Sempre haverá espaço para novos produtos no mercado de alimentos. Afinal, esse segmento está diretamente atrelado à necessidade e ao prazer humano em comer. Quanto mais para trás a crise econômica ficar, mais a população brasileira vai se mostrar disposta a experimentar novos e melhores produtos alimentícios – seja colocando-os na cesta do supermercado ou comendo fora de casa.
Nos últimos anos, não faltaram tendências: houve quem quisesse se dedicar exclusivamente à culinária vegetariana, ao hambúrguer gourmet ou à cerveja artesanal, e quem tenha decidido apostar em formatos inovadores, que foram desde as refeições compartilhadas a até mesmo kits e assinaturas de marmitas.
Para Sérgio Molinari, diretor da consultoria Food Consulting, os empresários que desejam entrar neste mercado devem, antes de tudo, se planejar e estudar os consumidores, sua demanda e sua oferta, para não se arriscarem em uma bolha gelada como a das paletas mexicanas.
O que leva o consumidor a se apegar mais a um produto do que a outro? Vimos uma onde de paletas mexicanas surgir e depois desaparecer rapidamente…
Nossa consultoria viu que as paletas não eram diferentes o suficiente para criar uma novidade em torno de uma coisa que já existe. Picolés mais tropicais já existem no Brasil há décadas. Essa vestimenta mexicana é só uma releitura do que já existe, com a contrapartida de ter um preço alto. A relação custo-benefício não gerou relevância para o público. O açaí, que também chegou como um produto de consumo no verão, por outro lado, é uma fonte de energia, é natural, é brasileiro, é saboroso, e não tem um substituto direto. A paleta tinha uma dúzia de outros substitutos. Apesar de não ser barato, ele entrega um produto que atende às expectativas do consumidor – por isso tem uma perenidade maior.
E quanto a outros produtos que aparentemente ficaram no mercado brasileiro, como os hambúrgueres gourmet e as cervejas artesanais?
O centro do prato do brasileiro é sempre uma carne. Então, se considerarmos que o habito do brasileiro é muito apoiado na proteína, um produto com carne tem relevância. Além disso, a história mostra que o mercado cresceu muito com McDonald’s e outras redes de fast food no país. Ao mesmo tempo, o consumidor brasileiro aumentou seu poder aquisitivo, e com isso as pessoas foram se tornando mais exigentes. De 2002 até 2014, 68 milhões de brasileiros subiram pelo menos um nível na classificação socioeconômica do país. É como dizer que um país como a Inglaterra subiu de patamar; a população está aberta a novas experiências, e agrega algo mais elaborado ao estilo de vida. Quem não tinha acesso ao hambúrguer passou a ter hambúrguer barato, e quem já tinha passou a querer um hambúrguer diferenciado. O mesmo ocorre com as cervejas artesanais. O consumidor que quer cerveja boa está disposto a pagar um pouco a mais. Com as cervejas-padrão, temos o benefício do frescor e não do sabor. Quando se deu mais qualidade ao produto, e o consumidor percebeu que cerveja tem sabor e textura, um novo caminho se abriu para cervejas alternativas.
Por que modismos acontecem?
Poucas das tendências foram criadas de fato no Brasil. Cerveja artesanal e paleta não são produtos brasileiros. A maior parte das tendências é mundial. E elas surgem aqui pelas necessidades e curiosidades crescentes do consumidor, inerentes a um mundo cada vez mais globalizado, e somam-se a isso as transformações culturais. Alimentos são o segundo assunto mais fotografado e postado do mundo. Esse fator é global, e nos afeta diretamente.
E por que alguns modismos dão certo e outros não?
No caso das paletas, empresários do sul do Brasil conheceram o produto e pensaram que teria espaço no país. O que eu acho que foi irresponsável com o próprio negócio e com a rede foi acelerar sem os cuidados de estudos para abertura de lojas e sobre a demanda. Tem que fazer pesquisa, analisar se o preço é justo, entender se o consumidor tem intenção de consumir o produto novamente. Muitos dos empresários negligenciam as práticas responsáveis e ficam cegos porque enxergam um potencial astronômico. Faltou olhar se tinha relevância e se havia a perspectiva de se estabelecer.
E no caso das paletas ainda tinha o problema das franquias…
Acredito que existe certo erro de conceito ao dizer que um franqueado é um empreendedor. Geralmente, o franqueado não tem interesse em desbravar um negócio novo, construir um novo conceito, desenvolver um mercado. Ele quer pegar um recurso e aplicar numa fórmula de sucesso para que o recurso dele se multiplique, de preferência a um nível de risco e de esforço moderados. Com as paleterias, os empresários pensaram exatamente nisso, mas não fizeram a lição de casa. Das centenas que foram abertas, somente algumas conseguiram recuperar o investimento inicial.
Pode-se dizer que existe uma cultura empresarial ruim no nosso país?
De acordo com o Sebrae, atualmente existem no país cerca de 1 milhão de estabelecimentos de alimentação. Estima-se que 80% dos empresários não tenham nenhum tipo de planejamento formal, não fazem pesquisa de mercado e não acompanham tendências de mercado. Os empresários carecem de informação.
Qual seria a solução para este mau hábito?
Existem dezenas de entidades e associações que podem ajudar o empresário a se planejar, como o próprio Sebrae. Mas me parece que alguns empresários têm preguiça e displicência para buscar esse tipo de apoio. Empreende do jeito que acha que tem que ser e acaba pulando etapas do processo de montar um negócio. Não são todos os empresários que se adaptam ao mercado; é um negócio contínuo. Empreender não é só comprar, vender e atender. É preciso entender que o mercado exige atualizações, com conhecimento de melhores práticas, e que não dá para parar.
Fonte: Exame