Empresa avança plano para expansão da rede de lojas, que deve dobrar em 2022, enquanto enfrenta o desabastecimento da cadeia e a inflação no Brasil
Por Beatriz Pacheco
Para se sustentar em um mercado que vive, literalmente, de estrutura, a nativa digital Mobly está desenvolvendo o esqueleto da sua operação física no Brasil. Líder no segmento de móveis e acessórios para casa com 12 lojas na malha – sendo três megastores, quatro outlets e cinco franquias –, a companhia projeta abrir mais três unidades próprias e uma franqueada apenas no quarto trimestre deste ano, período em que as sazonalidades confluem e funciona como um farol para as varejistas. Fechando o ano com uma rede de 16 pontos físicos, ainda concentrados em São Paulo e região metropolitana, a projeção para 2022 é inaugurar pelo menos mais 20 endereços Mobly (incluindo franquias e operação própria), crescimento de 125%, e expandir essa frente no estado e para outras capitais como Rio de Janeiro e Belo Horizonte. “O on-line sempre será o core do nosso negócio, mas a loja é uma extensão que nos fortalece”, afirmou Victor Noda, CEO e cofundador da empresa. “A demanda de e-commerce em um raio de cinco quilômetros de cada megastore inaugurada aumenta em média 20%.”
Para alcançar o ponto de equilíbrio, em que as lojas físicas representariam 40% das vendas até 2024, a startup precisará resistir à pressão inflacionária e ao desabastecimento da cadeia, ameaça iminente para os prazos de entrega do fim deste ano. A companhia segurou os repasses aos consumidores, mas isso já está mudando. Durante o terceiro trimestre, a Mobly já estava com a rota recalculada, e prevê que a alta dos preços de até 30% garanta uma margem operacional melhor do que a do primeiro semestre. “Categorias como componentes metálicos e espuma aumentaram seus valores em 100%. A chapa de madeira aumentou 75% em um ano”, disse o executivo. “Optamos por não fazer um aumento brusco para não impactar a demanda.” Mas isso vai mudar.
Até aqui, o aumento do tíquete médio na plataforma segurou o crescimento de 38% da receita líquida entre maio e junho ante o mesmo período de 2020. O que se dá em parte pela maior participação da classe B nas compras. “O poder de consumo foi muito reduzido, então quem continuou comprando neste ano foi o consumidor de renda mais alta”, disse. Segundo Noda, outro impacto foi a migração para outras categorias, como sala de estar, seguindo a premissa de que o foco passou do ambiente funcional para o de convívio no lar.
O mercado de móveis e itens de decoração movimenta R$ 90 bilhões por ano no Brasil. Fragmentado e com 90% da receita concentrada em vendas físicas, as cinco maiores empresas hoje possuem 10% de participação no setor. Daí a estratégia da companhia para crescer equacionando as duas frentes (física e digital) por meio de uma estrutura omnicanal, parte do plano de negócio apresentado aos investidores no início do ano. A bem sucedida abertura de capital em fevereiro, quando levantou R$ 812 milhões, colocou a startup entre os papéis tech no mesmo movimento, caso das plataformas Mosaico, Méliuz e Enjoei.
DESABASTECIMENTO O segundo trimestre foi particularmente oneroso para a operação, que fechou com prejuízo líquido de R$ 17 milhões. O tombo veio depois do fechamento das lojas por um mês, durante a segunda onda da pandemia, seguida pelo enfraquecimento das compras on-line, que caíram 53% no setor de móveis e decoração durante o primeiro semestre em função da retomada do comércio físico. Após o IPO, a empresa está em processo de expansão no mercado nacional, o que a torna vulnerável. As vendas físicas representaram 14% do faturamento no segundo trimestre e estão diretamente relacionadas à projeção da marca, por isso acabam impactando também o on-line. “Dos clientes que compram na loja, 80% são novos. Destes, 20% voltam a consumir na plataforma digital em menos de seis meses”, afirmou o executivo.
Para garantir a redução dos custos logísticos e dos prazos de frete, a Mobly investiu R$ 6 milhões em lojas físicas e R$ 1 milhão nos armazéns. Com o desabastecimento da cadeia no auge da pandemia em 2020, os prazos dos fornecedores se estenderam em mais de 60 dias. Um ano depois, a empresa havia conseguido retomar a estratégia para reduzir o tempo de entrega, com média de cinco dias para estoque próprio e de 15 para estoque do fornecedor. Antes fosse tão simples. Como em qualquer obra dentro de casa, surpresas e problemas andam acompanhados. Neste caso, o mercado começou a sinalizar uma nova onda de escassez: faltarão chapas de madeira para o setor no fim deste ano.
A aposta da empresa para driblar a questão é focar na linha própria da marca, que representa 50% das vendas, e digitalizar a cadeia para ter maior controle sobre os estoques dos parceiros. “Já integramos 30% da cadeia com os sistemas de fornecedores, mas queremos chegar a 50% até o fim do ano”, afirmou Noda. Para ele, com a migração para o novo centro de distribuição em Cajamar (SP) em outubro, também serão reduzidos em pelo menos mais um dia o prazo de entrega para o consumidor final. Enquanto busca recursos e soluções para o negócio, a questão para a qual a Mobly – e todo o mercado – ainda busca respostas é como lidar com a instabilidade da economia brasileira.
Fonte: IstoÉ Dinheiro