é o surfe, é o nosso estilo de vida. A outra é cada vez mais acreditar que o importante é ter saúde física e mental para poder encarar qualquer momento de dificuldade. São aprendizados mais de ‘ser humano’ do que de business.
Fazemos parte do sonho de um médico surfista que, em 1979, desenvolveu produtos com o propósito de ficar mais tempo dentro da água, e nossa empresa funciona em cima disso. Para nós, a pandemia não foi um gatilho para melhorar o business, mas um momento difícil que, por acaso, estávamos preparados para atravessar.
Porque quando se fala em ‘aprendizado de business’, parece algo oportunista. Nunca pensamos em nos preparar para uma pandemia, mas para atender às expectativas do consumidor. Não dá para projetar crises, mas como pode ser esse relacionamento e o impacto no consumidor final. O sucesso é questão de tempo.
Fonte: DComércio