Obrigado a se reinventar com a pandemia, segmento de moda infantil finalmente adere ao mundo digital e amplia atuação no varejo
Com a retração econômica, o varejo fechado por longos meses e shoppings com reaberturas lentas, o mercado que cresce em média 6% ao ano, segundo a Associação Brasileira de Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), enfrenta os sintomas da pandemia. Obrigado a se reinventar para sobreviver, o setor de moda infantil precisou aderir as tendências de mercado. Comprar menos, porém melhor e a construção de plataformas digitais de vendas passaram a ser fundamentais.
“´É um momento de cautela para compras”, alerta Marianna Nolasco, New Business Manager do WGSN Latam. “Conforme os pais reestruturam os gastos familiares existe uma redução nos gastos com roupas em geral, mas como a consciência de ‘comprar menos e melhor’ é uma tendência existe muito espaço para inovar e crescer no segmento. As marcas terão que reajustar a superprodução com uma abordagem mais simples ao design e fabricação”, sugere.
Foi o que fez a marca Green, há 35 anos no mercado e com mais de 20 lojas. “Rapidamente buscamos o equilíbrio financeiro que a quarentena nos impôs. Utilizando os mecanismos que o mercado disponibilizou, adequando o volume de produção à nova realidade, readequando despesas às receitas e reforçando os valores que a marca já possui”, conta Marcia Oura, proprietária que também aproveitou o momento para investir nas vendas online.
“Percebemos que estávamos atrasados. A digitalização é uma realidade imperativa. Nem sempre um processo fácil, mas necessário. Criamos também uma equipe, focada em fazer as entregas de deliveries, pois as pessoas continuavam a precisar presentear e repor o guarda-roupa dos filhos”.
O mesmo fez a Puket que já vinha passando por uma transformação digital, mas acelerou o processo no período de pandemia. “Ter operações pensadas para esse novo comportamento do consumidor é condição prioritária para se posicionar no cenário pós COVID-19”, fala Andrea Mendes, Head e Diretora de marca e produto.
A empresa tinha previsão de 10% de crescimento para o ano sobre o total faturado durante 2019. “Com a pandemia, revisamos nossa projeção para 2020 e apostamos numa retomada gradual até 1o trimestre de 2021. Desaceleramos o projeto de expansão em 2020 e mantivemos o número de lojas da rede. Acreditamos que o nosso plano retoma no 1o trimestre de 2021”, conta Andrea.
Outra percepção que as marcas tiveram foi a necessidade de reforçar DNA e propósito. “A Puket é uma marca com um conceito muito forte na conexão da família e, nesse momento, o convívio familiar se intensificou devido a necessidade de ficar em casa. Nossos produtos ganham relevância, já que proporcionam uma experiência encantadora através de pijamas, meias e sapatilhas”.
Ficar atento as demandas do consumidor e as necessidades de mundo é vital a sobrevivência no varejo e o que até então parecia apenas ser tendência passou a ser crucial às marcas infantis. “As pessoas estão revendo a relação com o consumo pela necessidade”, fala Marianna, do WGSN. “Isso as levará a repensarem sua relação com as marcas e deverão priorizar, cada vez mais, consumir de marcas com propósitos.”
Preocupada com o emocional das crianças, a C&A apostou na moda como ferramenta de diversão e brincadeira dentro de casa. “Tentamos trazer para nossas coleções a energia da criança, por meio de cores alegres, produtos interativos e lúdicos que interagem com a criatividade da criança e que oferecem, de certa forma, a brincadeira e não apenas uma peça de roupa”, fala Luciane Gehrke, Gerente Sênior de Infantil.
Uma das alavancas em que a C&A depositou esforços foi em trazer uma mensagem “família” nas coleções tal pai/tal mãe, tal filho(a), nas quais foi possível desenvolver produtos que mostrassem a proximidade da relação. “Também falamos o tempo todo de conforto e tivemos uma surpresa muito positiva em relação a roupas para ficar em casa. Houve um crescimento grande na linha pijamas e underwear, onde demos foco e ampliamos o sortimento com coleções capsulas”.
Atualmente com 287 lojas, a C&A é uma das líderes na categoria infanto-juvenil da moda brasileira e manteve a liderança durante a pandemia. “A venda do Infantil nos surpreendeu positivamente, mesmo dentro do cenário de crise, conseguimos atuar em cima de oportunidades, enxergando a necessidade do cliente e com isso alavancar as vendas”, revela Luciane.
Atentar-se as necessidades do consumidor e as mudanças comportamentais de mercado fica cada vez mais relevante para a categoria que procurou se adaptar rapidamente às demandas. “Neste cenário, itens que oferecem longevidade se tornarão um antídoto necessário para projetos descartáveis”, alerta Marianna, do WGSN. “Como proposta de produto, as peças que tenham construções adaptáveis proporcionarão maior vida útil e terão apelo, já que poderão ser passadas adiante para irmãos ou amigos. Apesar do preço peças ser um pouco maior do que as roupas infantis tradicionais, o consumidor vai entender a vantagem de ter um produto que dura mais tempo”.
Com quatro lojas físicas, desde 1998 no varejo, a Mixed Kids investiu na relação produto – cliente. “O consumidor está cada vez mais atento e questionador aos verdadeiros valores das marcas”, fala Carolina Porto, estilista da marca. “Percebemos que a proximidade com a cliente e o conforto foram essenciais neste momento e investimos na interação pelas redes sociais”.
Suas ações entraram no Instagram para garantir a comunicação com a consumidora mirim. “Criamos o #MixedTimeToLearn, onde as clientes mandam tutoriais com vídeos educativos usando nossos looks e o #MixedKidsTikTokers, onde as meninas mandam vídeos do TikTok. Além disso, fizemos uma atividade muito legal chamada ‘Memórias da Minha Quarentena’ para fazerem junto dos pais”.
Criar memória afetiva junto da marca é sempre um recurso forte do marketing e quanto mais verdade tiver na intencionalidade das ações, melhores os resultados. “As pessoas estão revendo a relação com o consumo pela necessidade. Isso as levará a repensarem sua relação com as marcas e com isso deverão priorizar cada vez mais consumir de marcas com propósitos”, lembra Marianna Nolasco, do WGSN. “Os valores, produtos e ações deverão ser consistentes e coerentes com a história da marca”.
Ainda que as perspectivas do ano tiveram que ser revistas e as projeções de crescimento pularam pra 2021, parece que o mercado entendeu a necessidade tanto de olhar para as previsões de tendências com mais atenção, quanto atender aos avanços do mundo digital e ampliar a atuação no varejo com outras ferramentas além da loja física. Um ganho que o consumidor final, certamente, vai sentir com as marcas que se relaciona.
Fonte: Estadão