Por Paulo Saldaña | O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do governo Lula (PT) rebate, em uma nota técnica, informações de que os gastos com apostas esportivas online, as bets, provocaram queda no varejo e aumentaram o endividamento da população.
A pasta também questiona conclusões do Banco Central sobre gastos de famílias com as apostas.
O documento foi elaborado pelo ministério comandado pelo vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) a pedido da AGU (Advocacia-Geral da União). A solicitação ocorreu por causa de ação no STF (Supremo Tribunal Federal) que pede suspensão da lei de bets.
O setor está em fase de regulamentação pelo governo Lula, tocada pela equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda).
A ação foi iniciada pela CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo). A entidade diz que a expansão das apostas no Brasil tem desencadeado o endividamento das famílias e prejudicado consideravelmente a economia doméstica, o comércio varejista e o desenvolvimento social.
Já no documento do Ministério do Desenvolvimento, o argumento é de que os dados de comércio no país não permitem identificar uma desaceleração do setor. A nota técnica, assinada na última sexta-feira (4), traz dados sobre o desempenho do setor varejista.
“Os dados disponibilizados pelo IBGE indicam que o comércio no Brasil está em crescimento, com as vendas no varejo apresentando as seguintes variações: Em julho de 2024, as vendas cresceram 0,6% em relação a junho. No primeiro semestre de 2024, o comércio varejista acumulou alta de 5,3%. Nos últimos 12 meses até julho, o comércio varejista acumulou alta de 3,7%”.
Questionada pela Folha, a CNC reiterou informações divulgadas em setembro, com “revisão para baixo da projeção de crescimento do setor varejista em 2024”, que passaria de 2,2% para 2,1%. “A mudança reflete o impacto negativo causado pelo aumento descontrolado das apostas online”, diz o texto.
A reportagem também procurou a AGU e Fazenda, mas não obteve respostas.
Na nota técnica, o Desenvolvimento também afirma que “é ainda mais complexo atribuir qualquer variação nos resultados do setor aos gastos em apostas e jogos de azar”, questionando, inclusive, dados apresentados pelo Banco Central em nota enviada ao senador Omar Aziz (PSD-AM).
A nota do Banco Central causou forte repercussão dentro do governo, no setor varejista e no Congresso. O documento concluiu que somente em agosto os beneficiários do Bolsa Família teriam transferido R$ 3 bilhões às bets em pagamentos via Pix. Ao longo deste ano, os valores mensais de transferência bruta para bets variaram entre R$ 18 bilhões e R$ 21 bilhões.
O ministério do governo Lula questiona essas conclusões, indicando dificuldades com o cadastro correto de atividades econômicas dos sites. “Tais valores representam valores brutos das apostas, sem considerar os prêmios pagos aos apostadores, o que resultaria em menor gasto líquido em apostas.”
A Folha já havia mostrado que a nota do Banco Central deixa lacunas e que integrantes do Ministério da Fazenda aguardavam mais detalhes sobre a metodologia adotada nesse estudo.
Procurado, o Banco Central não quis comentar.
Questionado, o Ministério do Desenvolvimento afirma que a nota não questiona informações do Banco Central, mas “afirma apenas que, com os dados oficiais disponíveis, não é possível avaliar tecnicamente o impacto das apostas”. E que, para isso, seria necessário “estudo mais abrangente, considerando ainda a interação das demais variáveis da economia”.
A pasta ainda ressaltou que a questão é considerada relevante e o ministério vai acompanhar e monitorar o tema, especialmente sob a ótica dos impactos no comércio varejista —o que também é descrito na nota técnica.
Sobre endividamento das famílias, a pasta comandada por Alckmin lança mão de dados Banco Central para concluir que há estabilidade, segundo dados relacionados ao primeiro semestre.
“Observa-se certa estabilidade no endividamento das famílias com o Sistema Financeiro Nacional em relação à renda acumulada dos últimos 12 meses, passando de 48,25% em agosto de 2023 para 47,83% no início de 2024 e, finalmente, 47,93% em julho de 2024”, diz o texto.
A nota foi elaborada pela Coordenação-Geral de Articulação Institucional Setorial, do Departamento de Comércio e Serviços do ministério.
Fonte: Folha de S. Paulo