Recentemente, tive a oportunidade de ler o texto “A Miopia do Marketing”, do professor de Harvard Theodore Levitt. O texto é um clássico e foi publicado em agosto de 1960. Nele, o autor discorre sobre como algumas empresas da época tiveram visão curta e que limitaram a longevidade e o potencial dos seus negócios.
Dentre vários exemplos apresentados, o texto cita a dificuldade das empresas ferroviárias, que, na época, estavam perdendo mercado com advento do crescimento de outras modalidades de transporte, como automóveis, caminhões e aviões.
A principal crítica do autor é que estas empresas se tornaram obsoletas por acreditarem que eram apenas “ferroviárias” e não uma empresa de transporte. Abaixo, uma pequena passagem direto da fonte do texto de Leviit:
“…As estradas de ferro não pararam de desenvolver-se porque se reduziu a necessidade de transporte de passageiros e carga. Isso aumentou. As ferrovias estão presentemente em dificuldades não porque essa necessidade passou a ser atendida por outros mas sim porque não foi atendida pelas próprias estradas de ferro. Elas deixaram que outros lhes tirassem seus clientes por se considerarem empresas ferroviárias, em vez de companhias de transporte. A razão pela qual erraram na definição de seu ramo foi estarem com o espírito voltado para o setor ferroviário e não para o setor de transportes; preocupavam-se com o produto em vez de se preocuparem com o cliente”.
É incrível como é possível atrelar esta mesma miopia ao mercado de comércio eletrônico no Brasil. O mercado padece da mesma doença, confundindo de forma errônea o canal com o modelo de negócios. Ao se restringir como empresa que vende apenas no digital, estas empresas focam no canal e esquecem de se preocupar com o cliente. Afinal, a jornada de compra do cliente, em sua grande maioria, é multicanal. Recordemos: o e-commerce sozinho não ultrapassa a fatia de 5% de todo o varejo.
Pra começar, e-commerce não é startup. É uma loja e ponto
A reflexão começa com o reconhecimento de um grande erro. Durante muito tempo, enxergamos aqui no Brasil empresas de comércio eletrônico como “startups”. Em 2012, em uma eleição das 10 maiores startups do Brasil pela Revista Exame, duas, eram essencialmente lojas virtuais: Dafiti e Baby.
Ah… e o erro não foi só nosso. A Business Insider também elencou a Dafiti como uma das startups mais sexys da América Latina em 2014. Mas, no caso, parece que receberam informação errada mesmo, pois chegaram a comparar a Dafiti com a Amazon na matéria.
A grande maioria das supostas “startups de comércio eletrônico”, entre 2009 e 2012, foram anabolizadas por forte injeção de capital de risco e cresceram negligenciando a lógica mercantil do comércio, ignorando indicadores financeiros como margem de contribuição, geração de caixa e lucro e se apoiaram em métricas de vaidade, como aquisição de base e números de fãs em redes sociais e acreditando em um indicador chamado LTV (Lifetime Value), que nunca se comprovou verdadeiro para o setor. Explicarei mais sobre LTV em seguida.
Avaliação pela quantidade de seguidores
A coisa já dava sinais de que estava errada lá trás, em 2011, quando o Santander comprou parte da Greenvana. No anúncio de aquisição, anunciou que a empresa tinha o maior número de fãs no facebook, conforme trecho abaixo :
“…a página da empresa no Facebook atingiu resultados surpreendentes: é a maior do país entre todas as empresas de varejo, com mais de 240 mil fãs e a maior do mundo entre as empresas focadas em sustentabilidade, quando mensuradas por interações”.
Percebam a miopia: uma empresa de varejo foi “avaliada financeiramente” pelo número de fãs em sua rede social. O número de vendas, ou até mesmo margem de contribuição, foram subjugados para a análise.
Por ora, já se passaram alguns anos, mas parte da miopia continua. Ainda em 2018, a Netshoes é a única empresa de varejo que destaca na sua apresentação aos investidores números como “membros registrados” e “usuários ativos”. Estes indicadores fazem bastante sentido para negócios digitais, como redes sociais, por exemplo. O Facebook recentemente teve uma grande queda nas suas ações após divulgar que está desacelerando o crescimento da base. Mas isso não se aplica para empresas de varejo. A situação, inclusive, talvez ajude a explicar a queda das ações da companhia, que no IPO chegou a bater U$ 20,00 a ação e hoje patina na casa dos U$ 2,70, com desvalorização aproximada de 85%.
Fonte: E-Commerce Brasil