Todo ano, historicamente, o calendário da moda segue o mesmo script: apresenta uma coleção nova, correspondente a uma estação do ano ainda por vir, e só a coloca à venda dali a seis meses. Desse modo, no verão, modelos já estão desfilando uma coleção outono-inverno e vice-versa.
Mas essa dinâmica está mudando. Nas semanas de moda de Nova York e Londres, marcas como Tom Ford, Burberry, Tommy Hilfiger e Ralph Lauren fizeram o experimento de colocar as coleções à venda imediatamente após sua estreia nas passarelas. Na São Paulo Fashion Week deste ano, que se inicia no dia 23 de outubro, Riachuelo e Ellus 2nd Floor pretendem fazer o mesmo. A última edição do evento, que aconteceu em abril, já havia aderido à iniciativa.
A tendência, chamada de “see-now, buy-now” (veja agora, compre agora, em português) busca reverter em vendas o interesse gerado pela movimentação dos desfiles. A comercialização imediata altera inclusive a nomenclatura de coleções de “inverno”e “verão”, criadas para entrarem nas lojas com um intervalo de um semestre.
Em entrevista ao site “Fashion Forward”, Paulo Borges, diretor da São Paulo Fashion Week, afirma que a ideia das coleções segundo estações do ano perdeu o sentido há muito tempo. “Com o mundo afetado pela globalização e com estações cada vez menos definidas não faz mais sentido falarmos de inverno e verão. As pessoas compram moda por desejo. Não importa se é inverno ou verão”, diz.
“O ‘see now, buy now’ é uma tentativa da indústria da moda de responder à aceleração crescente da sociedade atual, globalizada e conectada”, disse ao Nexo Dario Caldas, sociólogo e diretor do Observatório de Sinais, uma consultoria que trabalha com temas de comportamento, sociedade e consumo.
Para ele, a defasagem tradicional entre o lançamento das coleções e sua comercialização, em um contexto em que as peças são vistas imediatamente via livestreaming dos desfiles, vinha sendo prejudicial para as marcas.
O que provocou a mudança
O consumidor que acompanha os desfiles não quer mais esperar meses para adquirir as peças nas lojas, como ditava a dinâmica das marcas, na era pré-internet. Isso se explica também com o comportamento de quem já nasceu nessa era do imediatismo da internet, segundo a diretora de marketing do Instituto Brasileiro de Moda (IBModa), Luciane Robic, em entrevista ao Nexo. A instituição atua nas áreas de educação, consultoria e pesquisa de negócios da moda.
Se atualmente as pessoas compram e têm acesso à informação de uma maneira diferente, há uma expectativa de que a oferta se adapte a esse novo contexto. “Existe hoje toda uma estrutura estratégica das empresas de e-commerce para conseguir achar os consumidores, saber o que eles precisam, o que querem, quais são as buscas e os caminhos que eles fazem”, diz Robic. “A gente precisa rever a questão da tecnologia porque ela já chegou para o consumidor final mas as marcas ainda estão engatinhando nesse processo”.
O impacto no mercado
Algumas marcas internacionais que testaram a distribuição imediata após a apresentação das coleções relataram aumento nas vendas. Joshua Schulman, presidente das lojas Bergdorf Goodman e do Grupo Neiman Marcus, disse que o melhor dia de vendas do ano para a marca Tom Ford foi logo após seu desfile em Nova York. Ele atribuiu esse sucesso à combinação do impacto de ver a coleção inteira nas passarelas e do senso de urgência, criado pela possibilidade de adquirir as peças logo em seguida.
Mesmo quando o número de vendas não aumentou por conta da disponibilização imediata das peças, o número de buscas pelas marcas na internet cresceu. Essa movimentação foi registrada pela plataforma Lyst que, embora não tenha recebido mais pedidos, teve um aumento nas buscas pelas marcas Burberry, Tommy Hilfiger, Tom Ford e Topshop nos dias seguintes à apresentação de suas coleções nas passarelas.
Isso sugere que, se o experimento não reverte necessariamente em vendas imediatas, se traduz em interesse de potenciais compradores.
As críticas ao modelo
Nem todas as grandes grifes estão entrando na onda do “see-now, buy-now”. No mercado internacional a oposição vem, principalmente, da Itália e da França. Em março, o estilista italiano Ermanno Scervino declarou que suas roupas levam tempo para serem feitas e que não tinha planos de seguir a tendência de vendê-las direto da passarela. “Isso não é para mim, nem para os produtos de excelência”, declarou à Reuters.
O presidente da Câmara Italiana de Moda, Carlo Capasa, classificou a tendência como um “ataque à criatividade”. O argumento é que, focando apenas nas vendas, as marcas priorizariam a produção com apelo comercial, deixando de lado a inventividade. As passarelas deixariam de funcionar como espaço de protótipos e experimentação.
As marcas francesas Chanel, Dior, Hermès, e Saint Laurent também estão entre as que se recusaram a acelerar suas cadeias produtivas.
Para elas, o valor das passarelas e de conservar a cadeia produtiva do modo como é hoje não é negociável.