Foi durante uma noite de insônia, assistindo a um documentário sobre moda, que Roberta Negrini, 40, decidiu mudar radicalmente de vida. Deixou para trás uma carreira inteira como executiva em empresas como Sony, Natura e Avon, para se tornar dona da Joaquina Brasil, marca de roupa que usa sobras de tecidos como matéria-prima e emprega entre suas costureiras ex-presidiárias.
Ela investiu R$ 1,5 milhão no negócio, que foi lançado oficialmente em maio de 2017, durante a Vest Rio – feira de negócios de moda. Começou vendendo no atacado, para multimarcas.
Em dezembro, optou em vender na própria loja. Por enquanto são duas: uma na Vila Nova Conceição, em São Paulo, onde está também a produção das peças, e outra no Shopping Iguatemi Sorocaba. Outras três estão em processo de abertura: uma no Shopping Pamplona, em São Paulo, e outras duas nos shoppings Iguatemi de Campinas e de Florianópolis.
Roberta afirma que faturou R$ 700 mil no ano passado, em sete meses de operação, e projeta R$ 2 milhões para este ano. Ela diz que ainda não tem lucro, mas espera recuperar o investimento até 2019.
Produz atualmente 2.500 peças por mês, entre shorts, saias, blusas e vestidos. As peças custam em média R$ 137 cada uma. “Nossas peças mais caras são os vestidos longos, que custam R$ 230”, diz.
Segundo ela, o valor é 50% menor do que uma peça similar de marcas como Farm e Cantão –nas quais ela se inspira.
Inspiração veio de documentário
Roberta diz que a ideia de criar uma marca de roupa que juntasse impacto social, impacto ambiental e lucro surgiu durante uma noite de insônia, enquanto assistia a um documentário sobre a cadeia produtiva da moda.
“Sempre trabalhei com consumo, muito focado na beleza, e aquele documentário me fez repensar que existe uma história por trás do produto que a gente come, que a gente consome, e que eu não tinha o hábito de pensar nisso. Isso ficou como uma sementinha”, declara.
A primeira empreitada como empreendedora foi na sequência, em 2013, logo que ela pediu demissão da Avon, no meio de uma promoção. “Comecei a trabalhar com e-commerce. Eu basicamente importava peças semiacabadas e vendia no e-commerce. Mas ainda não era o que eu queria”, diz.
Marca criada em três meses e baseada em sobras
O salto para a Joaquina Brasil surgiu quando foi convidada para participar da Feira Babilônia, no Rio de Janeiro. “Ao mandar as peças, que eram muito ligadas ainda ao mundo executivo, os organizadores disseram que elas nada tinham a ver com o Rio. Então, eu disse que tinha uma segunda marca, chamada Joaquina. Mas não tinha! Desliguei o telefone e falei com a equipe que tínhamos que criar uma marca em cinco minutos”, relata.
A partir daí passaram três meses criando uma marca baseada em propósito: um negócio que equilibrasse lucro, impacto social com o mínimo de impacto na natureza. Surgiu a ideia de produzir usando sobras de outras confecções e tecidos que são rejeitados por algum defeito.
Além de utilizar 100% de tecido reciclado das grandes confecções, especialmente do Brás, bairro tradicional de roupas em São Paulo, Roberta diz que não gera resíduo. “Nossas sobras são utilizadas por artesãos do Brasil inteiro que produzem anéis, bolsas e pulseiras, por exemplo. Compramos toda a produção deles e vendemos na loja.”
Contratação de ex-presidiárias
O segundo passo, contratar ex-presidiárias, veio de um encontro, no ano passado, com um conhecido do AfroReggae, ONG que tinha um programa chamado Segunda Chance. O projeto deu certo e acabou migrando para o Responsa, coordenado por Karine Vieira, ela mesma uma ex-presidiária.
Hoje, a Joaquina Brasil tem uma equipe de 21 funcionários, sendo 11 na produção. Dessas, sete são ex-presidiárias. A empresa acabou de receber uma concessão: usar o trabalho de detentas que ainda estão no presídio do Butantã, em São Paulo. “Temos 20 posições, e isso veio como um presente, pois a grande dificuldade é alinhar a minha velocidade de produção com a capacitação para atender a demanda das lojas que estamos abrindo”, diz Roberta.
A concessão prevê profissionalizar essas mulheres, que ao sair da cadeia terão a oportunidade de serem empregadas na Joaquina Brasil. Enquanto estão encarceradas recebem um salário mínimo.
“É um sentimento transformador. Porque eu sinto que eu estou fazendo algo que impacta em toda a família dessas egressas, e não apenas nelas. Essa bomba de autoestima que a gente gera para essa mulher traz benefício para a gente também”, declara.
Modelo pode servir para outras empresas sustentáveis
Bruno Zamith, consultor do Sebrae-SP, avalia a Joaquina Brasil como um caso de sucesso, por oferecer ao cliente mais do que moda. “A tendência que a gente vê no varejo, especialmente de moda, é que o cliente não quer mais apenas consumir. Ele quer ter uma experiência de compra, e a Joaquina oferece isso de várias maneiras”, afirma.
Cita entre elas a sustentabilidade tanto da utilização da matéria-prima quanto da produção, ao mesmo tempo em que desenvolve a mão de obra com um apelo social, contratando ex-presidiárias que “dificilmente” teriam outra chance. “Não é fácil para essas mulheres serem absorvidas pelo mercado de trabalho quando ganham liberdade”, afirma.
Ele também destaca o fato de a marca desenvolver peças com modelagem e estampas próprias. “É uma situação que cria uma barreira muito grande para outros concorrentes. A marca fica num posicionamento de mercado muito melhor”, diz. “Esses exemplos podem ser usados como referência para que um negócio de moda seja bem-sucedido”, afirma o consultor.
Entre os pontos de atenção –para a Joaquina e qualquer outra marca de moda–, Zamith destaca a atenção aos fornecedores de matérias-primas. “Ela precisa desenvolver vários fornecedores para ter a sua demanda atendida”, diz.
Outro ponto destacado é o planejamento da produção. Ele indica um calendário de produção: saber quando começar a desenvolver as peças, quando começar a costurar, quando fechar a produção, quando entregar nas revendas. “Esse calendário é importante para a empresa não se perder no tempo e conseguir entregar para o cliente na hora certa.”
Fonte: UOL